quinta-feira, 30 de abril de 2020

O porta-voz da humanidade


          A condição humana é misteriosa. Não sabemos de onde viemos nem sabemos para onde vamos.
          O suporte que nos é dado pelas tradições religiosas fornecem respostas sobre nossa origem e fim, mas, objetivamente, não sabemos como éramos antes de ser e como seremos depois que cristalizarmos o que somos.
          Compliquemos esta realidade com especificidades, contingências e escolhas de cada um. Eis um enorme desafio para os filósofos e cientistas, ávidos por levantar o véu do templo para revelar a realidade por detrás das aparências.
          Pois o escritor se aproxima destas respostas. Sim, o grande escritor, aquele que atinge a universalidade do homem, tem algo a dizer ao africano, chinês e americano, porque por ele atravessa a natureza comum que permite dividi-los mesmo estando unidos. Ele é o porta-voz da humanidade.
           Cientificamente impreciso, filosoficamente menos rebuscado, ele apreende a realidade humana melhor do que ninguém.
          Porque a realidade pode ser apreendida pelas palavras quando estas são dispostas na medida certa e na combinação exata, não no sentido matemático, mas na combinação que dá um tom eloquente na expressão, cuja prosa é sua medida.
          O escritor carrega a palavra mais do que com sentimentos, mas com a alma mesma, como se estas palavras fossem (e de fato são) a janela através do qual ele vê e também é visto.
          Nesta janela se revela, ao mesmo tempo, a simplicidade e a complexidade do homem em cada uma de suas variantes, porque somos comuns na natureza profunda, mas singulares na personalidade. Ali vivem as pessoas.
          O escritor canta a humanidade na singularidade de cada pessoa, no olhar a cada evento, e estes se conjugam para revelar que o escritor é como cada um de nós, mas mais do que nós mesmos, porque sua alma pulsante entende a nós e para além. 
          São suas palavras que se elevam acima de nosso horizonte, acima de nossas cabeças ante o Céu que tenta alcançar.

O coração dividido de uma sogra feliz


          Alvo de certa desconfiança e muitas piadas, a sogra é uma pessoa de coração dividido que ora deseja a felicidade de seu filho, ora deseja nunca perde-lo para alguém de fora de seu ninho.
          O ventre antes cheio de amor e realização agora assiste, absorto, o adeus daquele que preenchia sua vida.
          O cordão umbilical antes ligava seu corpo; agora une dois corações e duas carnes num coração e numa só carne. Ela, a sogra, é expectadora da união. Não são três carnes.
          Da mesma forma que está dividia entre a pessoa que se vai e o desejo de mantê-la sob sua proteção, a sogra também divide-se entre o filho distante e o esposo ao seu lado.
          É comum os casais passarem pela crise conhecida como "síndrome do ninho vazio": quando os filhos saem de casa, o homem e a mulher precisam reajustar não só suas vidas como suas expectativas.
          A mãe, que é o centro da vida familiar, o arquétipo da casa que tudo abraça e guarda, agora possui um espaço vazio preenchido apenas pela metade por seu esposo.
          Mas o sol brilha na vida da sogra, a felicidade não é uma ilusão; a luz que se afasta com o passarinho que voa distante é a mesma que a mantém viva e luminosa tal qual o luar que brilha à luz do sol distante.
          O amor vive e se espalha pelo Universo inteiro.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Dostoiévski e o homem incapaz de amar

(Personagens Aliócha e Zossima, no seriado russo homônimo da obra, de 2009.)

          Um leitor das obras de Dostoiévski não sai indiferente à crueza e à veracidade profunda dos diálogos e dramas de seus personagens. 

          Aparentemente exagerados, este revelam os meandros da complexa psicologia humana, as profundezas do dilema existencial e as loucuras do ativismo político que viriam virar o mundo de cabeça para baixo no século XX.

