quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Falar do abortado. Para quê, não é?


Faço questão de reproduzir aqui um comentário sobre o aborto que coloquei no meu perfil no Facebook em 26 de outubro de 2011:

"O aborto é intrinsecamente absurdo já na hipótese. Todas as pessoas existentes, que existiram ou irão existir, passam pela condição da gestação. Quer dizer que TODOS, sem exceção, compartilham NECESSARIAMENTE de uma identidade comum, que foi a de ser concebido e viver no ventre materno. Ninguém pode escapar dessa marca indelével. A simples hipótese de considerar o aborto legal é colocar em dúvida a condição humana alheia, condição essa que não apresenta razão nenhuma para privilegiar quem defende esta monstruosidade. O aborto é anti-humano por excelência."

A pergunta é: qual é a razão para que os juízes do STF que liberaram esta prática até o terceiro mês de gestação têm para considerarem a si mesmos em condição humana diferente da dos fetos? Ou diferente da de todos nós? Não estiveram eles, um dia, exatamente na mesma situação cada um no seu momento? Ou será que eles, sendo adultos, desconsideram parte de sua própria história e, portanto, de sua própria identidade, já que todos nós, sem exceção, carregamos em nossas experiências como seres humanos os períodos iniciais de nossa vida no ventre materno?

O apoio à liberação do aborto sempre escamoteia a discussão sobre a existência ou não da vida humana na gestação. Sempre que eu li ou ouvi algo sobre o assunto este problema ficava em segundo plano e muitas vezes sequer era mencionado. O parecer do relator ministro Luís Roberto Barroso não foge desta regra. Diz o texto:

"É preciso reconhecer, porém, que o peso concreto do direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de seu desenvolvimento na gestação. O grau de proteção constitucional ao feto é, assim, ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade extrauterina, adquirindo progressivamente maior peso concreto."

Este é um pequeno trecho dentre dezessete páginas. Ademais, o texto é vago de por que até o terceiro mês. "Viabilidade extrauterina" não diz nada. Vale o mesmo para os que morrem por má gestação depois de nove meses? E por que não depois de nascer? O que prevalece são muitos outros direitos, principalmente a autonomia do corpo da mulher. Ela decide o que lhe aprouver até o terceiro mês de gestação. A questão da existência da vida humana não fica nem mesmo no segundo plano. Fica no enésimo.

Se alguém ignora ou determina arbitrariamente sua condição antes de nascer, que legisle única e exclusivamente sobre o próprio corpo, e não sobre o feto. E que falem por si mesmos. A começar pela Suprema Corte e os apoiadores da "causa".

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A História, os falsos profetas e o Evangelho do fim do mundo

(Cidade de Homs, na Síria, completamente arrasada pela guerra: mesmo que quisesse, o homem não poderia realizar o fim do mundo.)

Estamos acostumados a ouvir críticas sobre o fanatismo religioso que nivelam o cristão sincero e verdadeiro ao Estado Islâmico, a Al-Qaeda ou às seitas como a de Jim Jones, que levou ao suicídio quase mil pessoas na Guiana em 1979, todos sob o rótulo de "fundamentalismo". É evidente que por detrás disso há um preconceito antirreligioso, mais especificamente anticatólico e, com mais evidência no Brasil, anti-evangélico, ainda que este preconceito não seja deliberado e parta em sua maioria, penso eu, de pessoas que não atinam da gravidade da comparação.

Estes críticos esquecem (na verdade ignoram, porque falam do que não entendem) o alerta dado pelo próprio Jesus no Evangelho anunciado em 22 de novembro passado. Quando ouvi a passagem fiquei pessoalmente tocado, não só pelo anúncio de quem Jesus dizia ser, mas acima de tudo pelos acontecimentos do por vir. Eis a passagem, presente em Lucas 21, 5-11:

"Naquele tempo, algumas pessoas comentavam a respeito do Tempo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votativas. Jesus disse: 'Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.' Mas eles perguntaram: 'Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?' Jesus respondeu: 'Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome dizendo: 'Sou eu!' e ainda: 'O tempo está próximo'. Não sigais esta gente! Quando ouvirdes falar em guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim'. Jesus continuou: 'Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes, pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu.'"

Jesus deixa claro: Ele é o único enviado, o único Filho de Deus, por mais que isso soe como fanatismo para os descrentes ou maluquice para os muçulmanos, para os quais seria absurdo que Allah, "o algo", se pudesse ser traduzido, encarnasse numa pessoa.

