quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A grandeza e a humilde de um santo

 "Um santo está muito além de quaisquer desejo de distinção; é a única espécie de homem superior que nunca quis ser pessoa superior." (G. K. Chesterton, em "Santo Tomás de Aquino")

A santidade é um estado da alma onde a vontade divina prevalece sobre todas as coisas, onde vaidades desaparecem e pouco importa o prestígio forjado por seus atos.
Ao exemplo do que mostram as biografias dos santos, a virtude humana mais admirada por Deus é a humildade.
Ser humilde implica em reconhecer quem é o Senhor, este ser infinito. Toda nossa dimensão se reduz à nada. A humildade é decorrência necessária da desproporção entre nós e a grandeza de nosso Deus.
A principal é consequência desta humildade é o temor, e do temor, a reverência e o respeito, brota a obediência. O humilde, reconhecendo a grandeza divina, se faz obediente a Deus,
Os exorcistas afirmam que a atitude que melhor impede o demônio de agir sobre as pessoas é justamente a obediência, pois ela implica em fazer a vontade de Deus, unindo mais intimamente a alma da pessoa com Ele e, portanto, fechando as brechas nas quais o inimigo poderia agir.
Santo Tomás de Aquino é um entre tantos exemplos de humildade na santidade. O trecho de Chesterton aqui citado está presente na biografia do santo apresentado por nosso escritor.
Não por acaso, Santo Tomás é chamado de Doutor Angélico. Considerado por muitos o maior pensador da História da Igreja, deixou um vasto legado de obras no campo da Filosofia e da Teologia.
Mas foi sua humildade que o fez largar sua produção, depois de um acontecimento extraordinário ocorrido em 29 de setembro de 1273, enquanto Tomás realizava uma missa. Depois daquela celebração, conta-se que ele nunca mais escreveu ou ditou o que quer que fosse. "Tudo o que escrevi me parece palha perto do que vi", afirmou o santo.
Santo Tomás tivera uma visão beatifica do Senhor, e viu, com seus próprios olhos, Sua grandeza e beleza. Não fosse humilde e não abandonaria sua produção intelectual e o consequente prestígio que lhe era reservado. Na verdade, Deus sequer teria Se revelado a ele, pois Ele se revela aos pequeninos, aos simples e puros de coração.
Se as ações de Santo Tomás eram palha, imagine a nossa. Pois palha é toda a criação humana, que deve sempre ser ato de glorificação da beleza e do amor do Criador.

domingo, 27 de setembro de 2020

Autocontrole de natalidade


"Todo mundo acredita em controle de natalidade e quase todo mundo já exerceu alguma controle sobre as condições de nascimento. (...) O controle de natalidade real e verdadeiro se chama autocontrole. Se alguém diz que não funciona, eu digo que funciona." (G. K. Chesterton, em "O Essencial de Chesterton)

O tema do controle de natalidade sempre gera muita discussão e controvérsia, e todo mundo tem algo a dizer sobre ele.
Apesar de estarmos numa época em que ter opinião é quase um ato sagrado, não é errado que todo mundo tenha algum opinião sobre o assunto.
Afinal, a totalidade das pessoas veio ao mundo através do ato sexual. Salvo poucos casos, nossos pais decidiram pela geração de uma vida e a forma de viver o futuro.
Portanto, as pessoas sabem ter o controle sobre a própria vida no que diz respeito à família, e não cabe a ninguém nem a autoridade alguma tomar este tipo de decisão.
O comentário de Chesterton sobre o controle de natalidade sobre a população pega este ponto. Controle de natalidade é autocontrole, ou seja, são os pais que decidem sobre ter ou não filhos. O resto é "um senhor embuste", para usar as palavras do capítulo "Reforma Social Vs. Controle de Natalidade" do livro acima citado, já que o termo "controle de natalidade" não significa nada em específico e, portanto, pode significar qualquer coisa.
Para Chesterton, o controle de natalidade nada mais é do que a busca de controle sobre a vida alheia. No mencionado capítulo, analisava como as corporações buscavam controlar não os seus custos, mas o número de pessoas delas dependentes para que custos pudessem ser cortados.
Menos filhos, menor a pressão social e moral das empresas sustentarem famílias de trabalhadores.
Talvez nosso escritor ficasse chocado ao ver a escala como que esta forma de controle tomou, não tanto por razões econômicas, mas políticas, na soberba ânsia por um planejamento geral do mundo.
Essas mesmas corporações, que por meios médicos, de propaganda e patrocínio de grupos de pesquisa, hoje aliam-se a Estados para forjar uma subcultura de diminuição da família ou mesmo sua destruição. O pátrio poder é o principal obstáculo à engenharia social.
Desta forma, controle de natalidade significa controle social, uma maior possibilidade de planejamento coletivo onde os governos entram com a burocracia e a força armada, as corporações com o dinheiro e ambos com a propaganda.
Uma família não é "apenas" uma comunhão de pessoas, mas o campo onde floresce nossa liberdade, de preferência numa casa cheia.