         Na obra "Os Irmãos Karamázov", o stárietz Zossima, monge ortodoxo superior de Aliócha, relata o diálogo com um médico sem nome, muito revelador da condição sombria do homem incapaz de amar:

          "...eu, dizia ele, amo a humanidade, mas me admiro de mim mesmo; quanto mais amo a humanidade em geral, menos amo os homens em particular, ou seja, em separado, como pessoas isoladas. Em meus sonhos, dizia ele, não raro chegava a intentos apaixonados de servir à humanidade e é até possível que me deixasse crucificar em benefício dos homens se de repente isso se fizesse de algum modo necessário, mas, não obstante, não consigo passar dois dias com ninguém num quarto, o que sei por experiência. Mal a pessoa se aproxima de mim, e eis que sua personalidade já esmaga meu amor-próprio e tolhe minha liberdade. Em vinte e quatro horas posso odiar até o melhor dos homens: este por demorar muito a almoçar, aquele por estar resfriado e não parar de assoar o nariz. Eu, dizia, viro inimigo das pessoas mal elas roçam em mim. Em compensação, sempre acontecia que quanto mais eu odiava os homens em particular, mais ardente se tornava meu amor pela humanidade em geral." (grifos meus)

          Mas caberia perguntar a este homem: o que seria do amor se não fosse ele justamente a doação, o desejo de ser um com o outro? Como amar "a humanidade" sendo esta uma abstração da soma da totalidade de homens concretos dotados de histórias, sentimentos, vidas e amor verdadeiro, e não um conjunto indefinido de pessoas?

          Quem ama abdica, quem ama suporta, quem ama tudo tolera. Jesus Cristo não pediu para que amássemos o todo, mas a todos, uns aos outros, eu, você e cada um com sua história real, incluindo aí seus defeitos, erros e mesmo crimes.

          Mesmo os inimigos não estão fora deste apelo do amor. Não se faz necessário ser íntimo do inimigo; o amor não é tolo e imbecil, antes sábio e prudente. Amar o assassino não é colocar-se ao seu alcance. Afinal, quem o amaria se aquele que o ama se expõe ao perigo de perecer pela crueldade alheia?

          Amar a humanidade é uma intenção oca, uma palavra jogada ao vento adaptável a qualquer discurso ou pretexto. Bem sabem os compatriotas de Dostoiévski, massacradoa aos milhões em nome do "mundo melhor", a humanidade perfeita, o paraíso terrestre.

          Da imaturidade decorre a incapacidade de amar, e da incapacidade de realmente amar decorre o amor à humanidade, que facilmente se converte em violência. É a projeção do ódio a si mesmo, da revolta de si que, incapaz de se reconhecer, aceitar seu próprio fracasso e perdoar a si mesmo, desemboca na enxurrada de violência contra o próximo, o bode expiatório de suas culpas mal resolvidas.

          O homem incapaz de amar não ama a si mesmo. Ninguém pode dar o que não tem. Do homem infeliz, resta apenas o sonho e a tristeza de não ser o que gostaria de ser. Falta-lhe amor.          

O fim da História humana


          O mundo não se basta por si mesmo. Ele não se completa, não se satisfaz, não se sustenta indefinidamente sem o suporte divino, causa, meio e fim dele mesmo.
          Quando Jesus morre na cruz e é sepultado, Nele morre toda a História humana. Esta é a tônica deste excepcional trecho do livro "O Homem Eterno", de Chesterton.
          Porque o mundo criou ideias, credos, ritos, ordem, sociedade, civilização, mas que estavam fechados em si mesmos.
          Não que os antigos fossem ateus, pelo contrário, mas porque eles não concebiam que a Verdade e a liberdade estava em si e não nos Césares.
          A vida habitava neles, mas a ordem coletiva e pagã os diluía na autoridade do mundo, rosto da ordem cósmica universal que engolia a todos.
          Jesus Cristo era o contraste entre o Homem que vive e o mundo que já está morto, e quanto mais Ele sofria na caminhada rumo à morte, mais fortemente Ele se manifestava enquanto mais evidente era a fraqueza do mundo. Porque Nele vivia o Homem, a liberdade, o indivíduo livre, integrado mas distinto do Cosmos, que caminha diante de Deus.
          A consumação da morte e ressurreição de Cristo selou a Revelação, que viria, nos séculos seguintes, a sepultar a História como a conhecíamos.
          Acabava a História humana e começava a História divina, a História da salvação.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Os três pilares da dignidade humana


