terça-feira, 7 de julho de 2020

O mal cidadão e o novo pecado


          Na postagem sobre a politização do cotidiano, analisei de que forma o poder do Estado de agigantou, substituiu os valores tradicionais e transformou a ordem social espontânea num regramento de censura da conduta alheia, criando uma atmosfera de desconfiança entre as pessoas.

          A análise teve como principal fundamento da obra "O Jardim das Aflições", do filósofo Olavo de Carvalho.

         Mas se as pessoas censuram o comportamento alheio, quais seriam os "erros" do "mal cidadão" a serem censurados?

          No mencionado livro, Olavo de Carvalho traz a resposta, dizendo que o Estado secular, carregado de simbolismos de sua raiz revolucionária:

"...introduz na moral do homem moderno um novo senso de pecado.: na mesma medida em que a função da Providência já não é conduzir o homens à vida eterna, mas satisfazer a seus apetites neste mundo, o pecado não reside mais numa ofensa à dignidade do homem, ou na desobediência a um mandamento divino explícito, e sim no 'desequilíbrio'. 'Desequilíbrio' significa qualquer ato, pensamento ou hábito que possa colocar o indivíduo em desarmonia com uma ordem cósmica supostamente empenhada em garantir o sucesso, a saúde e a riqueza de todos os bons cidadãos. É 'desequilíbrio', por exemplo, cometer atos de violência, mas também é 'desequilíbrio' não escovar os dentes comer comidas gordurosas ou fumar, pelo menos 'em excesso', seja lá o que isto for. E como a ordem cósmica já não constitui apenas a passagem à esfera espiritual, mas vale por si como horizonte terminal da existência, o pecado não é punido com uma penalidade espiritual após o Dia do Juízo, mas aqui mesmo e na forma do fracasso mundano, da doença ou da pobreza." (p. 263-264)

          O desequilíbrio advém de condutas erradas e, como comentei na postagem mencionada, é dever do cidadão denunciá-las. Desta forma, a censura ao comportamento alheio não é apenas consequência do poder simbólico e coercitivo do Estado, mas também resultado do estímulo deliberado por governos e os meios de comunicação para que as pessoas ajam como "bons cidadãos".

          Ser "bom cidadão" é, além de seguir as regras ditadas, denunciar as erradas de um estranho, de seu vizinho, amigo ou mesmo um membro da família.

          O atual situação de diversas censuras públicas de pessoas comuns sobre a ausência de uso de máscara e a aglomeração de pessoas na crise do coronavírus. Como disse, em junho, um guarda municipal de Belo Horizonte, que as pessoas aglomeradas na ruas não tinham "responsabilidade, empatia e respeito em relação às outras pessoas"; ou ainda o grande número de denúncias feitas pelo Disque-Denúncia (nome sugestivo) do Rio de Janeiro pelo mesmo motivo.

         Vocabulário politicamente incorreto, consumo de gordura e açúcar, energia jogada "fora", supostas atitudes de preconceito, afirmação firme de uma única fé. A lista de pecados mundanos é enorme.

          A diferença é que o pecado, sendo originalmente espiritual, pode ser redimido pelo arrependimento do pecador, ao passo que o pecado mundano não apenas não admite arrependimento como pune, no ato, a pessoa pelo constrangimento direto, quando não a multa e a cadeia. E o carrasco pode ser seu vizinho.

          O novo moralismo moderno é um tribunal impiedoso


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