(Fila para comprar pão na URSS, em abril de 1991, nos últimos meses do regime comunista: por mais que se tentasse manter a normalidade era impossível controlar o que as pessoas decidiam fazer e, portanto, as consequências de seus atos. O regime caiu sete meses depois.)

O mais relevante, porém, é seu papel como Deus. Guerras, revoluções, mortandades, catástrofes naturais... a História continuará apesar de tudo isto. Jesus está declarando que é o Senhor decidirá quando ocorrerá o fim, já que Ele que está no comando do curso histórico. Por mais que o homem queira dirigir os acontecimentos em sua totalidade ou queira abortar os planos divinos, seus projetos são impossíveis de serem realizados. Primeiro porque determinar o curso histórico pressupõe-se o controle total sobre ele, e este controle total é materialmente impossível. Mesmo que o homem tivesse conhecimento o suficiente, os meios para realizar este novo mundo estão fora de alcance. Não há meios (nem nunca haverá) que possa determinar cada uma de nossas decisões diárias, desde o desejo de ter uma família ao propósito pela manhã de escovar os dentes. Há como impedir estes acontecimentos, mas não há como impedir que se deseje fazer isto. Um regime totalitário como o soviético, por exemplo, vivia sob uma capa de oficialidade que as pessoas sabiam que era irreal. O paraíso socialista contrastava com as longas filas para comprar pão nos seus últimos anos de existência. Com a queda do regime oficialmente ateu, a Rússia perdeu metade de sua riqueza em dez anos, um colapso econômico que estava sob artificial controle do Estado, e passou por um forte reavivamento religioso. Ainda que a fé ortodoxa seja muito pouco praticada (em torno de 2 ou 3% dos russos vão à liturgia semanalmente), a proporção de crentes em Deus explodiu.

(Por mais que se tente, a separação Igreja-Estado jamais será absoluta. A dimensão religiosa é inerente ao homem, é incontrolável e sempre resultará em acontecimentos inesperados.)

Abortar o plano divino também não é viável. O nazismo e o comunismo já tentaram fazer isto explicitamente, e os atuais meios empregados pela engenharia social na busca pelo igualitarismo ou a total democratização da sociedade (cujos processos só podem ser realizados por meio de uma brutal concentração de poder, portanto, de um enorme controle social), também esbarram na possibilidade pura e simples. Hoje os engenheiros e cientistas sociais buscam a todo o custo, por exemplo, demarcar "cientificamente" a separação Igreja-Estado, cujas realidades se interpenetram. No Brasil esta separação está oficializada no Artigo 19 da Constituição, mas mesmo assim não há como estabelecer, por exemplo, uma linha demarcatória clara sobre o que um professor de religião pode ou não dizer aos seus alunos sobre o tema numa escola pública, nem o que os alunos podem ou não expressar a respeito do que creem. Isto é um consenso mesmo entre os cientistas sociais brasileiros que olham com muita desconfiança a atual educação religiosa. O problema, como bem observou o sociólogo americano Peter Berger, é que o homem é um ser essencialmente religioso. Mesmo um intelectual ateu teria de aceitar esta informação como um dado real (eu mesmo conheci um sociólogo doutor que concordava com esta afirmação). Não há como suprimir esta dimensão humana, a não ser eliminando fisicamente as pessoas como fez Stálin com a Igreja Ortodoxa Russa a partir de 1929 quando quase a totalidade de seus sacerdotes foram presos ou fuzilados.  Não é possível a modelagem total da religiosidade popular através de leis, nem mesmo com uma educação laica. Esta modelagem teria de penetrar a alma e subjulgar a vontade, que Santa Teresa D´Ávila na autobiografia "O Livro da Vida" chama de "potência da alma". O controle do fenômeno religioso e de suas consequências sociais é impossível. A religiosidade sempre brotará e alterará espontaneamente o curso dos acontecimento.

Em resumo: controlar o rumo da História é abortar o plano divino, e para abortar o plano divino é necessário ter controle total sobre a História. Se a História não pode ser totalmente controlada, isto significa que ela obedece a alguma ordem que não emana de nossa vontade. É isso que Jesus está dizendo: por mais que hajam guerras e matanças, "não será logo o fim", isto é, mesmo que o homem deseje, ele não conseguirá realizar este fim. Se um dia houver uma guerra nuclear, ela também não dará um fim à humanidade. Da mesma forma as catástrofes naturais não serão o fim. E como poderemos garantir isso? Simplesmente porque Deus não quer. Parece uma resposta boba, tautológica, mas esta afirmativa fala por si mesma. O que está fora de nosso controle está sob controle divino. Se Deus afirma que catástrofes naturais, que estão fora de nosso controle não serão o fim, é porque não serão. A razão disto é o próprio Declarante.
 