          Os princípios como justiça, liberdade e igualdade são vazios e nada significam se colocados apenas como abstrações.
          Um dos erros mais comuns nos debates atuais é tentar entender a realidade raciocinando em cima de palavras. Justiça, liberdade e igualdade não devem ser compreendidas por si mesmas, a não ser como tipo ideais, mas como elementos que se manifestam em algum grau no mundo real.
          Se pretendemos viver num mundo justo, como fazer para que a justiça prevaleça nas relações humanas? Se almejamos a liberdade, como garantir que a tenhamos dentro das tensões existentes na ordem social? Se sonhamos com a igualdade, em que condições ela se faz presente?
          Por isso colocamos esta passagem de Chesterton. Os três princípios podem se manifestar nas condições por ele apresentadas: a liberdade de ação para os despossuídos dos meios práticos de ação, a justiça para os mais fracos em face aos mais poderosos e a igualdade nas condições mínimas de vida.
          Estes três elementos confluem para um único princípio a ser defendido. Na verdade, não um princípio, mas um dado da realidade do homem: a dignidade humana.
          Ser homem significa possuir, em sua natureza e, portanto, de forma concreta e inegável, uma dignidade intrínseca. Despidos de todos os nossos aparatos legais, mentais e materiais, ninguém pode se impor a ninguém, todos têm capacidade de agir livremente e todos são iguais perante todos.
          Mas como vivemos num mundo complexo administrado por leis e princípios que variam de local para local, as condições de justiça, liberdade e igualdade variam muito de pessoa para pessoa e estão relacionadas aos seus meios de ação e às decisões pautadas (ou não) sobre estes princípios.
          Defender a dignidade humana é fundamentar a justiça, a liberdade e a igualdade na realidade concreta. Os idealismos suprimem o mundo e desembocam na tirania, esmagando estes mesmos princípios e destruindo (inclusive fisicamente) a pessoa que dizem defender.
          Não por acaso a dignidade humana é elemento central da Doutrina Social da Igreja. Graças a uma visão real do homem dada na Revelação, a Igreja vê seu ideal manifesto não em abstrações, mas na realidade, ordem na qual se manifesta a Verdade.
          E não por acaso Chesterton, um convertido ao catolicismo, encontrou nesta mesma realidade um caminho para a Verdade.

O emponderamento do lunático


          A ascensão da modernidade deu poder e voz não ao homem comum, mas ao louco, ou ao que Chesterton chamou de "Homem Incomum".
          O liberalismo e o crescimento da riqueza material deu a muitas pessoas a capacidade de influenciar os rumos das sociedades, seja por ação econômica, seja por meios políticos.
          Utilizando as nomenclaturas de nosso querido escritor, o Homem Comum não quer publicar um jornal para influenciar a opinião pública ou fundar uma seita, quer antes poder falar livremente de política e fundar uma família.
          Já o Homem Incomum, este sim quer usar seu dinheiro e fundar um jornal ou ter sua seita. Os meios de vida criados pela modernidade, bem como as ideias em seu bojo, deram vida ao desejo do Homem Incomum de espalhar e impor seus ideais e ações ao Homem Comum.
          A este fenômeno Chesterton chamou de "empoderamento do lunático", a concessão aos loucos da capacidade de dirigir o rumo dos acontecimentos. 
          O louco aqui não é o clinicamente maluco, mas o homem desconectado da realidade vivendo dentro de seu mundo particular e julgando a humanidade à sua imagem e semelhança. 
          Suas análises e decisões levam não só ao erro, mas à opressão do Homem Comum, que vê numa garota uma garota e não um "gênero" abstrato, que vê num dia quente um dia quente e não o "aquecimento global", que desconfia de alguém por gestos suspeitos e não por "racismo" ou "preconceito". 
          Na ordem estabelecida pelos loucos, o senso do Homem Comum é a defesa mais sóbria, simples e segura para garantir um mínimo de sanidade e paz, mesmo dentro de um hospício.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

O "mundo pós-pandemia" e a chance que nos foi dada


          Na medida em que governos e pessoas em geral começam a dar os primeiros passos para o retorno gradual ao cotidiano, os famosos especialistas e intelectuais começam a aparecer na imprensa para tentar responder como será o "mundo pós-pandemia".

