quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Reflexão acerca da ingenuidade em Frithjof Schuon: a prepotência moderna

(Vitral com a representação do Espírito Santo na Basílica de São Pedro, no Vaticano: fonte de ciência, inteligência e sabedoria. Ele não prescinde de nenhum dos três.) 

O mundo moderno valoriza o que é inteligente (isto é, o acúmulo de conhecimento e domínio da técnica), e não o que é sábio, muito menos santo. Inteligência é, na verdade, capacidade de conhecer a realidade e, portanto, não ter apenas o dom da ciência. Caso contrário nos bastaria, dentre a ciência, a inteligência e a sabedoria, dons do Espírito Santo, que ele portasse apenas o primeiro e dispensasse os demais.

(Frithjof Schuon: segundo Olavo de Carvalho, conhecedor da obra do filósofo suíço, Schuon era um intelectual de grande envergadura e com enorme impacto no Ocidente.) 

No seu ótimo e conciso livro O Homem no Universo o filósofo suíço convertido ao islam Frithjof Schuon faz uma reflexão acerca da problemática do conhecimento nos dias de hoje. Para ser mais exato, ele lança um olhar crítico acerca do fingimento de parecer inteligente, uma artificial necessidade que nada mais faz do que dar um contorno elegante à ignorância. Diz o filósofo:

"É feito um monstruoso esbanjamento de habilidade mental para exteriorizar opiniões que não têm nenhuma relação com inteligência; os que por natureza não estão dotados intelectualmente aprendem a fingir que pensam e inclusive já não podem prescindir desta impostura, enquanto os que são dotados correm o risco de esquecer-se de pensar ao seguir a corrente. A aparência de uma subida é na realidade, aqui, uma descida, a ignorância e a ininteligência estão à vontade dentro de um refinamento completamente superficial, e daí resulta um clima que faz com que a sabedoria apareça sob um aspecto de ingenuidade, de rusticidade, de sonho.

Em nossos dias, todos querem parecer inteligentes; preferir-se-ia ser tachado de criminoso a sê-lo ingênuo, se isso pudesse ser feito sem riscos." (p. 151)

Quando reli este trecho não pude deixar de lembrar da educação moderna: necessária para o domínio da técnica, a educação de hoje traz todos, sem exceção, ao exercício do conhecimento. O problema é que conhecimento não passa disso: conhecer, saber, ciência. A capacidade de compreensão da realidade é um salto para outro nível, o da intelecção. A educação de hoje não nos capacita e compreender a realidade, a refletir sobre a existência da qual fazemos parte. Ela nos dá os instrumentos para domínio do mundo sem sabermos o real potencial deste domínio. Por isso a educação moderna, a exemplo da tagarelice que se espalhou pelos meios de comunicação como a internet, dá a ilusão de que sabemos alguma coisa enquanto corremos o grave risco de opinar sobre algo que somos totalmente ignorantes (espero não ser o caso deste texto).


 (Domínio da técnica, a ilusão de saber mais do que se entende: o homem-massa de Ortega y Gasset é o protótipo do homem moderno, incapaz de ver o esforço de seus antepassados, mas disposto a agir e opinar sobre tudo.)
 
Mais adiante Schuon ataca uma das consequências da ilusão do conhecer. Na arrogância de se considerar conhecedor da realidade, o homem atual lança seu olhar de desdém para o passado:

"...é preciso sempre começar a sublinhar que 'já se disse muito que...' e que a realidade é totalmente diferente e que por fim se descobriu, e que antes todo mundo estava na 'mentira'. Este estratagema é aplicado sobretudo às coisas evidentes e universalmente conhecidas..." (p. 151-152)