             
 
(Testemunho do Milagre do Sol em jornal português, em 1917, e chamada sobre a aurora boreal no Reino Unido, em 1938: "grandes sinais serão vistos no céu".)

O final do Evangelho também me marcou muito. Quando ouvi que seriam vistos "grandes sinais" no céu logo lembrei do Milagre do Sol de Fátima ocorrido em 13 de outubro de 1917. Este milagre foi testemunhado por 70 mil pessoas e pela imprensa portuguesa da época. Foi em Fátima também que Nossa Senhora avisou que, caso a humanidade não se convertesse, haveria uma guerra ainda pior do que aquele que estava por terminar, e que esta nova guerra, a iniciar no papado de Pio XI, seria anunciada por luzes no céu. A aparição ocorrera durante a Primeira Guerra Mundial, e a Segunda veio efetivamente em 1º de setembro de 1939 quando a Alemanha Nazista forjou uma agressão inimiga e invadiu a Polônia. Pio XI, porém, terminou seu reinado em 10 de fevereiro daquele ano. Acontece que a primeira agressão alemã não veio com tanques e tiros: veio com a anexação da Áustria, conhecida como Anschluss, em 12 de março de 1938 quando tropas alemãs iniciaram sua marcha sobre o país. Algumas semanas antes, na noite de 25 de janeiro, uma espetacular aurora boreal iluminou os céus da Europa e mesmo do norte da África, caso raro e que marcou a época. O Milagre do Sol viera anunciar novos sinais no céu, prenúncio da guerra. Fátima é o microcosmo do Evangelho de Lucas para o século XX. Mas a guerra que ceifou pelo menos 60 milhões de pessoas, inaugurando o genocídio "científico" e o uso da bomba atômica, não foi o fim.

Caso os cristãos não fossem prudentes apoiariam líderes genocidas, estes sim fanáticos, "fundamentalistas" para utilizar a linguagem dos críticos do cristianismo e das religiões em geral. Apoiariam também os falsos profetas, os usurpadores e servidores do inimigo. Mas Jesus alerta para que não sigamos esta gente. É pelos falsos profetas que tentam realizar o Fim, o Apocalipse adornado de Paraíso. Mas todos eles sucumbem à providência divina. Não há guerra, nem revolução que dê fechamento ao curso da História. Nem mesmos os astros e a natureza, caso assim quisessem por força mágica, poderiam fazer o mesmo. Deus não é só o início, como também o fim da História. A História nasce do Alto e a Ele retorna formando uma imagem única que está gravada de forma definitivo na Eternidade.

domingo, 27 de novembro de 2016

Hollywood e a guerra contra o espírito

(Cena do filme "A Chegada": nave alienígena em Montana, EUA.)

Ontem assisti no cinema o filme "A Chegada". A estória trata de um tema muito batido nos filmes de Hollywood: alienígenas subitamente chegam à Terra causando muito tumulto entre os humanos, não necessariamente uma guerra, mas discussão, tensão, debate, questões que mexem com nossa existência.

A principal personagem do filme, Louise (Amy Adams), é uma linguista americana recrutada pelo exército para estabelecer uma comunicação com alienígenas que, subitamente, pousaram suas naves em doze diferentes pontos da Terra. Uma delas está no interior do estado de Montana, nos EUA, onde se passa grande parte do filme. Não cabe aqui contar todo o enredo, mas alguns eventos estranhos acontecem ao longo do filme: Louise começa a ter visões sobre sua vida. Mais tarde, ela descobre que essas visões são de sua vida no futuro e que, de alguma forma (e isto não fica claro), eram os alienígenas que lhe conferiam essas visões.

Outras questões que chamaram minha atenção foi a tensão política e militar causada pelas naves. Uma delas estava sobre o mar junto à cidade de Shanghai, na China, cujo exército exigiu que a nave no espaço aéreo chinês se retirasse do local. A exigência veio depois de um  por erro de comunicação, e caso o prazo não fosse cumprido a China atacaria a nave.A  Rússia (que tinha duas naves sobre seu território) e o pobre Sudão decidiram fazer o mesmo.