          A pergunta crucial é: sairemos melhores desta crise? Minha resposta é simples: não sei. Mas a oportunidade foi dada.          

          Quando o arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, anunciou, em vinte de março, que as missas públicas na Arquidiocese deveriam ser suspensas para evitar a contaminação da população pelo coronavírus, sua Nota Oficial dizia que a "pandemia não foi querida por Deus, mas por Ele permitida".

          Apesar de discordar da atitude do arcebispo (questão que não vem ao caso discutir aqui), desde então esta frase me acompanhou todos os dias. Se Deus permitiu isto, por quê? Ou, dizendo melhor: se Deus permitiu isto, para quê?

          Esta pergunta é a mais correta, porque a razão das coisas não está em questionar seu sentido, mas em sua finalidade real possível. Retomo aqui a máxima de Viktor Frankl que já citei tantas vezes: não devemos nos perguntar o sentido da vida, e sim que sentido nós damos a ela.

          Se a epidemia matou milhares de pessoas e parou praticamente todo o mundo, há algo a aprender com isso, e este aprendizado está na resposta que temos de dar ao novo cotidiano que se impôs ou que escolhemos impor a nós mesmos.

          Ademais, lembremos também da quantidade de crimes, trapaças, conflitos, problemas, pecados e toda a sorte de desgraças que foram temporariamente evitados com a paralisia do mundo. Não seria melhor retornarmos à normalidade sem estes erros passados? 

          Portanto, sobre sermos pessoas melhores, a pergunta que fica é: o que eu devo fazer para sair desta crise melhor do que entrei? Por isto não tenho resposta para a pergunta, talvez nem para mim mesmo. 

          Menos ainda sobre os desdobramentos políticos, econômicos, sociais e geopolíticos mundo afora. Haverá, sim, respostas das autoridades em todos estes campos, e como todo o poder político esta resposta também dependerá de decisões sobre como responder a nova realidade. Ao contrário do que parece, as autoridades públicas não são entidades com vidas próprias, e sim pessoas com liberdade de decisão. 

          A diferença começa em casa, na casa interior. Se sairemos melhor desta epidemia será porque respondemos melhor ao desafio que se impôs desde fora. E os responsáveis por esta resposta serão unicamente nós mesmos.

O progresso daquilo que não muda


          No excelente artigo "O progresso e Chesterton", Gustavo Corção coloca no lugar a concepção errônea de "paradoxo" em Chesterton, tomada por alguns como mero jogo de palavras do escritor inglês . 
          O "príncipe dos paradoxos", como é chamado, não se utilizava de paradoxos para divertir o leitor, mas para revelar as contradições de usos e abusos da linguagem na era moderna.
          A ideia de progresso é uma delas. O progresso não é aquilo que está em constante mudança ao sabor dos ventos da moda, nem é mudar de ideia o tempo todo.
          O progresso está na mudança da realidade, de fato, mas com um objetivo claro. É o trabalho árduo e constante, não em escala global, mas no esforço cotidiano de deixar melhor a realidade que antes encontramos.

          A Igreja Católica, diz Corção, progride justamente "porque é sempre a mesma". Apenas aquilo que possui uma verdade imutável e inquestionável pode progredir. 

          Só podemos falar em progresso quando partimos de um plano fixo a partir do qual se mede a caminhada do tempo. Todo o progresso possui uma referência permanente a partir do qual podemos medir e contemplar a caminhada histórica.