sábado, 26 de setembro de 2020

A dimensão sobrenatural do prazer

"O segredo da recuperação dos prazeres naturais reside em considerá-los à luz de um prazer sobrenatural." (G. K. Chesterton, em "São Francisco de Assis")

O que Chesterton chama aqui de "prazeres naturais" nada mais é do que o prazer sensível das coisas simples. Uma boa comida, sentir a brisa batendo no rosto, o descanso e outras atividades que nos dão prazer e alegram a alma graças às satisfações dadas ao corpo.
Os dias de hoje tomaram estes prazeres como o cume da liberdade humana. Ser livre é fazer o que se quer, e ninguém quer aquilo que é ruim e desagradável.
Assim, ao entronizar a opinião como valor supremo, a era pós-moderna acabou por entronizar o desejo e a busca pelo prazer. Deseja-se aquilo é bom, portanto, as opiniões se guiam conforme o prazer daquilo que é desejado.
Opinião e desejo se tornaram os princípios sobre os quais se concebe hoje a liberdade humana. Ser livre tornou-se sinônimo de dizer "acho que" e ficar, não feliz, mas meramente alegre com isso.
É "feliz" aquele que omite uma opinião e acha que tem razão, razão esta confirmada pelo seu desejo que, pensa o homem pós-moderno, coincide com a realidade mesma.
A banalização do desejo na eterna busca pelo prazer leva inevitavelmente ao marasmo e à depressão, não por acaso um mal muito comum em nossos dias.
Chesterton lembra, nesta passagem da obra "São Francisco de Assis", que é a dimensão sobrenatural que dá sentido real aos prezares naturais.
De imediato, porque a dimensão sobrenatural tempera as coisas do mundo, e tudo o que é moderado e bom jamais torna-se enfadonho justamente porque é moderado.
Mas a dimensão dos prazeres eleva-se ao vermos que estes são uma antessala do Paraíso, um gosto de um mundo que nos espera se, entre outras coisas, soubermos moderar as coisas do mundo.
Assim como numa refeição, o apetite do homem, que no fundo é uma ânsia pelo Eterno, não pode ser satisfeito com o prato de entrada. É necessário se resguardar para que, no momento oportuno, ele esteja pronto para o banquete.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Porque nada sabemos

"Sócrates, o mais sábio dos homens, sabe que não sabe nada. Um lunático pode considerar-se a própria onisciência, e um tolo pode falar como se fosse onisciente. Mas Cristo é onisciente em outro sentido: ele não apenas sabe, mas sabe que sabe." (G. K. Chesterton, em "O Homem Eterno")

O conhecimento e a sabedoria do homem são necessariamente limitados. É característico da inteligência humana ser limitada, pois conhecemos por distinção e associação separando uma coisa da outra.
Eu sou o que sou porque não sou o meu vizinho. Da mesma forma, sou um homem porque não sou mulher, sou uma pessoa porque não sou um animal; o claro é claro porque não é escuro, há algo embaixo porque há algo em cima, e assim por diante.
Mas Deus concebe a realidade na sua totalidade. Ele tudo distingue ao mesmo tempo em que vê a unidade absoluta de todas as coisas. É uma inteligência que não pode ser compreendida por ser de outra categoria e, claro, estar acima, fora do alcance da inteligência humana.
Assim, tudo o que conhecemos é derivado de Deus por meio do Espírito. Somos inteligência por empréstimo derivados da Inteligência Primeira, que determina e organiza todas as coisas.
Nesta passagem de "O Homem Eterno", Chesterton nos lembra justamente a limitação humana de saber o que se sabe e não saber tudo o que não sabe.
Se Sócrates, o maior dos sábios de acordo com nosso escritor, sabia que nada sabia, o que, então, eu e você sabemos?
A resposta é simples: nada. Nem Sócrates sabia nada. Mas como nada? Não sabemos ao menos nosso nome e o local em que moramos?
Ocorre que, frente à onisciência divina, nosso conhecimento é infinitamente pequeno. Frente ao conhecimento absoluto, todo o conhecimento parcial é infinitamente desproporcional a este.
Todo o conhecimento humano é limitado e, portanto, infinitamente menor do que o conhecimento de Deus. É nada, em suma. E tem de ser muito louco para dizer que se sabe algo, quanto mais que sabe tudo.
A este louco Chesterton chama de lunático, aquele que está com a cabeça no mundo da lua.
Mas como sabemos, a lua não é o sol que tudo ilumina, que tudo esclarece, que tudo sabe, mas apenas reflete sua luz.
O lunático vê este ponto de luz e acredita ter descoberto a Verdade, enquanto, na verdade, está fechado em si mesmo tomando seu foco de luz como toda a realidade existente.
Cego por sua miragem, ele fecha os olhos para o mistério que está além das profundezas da escuridão.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