Como se já não bastasse o mundo da opinião, ela ainda por cima joga seu veneno sobre as conquistas pregressas, especialmente, segundo o autor, nas coisas dadas como óbvias. A mentalidade moderna vê a Idade Média como "Idade das Trevas", a despeito dos 262 milhões de assassinatos só no século XX segundo o cientista política Rudolph Rummel ou nas inúmeras conquistas artísticas, científicas e culturais da Igreja Católica; vê no modelo de família "tradicional" um modelo "arcaico" e "opressor" como se as diversas formas de família pregadas por movimentos ativistas fossem da mesma natureza que as que garantem a perpetuação da humanidade e da qual todos nós somos herdeiros, e como se todos nossos antepassados, sem exceção, estivessem mergulhados numa mentalidade preconceituosa e homofóbica; e vê também no estilo de vida burguês (leia-se: moderno, de abundância de bens) o estilo de vida por excelência, como se toda a história pregressa não tivesse sido necessária, entre acertos e muitos erros, para que chegássemos a um nível de conforto material jamais visto da História. Como revela o filósofo espanhol José Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, hoje assistimos ao que ele chamou de "ascensão vertical dos bárbaros", a majestosa subida do nível de vida do homem comum que ignora todo o esforço necessário empregado na criação dos bens e do conforto que lhe é oferecido. Com trabalho e um pouco de economia, um cidadão de classe média no Brasil pode, por exemplo, lançar-se uma viagem à Paris em dez horas, algo absolutamente impossível para nossa corte imperial do século XIX. Nunca, jamais o homem comum teve tanto poder em suas mãos.

A mentalidade moderna, encobrindo o homem médio (o "homem-massa" de Gasset) com conhecimento, dá-lhe a ilusão de compreender muito mais do que realmente compreende. A ignorância elegante enfeita o baú vazio, dando a impressão de que basta parecer complicado para parecer inteligente.

(Santa Teresa de Lisieux: falecida antes dos 24 anos, foi considerada doutora da Igreja pela sua contribuição à compreensão da revelação cristã através dos testemunhos de um vida simples.)

Schuon nos dá os exemplos dos sábios e dos santos como o contraponto do homem superficial adornado com seu conhecimento artificial. Há uma simplicidade que habita o fundo de nossa alma e da qual não podemos escapar:

"De qualquer modo, por todos os lados há e sempre houve ingenuidade; é impossível o homem escapar-lhe a não ser além do humano, e é nesta verdade que se situa a chave e a solução do problema. [O que importa] é unicamente o fato de que o sábio ou o santo têm interiormente acesso à Verdade concreta; a formulação simples - sem dúvida a mais 'ingênua' para o gosto de alguns - pode constituir o umbral do Conhecimento mais total e mais profundo". (p. 152)

A questão é: de que adianta um universo de conhecimento se a capacidade de compreensão da realidade não passa por um exercício mental, e sim por um exercício espiritual? A sabedoria e a santidade caminham lado à lado. Seria contraditória a existência de um sábio que não tivesse "iluminação", no sentido espiritual do termo, ou um santo que não tivesse sabedoria. Analfabetos foram transformados em Apóstolos, e um pescador tornou-se o primeiro dos papas. Um punhado de ignorantes, no sentido moderno do termo, mudou a face da Terra. Por isso conclui Schuon:

"Se a Bíblia é ingênua, é uma honra ser ingênuo; se os filosofismos negadores do Espírito são inteligentes, não existe inteligência. Por trás da humilde crença em um Paraíso situado nas nuvens há ao menos um fundo de verdade inalienável e, acima de tudo - e isto não tem preço -, uma realidade misericordiosa que não decepciona jamais". (p. 152)

(Genocídio do povo ucraniano na URSS, em 1932-33: sete milhões de mortes provocadas pelos planejadores que julgavam capazes de construir um "mundo melhor".) 