          Ninguém vive no ar, sem referências, ao sabor das mudanças históricas e culturais constantes. Isto não é progresso. É loucura.

domingo, 26 de abril de 2020

O pecado original em forma de sistema


          O socialismo necessita da concentração de poder para sua implantação. A razão é simples: se este sistema preconiza a igualdade socioeconômica, então é necessário que alguém tenha poder maior do que as grandes empresas e corporações juntas para transferir renda dos mais ricos aos mais pobres.

          Ocorre que a lógica socialista não precisa de mais nada. A este sistema basta a resolução da desigualdade para que todos os demais elementos da sociedade se ajustem automaticamente.

          Religião, cultura, arte, educação, comunicação, ordem social, hábitos, costumes... todos estão subordinados à lógica socialista da correção das desigualdades econômicas. Todos são portanto, dispensáveis.

          O socialismo parece um objetivo simples de realizar, mas sua realização depende da subordinação de todas as coisas à vontade de uma elite superpoderosa plasmada no sistema.

          É neste sentido que Chesterton afirma que o socialismo não se baseia no otimismo, mas no pecado original. Nesta ordem, o homem não precisa de nada mais do que a elite governante. Cultura, hábitos e religião são ilusões dispensáveis quando comparados ao objetivo supremo.

          No socialismo, todo o poder de transformação do mundo está nas mãos do homem, que determina inclusive a moral, o que é o Bem e o Mal na nova ordem vigente. Ele tudo sabe. Faz de sua soberba a norma juridicamente estabelecida.

A impiedosa fé na política


          Uma sociedade que se preocupa excessivamente com a política se afastou do plano da transcendência. Porque a política é essencialmente imanente, depende de uma ordem objetiva e uma estrutura cujas leis obedecem ao mundo e ignoram o plano espiritual.

          A fé na política é inevitável quando esta toma grandes proporções, quando procura tudo legislar. Por consequência, as pessoas são forçadas a reagir, de forma favorável ou contrária ao poder estabelecido, engendrando-as no jogo político.

          A era moderna piorou muito esta situação porque ela gerou a técnica, e a técnica progride numa complexidade crescente. Esta complexidade exige novas normas e leis, que se multiplicam na medida em que a sociedade se torna mais complexa. Cresce, portanto, a máquina de poder do Estado que a todo o instante tenta tapar o buraco por uma nova realidade ainda não regulada.

          Mais Estado, mais legislação, mais restrição às liberdades em nome destas mesmas liberdades.

          Engolfadas nas disputas ideológicas e em planos de poder frequentemente confusos, as pessoas não sabem de onde vêm as decisões que impactam suas vidas ao mesmo tempo em que são obrigadas a lidar com elas, de impostos à máquina eleitoreira das eleições. 

          Como resultado, todos se veem impelidos, em algum grau, a se comprometerem em opinar e se posicionar no jogo de poder.

          Bastava acessar a internet para ver que ninguém ficou à parte do recente conflito entre o agora ex-ministro Sérgio Moro e o presidente Jair Bolsonaro. Este é mais um caso de como a política tomou proporções nunca antes vistas. 

          Todos têm algo a dizer (ou se sentem na obrigação de dizer) porque sabem que, de alguma forma, isto pode impactar suas vidas, mesmo sem entender como. Junto com o crescente poder político, cresce também o império da opinião.

          No fundo, esta luta é de ordem espiritual. Não porque por detrás de tudo isto estejam anjos e demônios. Não. Mas porque, ao darmos excessiva relevância às coisas do mundo, esquecemos que a fé deve ser depositada em Cristo e não em César. Nenhuma autoridade nos fará feliz. Nenhuma.