A loucura

 "Um dos mais brilhantes nomes do século dezenove foi o filósofo da onipotência e da supremacia, Nietzsche, e ele morreu em um hospício." (G. K. Chesterton)

          A loucura pode ser definida como o descolamento da pessoa da realidade. No sentido clínico, a mente humana não opera conforme as coisas do mundo real; por exemplo, quando alguém finge ser um pássaro ou agride uma pessoa que ama sem razão alguma.

          Mas nada é mais louco e psicótico do que o delírio de onipotência. O homem que acredita poder fazer qualquer coisa é o que acredita ter o poder divino, de ter comido do fruto da árvore do Paraíso.

          Pois o pecado original é a loucura por excelência. Acreditando poderem se transmutar em Deus, Adão e Eva tomaram posse daquilo que seria a fonte da vida, o fruto da árvore do Bem e do Mal, que daria a eles a capacidade de determinar estes mesmos Bem e Mal.

          Ocorre que a simples existência de um Deus absoluto impede que outro equivalente possa existir. Caso Adão e Eva se tornassem deuses, seriam, no máximo, de uma segunda categoria bem abaixo do Deus verdadeiro que os criou.

          Negando a realidade tal qual ela é, o casal descolou-se do real e alienaram suas almas da Verdade. Enlouqueceram, mesmo que não no sentido clínico, e passaram a bater de frente com a vontade divina, a palavra que sustenta a ordem mesma. Nascia, dessa forma, o pecado original.

          Pois assim como a loucura clínica se define pelo rompimento da mente em relação à realidade, a loucura da alma, tomada aqui em seu sentido espiritual, consiste na separação do homem de Deus e sua consequente incapacidade de viver de forma plena a existência.

          Na era moderna, esta alienação existencial adquiriu formas ideológicas acabadas e estanques, um cientificismo ativista e contaminou toda a cultura da época. A esta distorção Eric Voegelin chamou de "segunda realidade".

          Contaminada por múltiplas mentiras, nossa época jogou o homem na luta eterna contra a primeira realidade, que é a realidade mesma. Em outras palavras, a mentalidade atual, levadas às últimas consequências, leva à loucura patológica, à morte, à guerra e ao genocídio.

          A passagem de Chesterton sobre Nietzsche, o filósofo que afirmou a transvalorização de todos os valores, a reprodução constante de novos princípios sobre os escombros dos antigos, que afirmou o super-homem e, claro, a morte de Deus, deixa-nos a lembrança de onde nos leva o delírio de onipotência.

          Conta-se que Nietzsche, estando em Turim em 1889, atirou-se ao pescoço de um cavalo quando viu seu dono açoitá-lo. O super-homem desmanchou-se ante a agressão a um animal, evento que marcou o adoecimento mental do qual nunca mais se recuperou.

          Nietzsche morreu, mas Deus continua vivo, e para sempre.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A fonte dos direitos humanos

 "No que toca aos direitos humanos fundamentas, nada pode estar acima do homem que não seja Deus." (G. K. Chesterton)

          A Declaração Universal dos Direitos Humanos baseia-se em valores universais concernentes à própria natureza humana ou àquilo que é considerado como parte desta natureza.

          Podemos discordar da Declaração ou de alguns trechos, mas o importante aqui é ressaltar sua pretensão universal.

          A pergunta que se faz é: quem tem o direito de falar em nome de toda a humanidade? Os princípios alegados na Declaração são realmente baseados em preceitos universais, dado que necessariamente tem de haver um grupo de pessoas para formulá-los e que, portanto, acabam por defino-los segundo uma concepção de mundo?

          A alegação de princípios universais é precedida necessariamente por uma visão de mundo limitada, dado que seus formuladores não têm conhecimento completo da realidade humana presente em quase 200 países, 6 mil línguas e uma infinidade de grupos étnicos e sociais.