Grande parte dos 262 milhões de assassinatos no século XX computados por Rummel provém de ideologias "científicas", principalmente o comunismo, mas também do nazismo e de diversas variantes nacionalistas que, determinando um modelo de homem ideal, eliminaram fisicamente os opositores deste ideal ou os que nele não se encaixavam. Se no passado o homem ingênuo, "bobo" se diria nos dias de hoje, vivia não mais do que 35 anos sob alegadas "ilusões" religiosas, ainda hoje muitos não chegam a este tempo de vida depois de terem vivido o inferno nas mãos dos reformadores do mundo como nos campos de concentração do paraíso igualitário da Coréia do Norte, nas vilas e cidades africanas tomadas por legiões de assassinos de uma facção política ou nas ruas da Síria onde homens, embebecidos por uma caricatura da religião que Schuon professava, tentam implantar à ferro e fogo um modelo de sociedade fascista regado à sangue e tirania. E ainda por cima fazem tudo isto em nome de Deus, como se a matança fosse um plano divino e não ideias engajadas na complicada construção do "mundo melhor".

terça-feira, 30 de agosto de 2016

A ilusão do "fim da História"

(Edição portuguesa do livro de Fukuyama. Editora Rocco.)

Quando li em 2002 o livro O Fim da História e o Último Homem publicado por Francis Fukuyama em 1992 fui seduzido por uma explicação relativamente simples dos acontecimentos do mundo atual. Segundo o autor, o fim da História é o fim da evolução ideológica da humanidade. Atingido o liberalismo, tanto no plano político com a democracia liberal quanto no plano econômico com a economia de mercado, o mundo não teria mais para onde caminhar. Estaria pleno em seu desenvolvimento histórico. Caberia aos homens voltar aos seus anseios menores: sair da luta pelo reconhecimento (que Fukuyama desenvolve a partir do filósofo russo Alexander Kojéve, baseado em Hegel) que levou à construção das democracias, e voltar-se à realização dos mais diversos desejos humanos. Num mundo democrático o homem não teria mais porque lutar pelo reconhecimento do próximo. As democracias garantiriam, através do Estado de direito, o reconhecimento de nosso valor como pessoa, nosso amor-próprio (do termo grego thymos) em relação às demais pessoas. Não haveria ninguém superior a ninguém no plano da lei. Estaríamos todos satisfeitos com nossa condição de cidadão do mundo democrático, e as aspirações por reconhecimento, fonte de conflitos e guerras, seriam canalizadas para nossos desejos pessoais e disputas menores, como o sucesso profissional ou a formação de uma família feliz.


(A queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 precipitou a queda dos regimes comunistas e o desmantelamento da URSS. Para Fukuyama, o fim do comunismo e da ditaduras militares no sul da Europa e na América Latina significavam o triunfo do liberalismo em todo o planeta.)
 
A tese de Fukuyama divide o mundo atual em duas porções: o mundo histórico e o pós-histórico. O mundo histórico é composto por países ainda não democráticos, ou seja, que ainda estão caminhando para a democracia liberal. Já o mundo pós-histórico é o dos países democráticos, isto é, que já atingiram o ponto culminante da evolução ideológica. Dentro do mundo histórico e entre este mundo e o pós-histórico ocorreriam os conflitos armados. Fukuyama defende a ideia de que as democracias liberais não permitem guerrear entre si, entrando em conflito apenas com regimes não democráticos. Esta ideia é baseada no artigo Kant, Liberal Legacies and Foreign Affairs do cientista político Michael Doyle (divididos em partes 1 e 2), que realizou um estudo histórico a respeito do tema e concluiu que as democracias, por sua estrutura interna, conseguem contrabalançar ações erradas e interesses particulares de forma e impedir um conflito armado. Caberia ao regime constituído equilibrar o poder político e militar para impedir que um ator ou grupo tivesse excessiva capacidade de decisão. Doyle, por sua vez, baseia-se no famoso livro de Immanuel Kant, À Paz Perpétua.

(Para Fukuyama o liberalismo penetrará, cedo ou tarde, na economia e na política. A injeção de investimentos estrangeiros na China desenvolveu o país, mas não derrubou a ditadura comunista. Esta pode ser uma prova de que a tese do americano esteja errada. Na foto: distrito financeiro de Pudong, em Shanghai.)