          Do contrário, seremos impiedosamente esmagados pela máquina que rege a política. Na lógica do mundo não há perdão.

sábado, 25 de abril de 2020

A liberdade real e o dever de combater a tirania


          A liberdade não é um ente abstrato, como mera ideia ou intenção. Ela se realiza na realidade, na vida concreta, e varia conforme as circunstâncias e as liberdades alheias.
          Chesterton não deixa margem de dúvidas nesta passagem. Todos têm o direito (e o dever, quando em consciência) de lutar por sua liberdade quando ameaçada.
          Tal como a doença afeta a saúde física de nosso corpo, a tirania afeta nossa liberdade pessoal. E liberdade se refere a coisas reais, não abstrações retóricas.
          É natural que tenhamos acesso às informações que nos são importantes, bem como a capacidade de sair de casa e ir a uma praça, conversar com amigos e estranhos, poder receber o salário justo por seu trabalho, preservar hábitos de uma cultura que respeitem a dignidade humana, professar sua fé, contar aos outros suas experiências de vida.
          Os tiranos buscam intervir e moldar estas liberdades mais básicas porque consideram que tais liberdades atrapalham seus planos imaginários. Em nome de uma ideal futuro, que só existe em suas cabeças, suprimem a vida alheia, que existe em frente ao seus olhos.
          Ninguém em sã consciência deveria aceitar estas supressões. Ou se luta para manter e conquistar a liberdade perdida, ou se sucumbe à arbitrariedade alheia.

A falsa liberdade


          A era moderna, voltada às preocupações de ordem econômica e bem-estar material, viabilizou certas liberdades antes inviáveis, como a liberdade e a democratização das opiniões.

         Assim, o poder econômico nivelou, no mesmo patamar, verdades e mentiras, fatos e falsidades, pesquisas sérias e palpites de esquina.

          Mas esta maior liberdade, que é vista como a essência da democracia mesma, não só é frágil como facilmente manipulável. A liberdade de opinião como uma emancipação verdadeira é falsa e mesmo perigosa.

          A técnica da qual brotou a democratização das opiniões é a mesma que possibilitou a emergência de um enorme poder político-econômico concentrado em Estados e grandes corporações, os quais se tornaram capazes de manipular o fluxo de informações e fazer prevalecer umas opiniões sobre as outras independente de sua veracidade.

          Se o poder econômico permitiu democratizar as opiniões, esta se tornaram relativas, e o poder político e as grandes fortunas acabaram por eleger aquelas que deveriam ser erigidas como "verdades" estabelecidas.

          A citação de Chesterton precisaria apenas ser atualizada: a emancipação moderna não dá apenas a possibilidade de alguém com dinheiro publicar um jornal, mas também notícias eletrônicas, criar redes de comunicação virtuais e, acima de tudo, controlar o fluxo de informações.     

          A emancipação moderna é uma faca de dois gumes: os meios que permitem a sonhada liberdade de opinião são os mesmos que viabilizam sua supressão.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

O trágico mundo da falsa segurança


          Esta passagem de Chesterton escrita em 1931 seria irônica se não fosse trágica.
          O bom-humor do nosso admirado escritor era capaz de apresentar verdades como esta de forma leve e, ao mesmo tempo, causar o impacto necessário para abrir nossos olhos.
          Quase 90 anos depois, vivemos exatamente este alerta devido a uma epidemia e a atmosfera de medo que dela emergiu.
          A crise atual mostra que estamos sob influência não apenas de forças naturais desconhecidas, mas também de forças políticas e econômicas que não temos controle e, pior, sob influência de ideias que sequer conhecemos.
          Homens de negócios, grandes corporações, empresas de comunicação, todos eles moldam gostos, impõem e alteram comportamentos, oferecem e induzem a sociedade a um estilo de vida administrado e artificial.
          Estivéssemos dentro de uma vida comunitária e teríamos maior controle sobre nossos destinos e estaríamos mais imune às crises, que hoje alcançam proporções globais.
          A era do "progresso" e da "democracia" prometeu liberdade e segurança, mas cada vez mais percebemos justamente o contrário: estamos perdendo nossa capacidade de decisão e cada vez mais expostos às tempestades que emergem e desaparecem sem pedir licença.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A liberdade começa em casa