          Mas há um porém: direitos humanos universais são os fundamentais, e o que é fundamental reconhecemos pela nossa própria experiência de vida. Disto presumimos, ao reconhecer o próximo como uma pessoa, que o próximo possui as mesmas necessidades fundamentais que nós.

          Chesterton afirma que nada pode estar acima do Homem (importante o "H" maiúsculo, pois denota o homem em sua essência) do que Deus.

          Ora, ao falarmos em Declaração Universal, em direitos fundamentais do homem, estamos falando do que é mais essencial a ele. E o que é mais essencial do que Deus?

          Aqui está a liberdade humana de reconhecê-Lo ou mesmo negá-Lo, mas jamais aboli-Lo. Abolir a Deus seria o mesmo que negar a liberdade humana de reconhecê-Lo e atentar contra o mais fundamental de todos os direitos, o de ser livre.

          Ademais, a primeira afirmação da Declaração Universal, de que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos", provém justamente do reconhecimento da filiação divina, uma visão secularizada da dignidade humana com base neste vínculo.

          Deus nos fez livre e iguais em dignidade. Tudo o que atente contra isso é atentar contra nosso ser mais profundo e a Ele mesmo.

          No que diz respeito aos direito humanos, tudo está debaixo de Deus porque Dele deriva desde o princípio.

          Por isso, direitos humanos sem Deus não existe. É uma casa construída sem alicerces. É loucura.

domingo, 13 de setembro de 2020

A cura da pessoa ferida

 "A pessoa ofendida não quer ser compensada porque foi injustiçada; ela quer ser curada porque foi ferida." (G. K. Chesterton)

          Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a pessoa injustiçada não espera uma compensação, como fazem parecer os grupos ativistas que politizam e justificam todo o tipo de ofensa aparente, mas quer ser curada do mal que a atingiu.

          Por debaixo de qualquer reivindicação artificial, palavras confusas e sentimentos mal compreendidos, há uma pessoa a ser curada, uma alma que, apesar de todas as camuflagens criadas sobre sua personalidade, espera pela cicatrização da ferida aberta.

          Chesterton nos traz, aqui, a dimensão essencialmente humana da dor. Pois, antes de sermos políticos ou de aprendermos as palavras que mal conseguem descrever o que sentimos, viemos ao mundo puramente humanos.

          Viemos ao mundo a sós, com nossos condicionamentos, mas com uma alma pronta para experimentar a vida; e da mesma forma iremos embora, a sós, mas com a alma carregada da memória de nossas decisões e uma vida vivida.

          É neste transcorrer do tempo, que pode durar de algumas horas a até um século, que brotam as marcas da injustiça e o desejo, de coração, de que tal ferida seja curada pela reparação ou o pedido de perdão.

          Se fôssemos capazes de enxergar com clareza nossas experiências mais profundas, não camuflaríamos nossa vivência real com decisões confusas ou exigências artificiais.

          A cura da injustiça é a justiça, da ofensa o perdão, da dor o acolhimento. Cabe a nós aceitar a simples realidade como alguém que observa a si mesmo com suas marcas pessoais sem se camuflar com a máscara daquilo que gostaríamos de ser mas não somos.

          A cura contra as injustiças cometidas contra nós, bem como de todas as dores e ofensas que nos acometem, começa na sinceridade para consigo mesmo.

sábado, 5 de setembro de 2020

A centralidade do primeiro sábado do mês na mensagem de Fátima

 

          Primeiro sábado do mês, dia de reparação ao Imaculado Coração de Maria, conforme Nossa Senhora instruiu à Irmã Lucia em 10 de dezembro de 1925.

          A chamada comunhão reparadora faz parte da revelação de Fátima, e Nossa Senhora prometeu revelá-la na aparição de 13 de julho de 1917.

          Esta devoção consiste na oração do Rosário, confissão, comunhão em reparação aos pecados da humanidade contra o Imaculado Coração de Maria e 15 minutos de meditação nos mistérios do Rosário.

          Ela volta-se à nossa salvação, à salvação de muitas almas que estão se perdendo no fogo eterno e à paz no mundo inteiro.

          É o centro da devoção à Nossa Senhora de Fátima, que prometeu: "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará."

          É muito comum vermos em alguns círculos católicos o insistente pedido de consagração da Rússia como meio de trazer paz ao mundo.

          O vínculo entre os dois pontos é direto e explícito na mensagem de Fátima, mas, seja por ignorância, ativismo ou paixões políticas, esquecem que a paz mundial também está diretamente vinculada à comunhão reparadora, como Nossa Senhora mostra na mensagem de 13 de julho:

"Para impedir [a guerra], virei pedir a consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados."