Acontece que no livro seguinte Confiança. As virtudes sociais e a criação da prosperidade, de 1995, Fukuyama admite que os sentimentos remanescentes de reconhecimento expressos através da religião, cultura e nacionalidade, por exemplo, continuariam a existir ainda por bastante tempo. As democracias no sentido pleno descritas em O Fim da História ainda demorariam a chegar. Neste livro o autor analisa as diversas formas de economias de mercado criadas sobre formas culturais distintas como EUA, China, Japão, Europa e América Latina. As culturas são modeladoras dos sistemas econômicos, que variam do individualismo norte-americano à mentalidade familista dos chineses e latinos e do senso de coletividade dos japoneses. Mesmo nos países mais desenvolvidos e democráticos o mundo pós-histórico não parece, à primeira vista, tão pós-histórico assim.

A exemplo do comentário de uma revista aqui no Brasil, Fukuyama é severamente criticado por suas ideias, principalmente pelos intelectuais de esquerda. A julgar pelo comentarista, até hoje o autor busca respostas para a sua tese inicial. Fukuyama, no último capítulo do Fim da História, questiona a sustentabilidade do sistema democrático assim que ele for totalmente estabelecido (caso venha a ser). Não ficariam os homens entediados com sua conquista definitiva e começariam mais uma vez a lutar entre si pela chamada luta pelo reconhecimento? Recordo-me que quando li o livro eu questionava se o perigo de um mundo de realizações não seria ameaçado não por seu tédio, mas sim pelas traições internas. As democracias (como qualquer outro sistema político) depende de valores que ela não pode gerar, ao menos não de imediato.

(Os monstros bíblicos Behemot e Leviatã: no primeiro as forças cósmicas sempre firmes e estáveis e no segundo o espírito de rebelião sempre mutáveis. Para Olavo de Carvalho, só Deus pode subjulgar estas forças. As grandes tradições religiosas estabelecem o equilíbrio entre as necessidades do mundo e a ação social, dentre elas o poder político.)  

Ao longo dos últimos quinze anos eu fui muito influenciado pelas ideias e a visão de mundo do filósofo Olavo de Carvalho. Seu melhor livro, O Jardim das Aflições, trás uma análise dos rumos e da decadência da filosofia ocidental que culminaram no fechamento espiritual do homem, isto é, no enclausuramento da perspectiva existencial dentro das perspectivas natural e histórica. O homem moderno, diz o autor, é sufocado pelas dimensões do tempo e do espaço, tem sua compreensão da realidade severamente limitada e tenta moldar o mundo a imagem e semelhança disto. O Estado moderno é a realização máxima deste ideal, através do qual tenta-se moldar as sociedades, seja através da aceitação de que dependemos do conhecimento científico para termos uma vida mais feliz ou das transformações revolucionárias para criar a sociedade perfeita. O problema é que uma via ou outra é a morte da democracia. E Olavo defende que, sim, as democracias estão sucumbindo à tentação de recriar o Império, o poder político unificado antes sonhado pelos antigos monarcas romanos, imperadores mongóis ou ditadores soviéticos. As grandes tradições religiosas da humanidade seriam a grande barreira para esta tentação porque mantém vivas a perspectiva de mistério da existência e resistem, portanto, às iniciativas de controle e administração total da vida. Conclui-se disto que a decadência cultural viria a engolfar as democracias ainda existentes e suprimir as liberdades.

Até a segunda edição do livro, lançado em 1995, o poder do Império analisado por Olavo de Carvalho estava encarnado na sua concepção americana, republicana e maçônica. Mais recentemente o autor revisou esta tese e considera que a ameaça tirânica está corporificada não em um país, mas num plano multinacional ou supranacional: o Império Globalista.

(Assembléia Geral da ONU na sua sede em Nova Iorque: ideal democrático de paz mundial ou ameaça de ditadura global?)