          Ninguém nega que uma casa de tijolos é feita de tijolos, nem que o tronco das árvores é feito de madeira ou, sendo quase irônico, que a água é molhada.
          Seria bom e justo que tivéssemos a mesma certeza quanto à associação entre as liberdades civis e a formação de famílias.
          As famílias são o núcleo mais básico e consistente da ordem social. Delas partem as normas mais básicas de convivência, interiorizadas por seus integrantes de forma espontânea, não dependendo de um ator externo para que sejam colocadas em prática.
          Esta vivência fornece uma forma de vida não burocraticamente administrada, não tecnicamente determinada, não matematicamente calculada.
          Graças a isto as pessoas experimentam e vivem um estado de liberdade que o Estado não pode fornecer. É um plano de vida onde a condição humana pode se desenvolver em seu potencial máximo, na liberdade mais plena.
          Não há poder, não há Estado que possa fornecer isto, e a maravilha desta experiência mostra que lutar por sua preservação contra uma autoridade tirânica vale a pena.

sábado, 18 de abril de 2020

A raízes do mundo (por Chesterton)


          A civilização humana pode parecer algo puramente material, imanente. Muitas pessoas concebem este conceito como o mundo construído, com cidades, máquinas, locais de trabalho, meios de comunicação e uma infindável aglomeração de pessoas.
          Mas a civilização se sustenta sobre princípios que são invisíveis aos nossos olhos, como os laços familiares, os acordos tácitos baseados em valores comuns, a fé que habita o coração de cada um, mesmo que no silêncio absoluto, e que impulsiona a pessoa a fazer a coisa certa segundo as normas estabelecidas como forma de realização pessoal e agrado a Deus.
          Estes princípios são as raízes do mundo e, assim como as raízes, são invisíveis aos nossos olhos.
          Chesterton afirma, em seu artigo "As raízes do mundo", que tais raízes são a religião. Porque é da religião que brotam fundamentalmente todos os princípios sobre os quais a sociedade se sustenta e desliza na linha do tempo.
          Neste artigo, nosso querido escritor apresenta a parábola de um garoto que desejava arrancar uma planta do solo para descobrir como ela crescia, mas os adultos lhe diziam que ele não podia arrancá-la e davam-lhe os motivos mais tolos para isto.
          Instigado pela curiosidade até desembocar na soberba, o garoto tenta arrancar a planta com toda a força causando estragos no local onde mora. Anos mais tarde, ele retorna com um grupos de homens para realizar seu desejo e, tentando arrancar a planta a todo o custo, provoca destruição mundo afora e, insistindo em sua obsessão, dá origem ao caos e a revolução.
          Não se pode arrancar a religião sem consequências, ou seja, destruir todos os princípios que sustentam a civilização. Arrancadas nossas raízes mais profundas, tudo desabará, e no lugar do paraíso soberbamente desejado, no lugar da vontade de determinar o Bem e o Mal, restará o caos, a destruição e a morte.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

O julgamento do mundo


          Na era moderna, as virtudes humanas estão muitas vezes associadas (e de forma errônea) à riqueza e à educação formal. À primeira vista, o homem rico ou educado parece diligente, responsável e feliz, em contraste com o homem pobre e ignorante, que seria desgraçado, ignorante e irresponsável.

          A imagem ideal destes dois tipos de homem confere ao primeiro a áurea da felicidade e ao segundo a áurea da infelicidade.

          Não por acaso nossa era pode ser chamada, como diz o historiador John Lukacs, de "era burguesa", onde a busca pelo bem estar material se tornou a tônica da educação e da ordem social.

          Esta, porém, é a aparência das coisas. O apego ao mundo exterior esconde não só parte da personalidade de uma pessoa, como muito pouco ou nada diz à sua ordem interior.

          A visão que nós temos de nós mesmos é diferente daquela que Deus tem dele. Muito pouco podemos ver se enxergamos apenas o mundo imanente, o mundo captado pelos sentidos, que muitas vezes maculam, filtram ou mesmo bloqueiam a realidade espiritual.

          Nesta citação, Chesterton procura abrir nossos olhos para o erros do julgamento, baseada na cegueira interior e na perda do senso das proporções. Também expõe a perda da virtude do herói, do cavalheiro e do santo, tão enfatizadas na Idade Média, mas hoje perdidas.