Num determinado momento do filme, Louise tem a visão de uma conversa que ocorreria dentro de uma ano e meio no futuro, com o general Shang, chefe do Exército de Libertação Popular da China, que decidira pelo ataque. O diálogo acontece durante uma celebração num salão de eventos. O general agradece o papel da linguista pela união de todos. Isto mesmo: união. No salão há bandeiras das potências mundiais, e ao centro um dos símbolos de linguagem utilizado pelos alienígenas. O mundo estava, portanto, politicamente unido. EUA e China eram não só amigos, mas aliados, bem como todas as potências mundiais.

O filme também repete o enredo de muitos outras produções hollywoodianas: os alienígenas estavam na Terra muito tempo. Neste caso, há três mil anos. Louise descobre isso num diálogo direto com os visitantes, quando estes a trazem sozinha à nave. A razão que levou o exército da China a decidir pelo ataque foi o erro de interpretação dado pelos chineses à frase "oferecer arma" que, no sentido dos aliens, era na verdade "oferecer presente". Louise descobrira isto numa simples conversa e fora a chave para evitar uma guerra.

Ela também descobrira que a linguagem alienígena possuía uma estrutura totalmente diversa da linguagem humana, dentre elas a de que o tempo não era linear. A escrita tinha outra estrutura de tempo. Havia uma relação, portanto, entre a linguagem e as visões do futuro que brotavam na mente de Louise. A linguagem alienígena era representativa da imagem unificada de tempo, onde passado, presente e futuro se unificavam numa mesma imagem.

(Cena do filme "A Chegada": exército chinês decide pelo ultimato seguido de ataque à nave alienígena. Para o filme, a ameaça à paz está na divisão entre Estados. É necessário uni-los.)

O que chamou minha atenção, porém, não foi o papel da personagem, mas o mistério profundo envolvendo a longa presença alienígena e sua missão profética. Os aliens não só estavam há três mil anos na Terra como ele ofereciam, como profetas de uma nova humanidade, um "presente" que, se não entendi errado, era uma nova forma de ver o tempo e a ordem do real, cujo efeito seria um futuro de paz e harmonia. Os grandes inimigos dos profetas vindos do espaço eram os agentes de Estado. Assim como generais chineses, russos (que no filme assassinaram um dos pesquisadores envolvidos nas tentativas de comunicação) e africanos, membros do exército americano, obcecados pela segurança nacional, tratavam as naves como ameaça. Os inimigos da paz, portanto, eram os Estados nacionais e suas lógicas de poder, ao passo que os proponentes da paz eram os alienígenas, capazes, de forma misteriosa, de prever o futuro e apresentá-lo na intimidade da mente humana. A paz que Louise conseguira junto ao general chinês foi possível porque ela, num ato quase desesperado, entrou em contato com ele pelo sistema de comunicação utilizado pelos pesquisadores para lhe dizer algumas poucas palavras em mandarim. Estas palavras eram as que sua mulher lhe dissera instantes antes de sua morte, e que Louise ouvira durante a visão que tivera.

Aqui chego ao ponto que me interessa: a concepção de tempo dos alienígenas no filme é a concepção de eternidade. Se era possível ver o futuro, era porque os aliens tinham a capacidade, por algum meio misterioso, de conhecê-lo. Mas o filme não explica de onde vinha esta capacidade, nem de qual lugar do Cosmo as naves tinham origem. Elas simplesmente apareceram e estavam na Terra de forma invisível. Também não havia qualquer indicativo ou mecanismo utilizado pelos alienígenas (se um máquina, se telepatia ou mesmo alguma força espiritual) para projetar na mente de Louise as visões do futuro. As visões simplesmente apareciam

Dado o mistério e a enorme capacidade de influenciar os acontecimentos, o filme propõe que, sim, toda a humanidade fora mais ou menos guiada por forças alienígenas, a despeito da história das civilizações, das grandes religiões e dos grandes acontecimentos que marcaram época.

(Cena final do filme "Presságio": reprodução do Paraíso por mãos alienígenas. Deus está fora da estória.)