É extremamente exemplar o debate que Olavo travou com o filósofo russo e ideólogo do Kremlin Alexander Dugin. A discussão foi transformada no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Olavo de Carvalho e Alexandre Dugin. Os debatedores concordam com a emergência de três grandes poderes mundiais que pretendem unificar o planeta sob o Governo Mundial: o globalismo, o eurasianismo e o islamismo. O globalismo é o poder identificado por Olavo no seu livro O Jardim, mas aqui as duas demais formas de poder são brevemente discutidas. A diferença é que enquanto Dugin está consciente e deliberadamente comprometido com um dos projetos (o eurasiano), Olavo rejeita os três por considera-los opressores. A crítica básica é de que um plano global é impossível, e a tentativa de reformar o mundo inteiro através de um plano unificado deve ser rejeitado de imediato.

É aí que entra a ilusão de Fukuyama. Em seu livro o sociólogo americano não pensa num governo mundial, mas como pode ele descrever um processo histórico que culmine num fim ideológico definitivo se é impossível levar em consideração todas as variáveis que determinam todos os sistemas políticos ao longo de todos os tempos? Como falar de um "fim da História" se não se sabe exatamente como a humanidade começou e, portanto, não é possível fazer um traçado integral do plano histórico de forma a chegar numa conclusão definitiva? A crítica que o historiador francês Lucien Febvre faz à teoria da história das civilizações de Arnold Toynbee no texto Contra "duas filosofias oportunistas da História": de Spengler a Toynbee (1936) toca exatamente neste ponto: "Mas o que são 6.000 anos [tempo das civilizações], quando pensamos que o mundo tem sua origem há dois bilhões de anos, a vida sobre a Terra, há 300 milhões, e o aparecimento do homem há 300.000?"

A ideia de espalhamento da democracia e da economia de mercado proposta por Fukuyama é exatamente o plano globalista. A diferença é que o globalismo, no fundo, não é democrático, e sim utiliza-se do sistema democrático para encobrir seus planos globais. Não foi por acaso que duas organizações do bilionário George Soros, que é acusado de promover ativamente as causas globalistas no mundo, foram banidas da Rússia, centro do poder eurasiano.

(A "Criação de Adão", de 1510, de Michelangelo: as grandes tradições religiosas como base da vida política e defesa da liberdade humana.)
 
A conclusão é genérica mais, penso eu, correta: não é possível traçar planos gerais para mudar um mundo, estabelecer um modelo de sociedade que traga felicidade definitiva a todos. Nem mesmo a ideia de que democracias devem ser espalhadas pelo mundo parecem bem-vindas, seja porque elas depende de valores que não pode criar, seja porque as consequências destas iniciativas são temerárias. Foi o processo de espalhamento das democracias pelo governo de George W. Bush que levou Fukuyama a se afastar do grupo de neoconservadores, como explica no seu livro O dilema americano. Democracia, poder e o legado do neoconservadorismo. Para ele a aventura na Guerra do Iraque (que inicialmente ele havia apoiado em 1998 numa carta aberta ao então presidente Bill Clinton) trazia em seu bojo o ímpeto revolucionário e apostavam na engenharia social como forma de democratizar o Iraque. O plano democrático não pode ser planetário, porque ninguém pode estabelecer metas planetárias. O mesmo é válido para o plano comunista (de onde saíram os neoconservadores) e o plano nazista. Ambos não eram sustentáveis. Este princípio é igualmente válido para os planos eurasiano e islâmico. Ninguém pode traçar planos globais pelo simples fato de que o conhecimento necessário para a realização destes planos é impossível. O conhecimento total foge, inclusive, da nossa própria condição humana: nascemos num determinado momento e morremos num determinado momento. Só Deus tem este conhecimento. Só Ele pode governar a História.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Os motores do mundo

(Todo o plano de ação é precedido por inspirações, pensamento e o brotar das ideias. Na foto, biblioteca de Oxford, Reino Unido, que visitei em setembro de 2015.) 