          Os pedidos de comunhão reparadora e de consagração da Rússia estão vinculados a um mesmo plano de misericórdia de Deus para com a humanidade. Ambos são inseparáveis. Em outras palavras: não haverá paz no mundo sem oração e conversão pessoal.

          O Papa junto com os bispos do mundo todo podem consagrar a Rússia muitas vezes, mas isto é ato da Santa Sé, e hoje é ponto de discordância sobre a validade de realização na consagração de 1984.

          Mas a reparação ao Imaculado Coração de Maria, centro da mensagem de Fátima, é nossa parte.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A necessidade da tolerância

 "A tolerância, como virtude, é tudo aquilo que resta depois que um homem perde todos os seus princípios." (G. K. Chesterton)

          O homem que jogou fora todos os seus princípios tem apenas uma opção para viabilizar sua vida de forma a torná-la suportável: tolerar o próximo.

          A razão é simples: ninguém consegue viver em conflito constante, até mesmo pela necessidade psicológica de não enlouquecer e pela necessidade física de ter que trabalhar para sobreviver.

          Se estivesse vivo hoje, Chesterton certamente notaria a diminuição dos níveis de tolerância entre as pessoas, mas notaria também que ela continua a existir. Do contrário, a simples existência de sociedades seria impossível.

          Ele também notaria que, enquanto a tolerância diminui (mas não desaparece), diminuem (e mesmo desaparecem) as demais virtudes.

          Honestidade, bondade, prudência, temperança, caridade, sabedoria e coisas mais estão em declínio, mas as pessoas que estão a abandonar ou mesmo desconhecem tais virtudes sabem que devem tolerar os outros em algum grau nem que seja para continuar a cometer seus crimes. Ou, diria mais, nem que seja para tolerar a si mesmas.

          Porque se o homem perde totalmente a tolerância, porque haveria se suportar a si? Que vida é esta onde tudo é insuportável, intolerável ao ponto de termos que riscar nosso eu da existência?

          Viver é tolerar, é estar presente no mundo, e estar presente é aceitar que o mundo, "a vida", Deus que em Sua providência deu de Si para que a pessoa existisse. Afinal, somos seres por empréstimo. Só o Senhor é Ser em absoluto.

          Ninguém pode viver se acredita que a vida seja intolerável. A tolerância é uma virtude divina e é o último estágio do amor que não se rende à morte.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Gosto, moral e os progressistas

"Muitos dos modernos têm tradado o gosto como se fosse uma questão moral. Só espero que não tratem a moral como se fosse uma questão de gosto." (G. K. Chesterton, em "Lunacy and Letters", 1958) 

          Este aforisma de Chesterton é um retrato evidente do mundo de hoje. Seu temor se transformou em realidade, onde o gosto, de fato, se tornou a nova moral, ainda mais sacra e opressora do que qualquer moral tradicional.

          Esta cosmovisão é a essência ética da mentalidade progressista, que vê na sua época o ápice da "iluminação" do homem e, portanto, superior a tudo o que já passou.

          E por que tolerar as coisas do passado se elas estão "superadas"? Todo o mal, na mentalidade progressista, advém do passado que não morreu, sendo moralmente justificável suprimir tudo o que não conste na agenda do momento.

          Mas a pergunta que se coloca é: quem formula a mentalidade de nossa época? De onde vêm os princípios da moda, que versam desde a luta contra o preconceito até as formas de vestimenta?

          Pois a era moderna (ou pós-moderna) transformou tudo em questão de gosto e, para usar a expressão de Bauman, transformou tudo em líquido, ou seja, nada se fixa, tudo muda conforme os gostos da época com suas manias e ideias alterando desde relacionamentos até a ordem política.

          Centrada na subjetividade individual, a moral virou opção, e a opção fundamenta-se no gosto; e gosto oscila de acordo com a moda e o desejo do momento. O "eu quero" e "eu acho" se tornaram os novos mandamentos sagrados pelo qual todo o passado deve ser sacrificado.

          A apologia do tempo presente é a apologia do desejo presente, a entronização deste desejo como moral vigente, e o nivelamento da moral tradicional como mero desejo a ser equiparado (ou suprimido) a todos os demais.

          Talvez Chesterton não imaginasse que esta forma de conceber o mundo fosse promovida a toque de caixa por todo o globo. Nosso mundo "evoluiu" ao ponto de que, como temia nosso querido escritor, temos de provar aos modernos, desgostosos com a coloração da vegetação sobre a qual pisam, de que a grama é verde. Anátema seja quem discordar do psicótico desejo alheio.