Muitos outros filmes hollywoodianos têm a mesma cosmovisão: depois de filmes como "Contatos Imediatos com o Terceiro Grau" e "E.T., o Extraterrestre", dos anos 80, a saga de alienígenas criadas a partir de "Independence Day" de 1996 é um misto de mistério com ameaça à Terra. Todos eles clamam aos alienígenas como guias espirituais do homem, à necessidade de unificação política planetária em nome da paz e da segurança da humanidade, a salvação da natureza, ou a isto tudo junto. No primeiro "Independence Day" o mundo, liderado pelos EUA, consegue libertar a humanidade da ameaça de extermíni; no segundo filme, "Independence Day: Ressurgimento", os alienígenas retornam vinte anos depois a uma Terra cujas forças militares estão unificadas sob comando da ONU. Na refilmagem "Guerra dos Mundos", os aliens, depois de causarem caos no mundo inteiro, simplesmente são enfraquecidos e morrem unicamente por terem se contaminado com uma Terra poluída pelo homem (foi o pior filme do gênero que já vi). No original "O Dia em que a Terra parou", os visitantes vêm alertar sobre o perigo que uma guerra nuclear poderia causar à humanidade e ao sistema solar, cuja solução passaria pela coordenação de um acordo global. A refilmagem rebaixou a proposta da política para o ambientalismo: o homem estava destruindo o planeta, e cabia às forças alienígenas alertar, mesmo que sob ameça, a humanidade sobre os rumos que seguia. Em "Presságio", o personagem vivido por Nicholas Cage decodifica uma série de mensagens em números que dão as datas, coordenas e números de mortos de uma série de tragédias. Até que ele descobre a data do fim do mundo. Quem comunica essas informações são alienígenas, que vêm à Terra salvar seus filhos e trazê-los de volta quando o planeta tem sua superfície renovada. A cena final é uma literalização do Gênesis: o casal de filhos corre sobre um campo brilhoso com uma árvore ao centro, numa reprodução ufológica do Paraíso de Adão e Eva, enquanto as naves partiam para o espaço. Os deuses alienígenas davam reinício à humanidade. Hollywood reecrevera a Bíblia.

(Base na lua do sistema de defesa global no filme "Independence Day: Ressurgência": ataque alienígena foi razão para a unificação militar planetária.)

Reparem que em todos estes filmes não há qualquer menção a Deus ou ao plano transcendente, mesmo que de forma vaga. O horizonte existencial de Hollywood fecha-se totalmente no mundo imanente: todos os mistérios, todos os acontecimentos, todo o sentido da vida está encerrado na presença da vida alienígena. A psique é a única dimensão para além do mundo sensível, sendo este mesmo dominado pelos extraterrestres.

Alguém pode ainda lembrar que Hollywood filmou "A Paixão de Cristo". Em primeiro lugar isto já mostra a dimensão do problema: fora um filme essencialmente religioso, as questões espirituais ou transcendentais estão abolidas das grandes produções americanas, a exemplo do cinema-catástrofe e dos filmes de super-heróis (impossível não lembrar do personagem Apocalypse, do último filme da série X-Men, uma literalização histórica e material do último capítulo da Bíblia, dos Quatro Cavalheiros e de outras tradições religiosas). Jim Caviezel, que fez o papel de Jesus Cristo, teve sua carreira praticamente encerrada após as filmagens do épico. Motivo? Boicote velado de Hollywood. Aos que duvidam que seja exagero, quem declara isto é o próprio ator.

As referências religiosas que se apresentam nos filmes hollywoodianos geralmente estão desconectadas de seu sentido original. O personagem Apocalypse é um exemplo. Em "Guerra dos Mundos" a desconexão vai ainda mais longe: a cena em que a frente de uma igreja se desloca abrindo a frente do prédio, e em seguida surge a nave alienígena de debaixo da terra (o tripod) matando todo mundo, sugere que o mal estava lá há muito tempo e que finalmente foi liberto. O filme inverte o sentido da religião cristã.

(Cena da refilmagem "Guerra dos Mundos", quando surge a primeira nave alienígena que começa o extermínio da população: inversão e escamoteamento do cristianismo.)

A importância do cinema de Hollywood está no seu alcance a milhões de pessoas. O cinema, assim como a literatura e as novelas, moldam o imaginário social das massas. Hollywood está promovendo, de forma deliberada ou não (não saberia julgar) uma cosmovisão onde Deus está ausente ou, pior ainda, onde nem mesmo o transcendente existe. E se existe, é inacessível a nós. Não podendo vencer o espírito, estas grandes produções o enclausuram numa gaiola e acostumam o imaginário a desconsiderar a transcendência. Paralelo à ignorância espiritual, somos estimulados ao apelo à paz, à harmonia, à salvação do planeta, possível apenas pela união de todos para com todos. Hollywood propõe que ignoremos o espírito e aceitemos o governo mundial.