Estou entusiasmado com a renovação deste blog. Acredito que finalmente encontrei uma dinâmica de trabalho que me satisfaz.

A razão desta satisfação é justamente sua dinâmica. Escrever aqui não é uma mera banalidade ou algo impensado, mas ao mesmo tempo não é algo que exige um esforço de longo prazo de forma que os resultado demorem a aparecer. É o que acontece no meu outro blog "A Rússia e o mundo" (http://arussiaeomundo.blogspot.com.br/) onde os assuntos exigem leitura de diversas reportagens, artigos e acompanhamento do tema para, depois, serem organizados numa complexa trama de ideias e conexões que se revelam ao longo da pesquisa. É um trabalho investigativo que exige paciência cujo retorno é demorado.

Aqui no blog o processo é mais dinâmico: tenho algum inspiração, faço uma breve oração invocando Nossa Senhora, o Espírito Santo e São Tomás de Aquino e coloco a ideia no computador. Mas é claro que isto não basta, e pretendo ir um pouco além: a exemplo do blog sobre a Rússia, trarei aqui algumas investigações pessoais. Durante meu mestrado em Ciências Sociais defendido em 2012 na PUCRS descobri que tenho vocação para atividade de pesquisa, mas não numa sala fechada ou na frente do computador, e sim saindo à rua, conversando e entrevistando as pessoas, recolhendo documentos, tirando fotografias, observando os locais e garimpando informações em livros e na internet. Por isso os temas da Rússia são, para mim, de mais difícil execução por seu trabalho ser monótono e exigir mais paciência. Preciso sair. Preciso ir à rua. Preciso circular.
  

(Os que têm a pretensão de mover o mundo não expõem seus planos. É lá que o pesquisador tem que chegar: ver o que as demais pessoas não vêem.)

O mestrado e meu blog sobre a Rússia me ensinarem duas coisas. A experiência do trabalho de campo no mestrado me mostrou que o contato com a realidade fundamenta e legitima (ou não) as ideias expressas nos livros e permitem a descoberta de fenômenos que as pessoas sentem e percebem, mas não vêem ou não entendem. Só o pesquisador vê e entende. É um mundo que se revela aos nossos olhos numa experiência única de vivência que só você poderá compartilhar com os outros. Já a atividade do blog fez eu observar com mais clareza que as principais questões políticas não são decididas nos eventos públicos ou à vista de todos, e sim nos bastidores através de contatos, círculos de poder, reuniões e formação de grupos muitas vezes discretos. Também observei isto no mestrado, mas foi nas investigações sobre a política russa que o fenômenos ficou mais claro. Muitas das ações políticas são motivadas, claro, por interesses pessoais, mas também pelas ideias e ideologias que fornecem visão de mundo e sentido de vida. Caso este último ponto não fosse verdadeiro, seria impossível a execução de planos de longo prazo com observa-se, por exemplo, no projeto eurasiano do Kremlin e na rede de contatos por ele organizado para angariar aliados nos países vizinhos à Rússia e na Europa para seu plano geopolítico global. O que o público vê pela TV já foi discutido e organizado anos antes, às portas fechadas de clubes, hotéis e universidades sem que ninguém desse muita bola. A Ucrânia que o diga. A guerra em andamento naquele país era organizada desde pelo menos 2006 (http://arussiaeomundo.blogspot.com.br/2015/07/ucrania-uma-crise-planejada-revisar.html).

(O observador atento vê que o plano geopolítico da Rússia é traçado nos bastidores, já o público vê seu resultado depois que tudo já foi executado. Na foto: Kremlin de Moscou, sede do governo russo.)

Entre observações, inspirações, comentários, análises e reflexões, este blog também contará com investigações e pesquisas pessoais. Há um mundo a ser explorado. Seria chato demais se tudo fosse decidido apenas através dos livros e da internet. Por trás deles há alguém que pensou e planejou a existência deles. São essas pessoas que importam, são elas que movem o mundo e é lá que quero chegar.

Os pobres e os ricos, estes incompreendidos


Todas as vezes que vejo no Evangelho a palavra "pobre" fico a pensar que o pobre não é, em grande medida, aquele que tem poucos bens. Em diversas ocasiões durante as homilias nas missas ouço sacerdotes falar do pobre como o desprovido de dinheiro, e quando é explicado ao público que o pobre não é apenas isso, muitas vezes a ideia não fica clara ou desproporcional, com ênfase exagerada na condição material.

Pois bem. O pobre não é necessariamente o que tem poucos bens. Quem tem poucos bens é, de fato, pobre, mas no Evangelho a palavra tem um significado mais amplo e muito mais profundo. Em alguns momentos o sentido é também material, mas na esmagadora maioria dos casos o pobre é o pobre de espírito, a quem falta Deus, o que está cheio de si mesmo, ou aquele que é humilde, que necessita do auxílio divino e humano. Pobreza e humildade estão intimamente relacionados. Da mesma forma o rico: ele não é o que tem muitos bens, mas o que está cheio de si mesmo ou é apegado às coisas do mundo, sejam elas materiais, com o próprio dinheiro, sejam imateriais, como ideias, desejos, memórias, relacionamentos, sentimentos e assim por diante.

(Marcos 10, 25)

A pobreza é necessária para a aproximação com o divino. Nós não podemos ouvir a Deus se, segundo nossa concepção, o que temos nos basta. Por que nos abrirmos ao mistério se nosso cofre interior está cheio? Ou, perguntando melhor: por que nos abrirmos ao mistério se temos a impressão de que nosso cofre interior está cheio? Porque a pessoa cheia de si, seja ela porque considera que suas ideias bastam ou que um emprego estável e uma família feliz é o que importa e nada mais há o que fazer, não sente a necessidade de dar ouvidos a algo mais. Por isso Jesus diz que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. Não pode alguém chegar ao Paraíso se considera que Deus, o Dono da Morada, é desnecessário. Nada é mais miserável do que o pobre de espírito.

Um recomeço


Criei este blog em meados de 2006. Na época a ideia era divulgar comentários, pensamentos e testemunhos sobre os mais diversos assuntos e que abrangessem três assuntos que levam o nome do blog. No título coloquei a palavra "Deus" para falar de fé, religião, espiritualidade e algumas experiências pessoais; coloquei "Terra" porque sempre gostei de Geografia (minha graduação) e sou apaixonado por meteorologia, meu hobby diário; e "humanidade" porque gosto de falar de pessoas, sociedade, cultura, História, política, e assim por diante.

Hoje resolvi resgatar este blog. Sim, vivemos num mundo do qual não podemos escapar, há um Deus que nos olha do e para o plano da eternidade e julga todas as coisas nesta perspectiva, mas é às pessoas que quero chegar. Os textos aqui serão feitos para chegar às pessoas, tocá-las (não sentimentalmente, porque seria pedante), ir fundo na alma. Se o que fazemos é indiferente, das duas uma: ou a pessoa que recebe nossos atos está fechada, ou nosso trabalho não foi feito com amor. Se há amor, há um toque; onde não há amor, não há nem mesmo ódio, cuja existência se justifica pelo sentimento oposto, e sim indiferença.

Acredito que tenho um dom para chegar às pessoas. Não falo por vaidade, mas porque já me disseram isto várias vezes, e porque procuro falar as coisas de coração. Também já me foi dito que as pessoas não ficam indiferentes ao que eu digo, talvez porque leve as coisas muito à sério (mesmo excessivamente à sério) e seja um pessoa profunda. Gosto de falar de coração. Falar de coração não é falar em tom sentimental ou fazer as pessoas se emocionarem. É falar em Espírito e em Verdade, exatamente como Jesus Cristo nos pediu quando orássemos a Deus. Uma oração é falar com Deus. Portanto, aos falarmos com as pessoas temos de fazer a nossa oração a elas.
  

(Nossa vida é uma mar de incertezas. Estamos cercado de escuridão guiados por poucos pontos de luz. O firmamento é nossa mensagem diária de humildade, a representação de nossa inteligência e da nossa limitada capacidade de compreender a realidade na sua forma integral.) 

Obviamente não fazemos isso o tempo todo. Na maior parte das vezes falamos no automático, sem pensar muito nas palavras, de forma inconsciente e respondendo espontaneamente às situações cotidianas. Muitas vezes regado a risadas, palavras azedas e mesmo xingamentos. Mas ao mesmo tempo temos nossos momentos especiais de introspecção, intuição e entendimento da realidade. São aqueles momentos em que temos uma iluminação, a percepção interior de que descobrimos, por um breve instante, uma dimensão da realidade que até então não havia sido inteligida por nós. Este é o momento em que um pouco da Verdade nos é revelada, e é isto o que importa.

Quero chegar às pessoas de alguma forma. Espero que os que lerem o que aqui for escrito não fiquem indiferentes. Não falo em tomar posição sobre certos temas, e sim em levar um pouco do que eu vi e percebi da vida a partir de uma perspectiva pessoal. Tudo o que vemos e percebemos é a partir de uma pessoalidade, porque é materialmente impossível vermos o que os outros vêem ou o que os objetos a nossa volta presenciam. Toda a experiência é única, exatamente como a resposta a cada uma delas, o que nos faz estritamente responsáveis por cada segundo de nossa vida. Se o que estiver aqui escrito não tiver um toque de realidade, será um mero divertimento ou passará batido. Espero que algo daqui fique, e para sempre.


Deus abençoe a todos.

Em busca de inspiração

Se eu pudesse escrever tudo o que eu gostaria de escrever teria dois problemas: primeiro, teria de fundir meus neurônios ao passar o dia inteiro pensando e colocando no papel (ou no computador) o assunto de forma que seja claro e inteligível a qualquer pessoa; segundo porque muitas vezes antes de escrever algo gosto de analisar ou estudar o assunto, necessitando de tempo e, claro, paciência para analisar de forma minuciosa o que estou abordando.

Hoje é uma das raras vezes que eu escrevo neste blog sem me ater previamente a um assunto, estudo ou leitura, fazendo o usual esforço literário de ser entendido (como se eu fosse um escritor, mas qualquer texto decente deve conter o mínimo de esforço para ser bem estruturado). Penso que quanto mais espontânea é a expressão de um conteúdo, uma ideia ou uma experiência pessoal, mais firme e consistente o conteúdo está em nossa inteligência e memória ou, dizendo ainda melhor, mais integrado este conteúdo está em nossa identidade.


Para sermos mais inteligentes, capazes de compreender a realidade da qual fazemos parte, mais conscientes temos de ser sobre nós mesmos. Melhor um sábio analfabeto do que um erudito cheio de minhoca na cabeça.

*texto de junho de 2016

Porque eu acredito em Deus

A um mês atrás [ano de 2011] me questionaram na internet "Por que VOCÊ acredita em Deus?". Minha resposta foi a seguinte:

"A minha real convicção em Deus se fundamentou quando percebi que Ele é a ÚNICA resposta viável para uma existência com sentido. A sensação de viver e ser "nada" é horripilante e enloquecedora. Em última instância, é a mística do demônio. 

Se formos especular as possibilidades de sentido numa vida sem Deus, entramos em espiral. Não é possível colocar tudo em dúvida, de imaginar como pode ser a vida se Deus não existe simplesmente porque isso NÃO FAZ SENTIDO. 

Pensar num Universo sem Deus é como tentar sair do mesmo Universo e Dele mesmo e daí questionar Sua existência, como se se pudesse ver a Existência "de fora". Isso exige um esforço tão monstruoso que, além de ser impossível, leva a pessoa à locura e à experiência do Mal.

Tenho a radical convicção que não há saída num Universo sem Deus. Ele é estritamente lógico e inevitável."