          As virtudes essenciais vivem no homem e não se revelam aos nossos olhos. Por mais que possamos maquiar nossa imagem ou mesmo nossa atitude perante o mundo não passamos incólume ao Observador Onipresente.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

A sabedoria do humor


          Há situações que merecem desprezo, mas na medida certa. Ser mal tratado, xingado ou humilhado nunca é bom, mas muitos casos talvez exijam um certo jogo de cintura ao invés de serem tratados, como diz o ditado popular, "à ponta de faca".
          O humor funciona como uma defesa às más situações e companhias. Mesmo em casos extremos.
          Em sua experiência como prisioneiro nos campos de concentração nazistas, Viktor Frankl relata que seus companheiros judeus faziam piadas de si mesmos e isto os ajudava a suportar a terrível situação de vida.
          O mesmo pode ser dito, na devida proporção, aos pacientes de hospitais, cujo bom humor se torna fundamental para a recuperação da saúde. Ninguém precisa ser médico para saber disto, basta ter alguma experiência de vida ou apostar na sabedoria do senso comum.

          A citação de Chesterton reproduzida abaixo vai de encontro com as dificuldades da vida. É mais fácil lidar com elas como uma tragédia bem humorada do que ser rígido em cada um dos desafios. A auto cobrança e o perfeccionismo estão associadas a personalidades difíceis que tendem à tristeza e à depressão.

          Se a vida é difícil, sorria para ela. Tal afirmação pode parecer boba, mas um monstro que é desprezado se torna mais fraco e menos assustador.


terça-feira, 14 de abril de 2020

O objetivo profundo da educação


          A educação é utilizada para toda a sorte de objetivos: se preparar para uma carreira, conseguir um simples emprego, ganhar dinheiro, saber (ou ao menos inculcar a ideia de que realmente vamos aprender algo de substantivo), gerar desenvolvimento, trazer paz, formar cidadãos, etc.
          Seus alegados objetivos quase sempre são de ordem puramente material.
          Ademais, espera-se que a educação seja obra do Estado, um direito inalienável cuja omissão é vista como um dos mais perversos crimes.
          Desta forma, a educação é dada como obrigatória. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) considera crime não matricular uma criança na escola. Mesmo que haja brechas para o homeschooling, os pais ou responsáveis podem responder por esta omissão e pagar até mesmo com a cadeia.
          Mas por que tamanha ênfase na educação? Não poderia alguém ter outro objetivo que não os propalados por governos e meios de comunicação?
          Ocorre que educar uma pessoa não é simplesmente prepara-la para objetivos meramente técnicos, nem formar um bom cidadão. Educação é formar alguém de forma integral, não só com o conhecimento necessário para o cotidiano, mas também com a estatura moral que esta pessoa necessita. 
          O ensino das sete Artes Liberais são uma forma de fornecer não apenas o conhecimento básico e amplo de onde brotam todas as ciências e conhecimentos humanos, como também fornece o terreno fértil do qual brota uma formação moral firme e consistente abrangendo todas as dimensões da pessoa.
          Mas a família é a organização social mais básica e, portanto, a mais importante que existe. Sem ela, toda e qualquer formação humana ficará capenga, o substrato emocional da pessoa se tornará problemático. Uma educação que ignore isto sempre estará incompleta, seja na família, seja na escola.
         A Sagrada Família é o modelo mais perfeito de família. Para os cristãos (e todas as pessoas) preocupados com seus filhos, este é o objetivo maior de sua formação. Portanto, sempre que pensarmos em formar pessoas lembremos que a escola começa na casa, que esta casa também é o objetivo maior desta educação, e seus que exemplos devem ser o Pai e a Mãe, os mais perfeitos.



segunda-feira, 13 de abril de 2020

A negação da Verdade e o reino da injustiça


          Chesterton talvez ficasse impressionado, mas não surpreso, com o atual nível de apostasia dos que se dizem cristãos.

          A indiferença com relação à Deus e Sua ação no mundo, considerada até mesmo fantasiosa e absurda para muitas pessoas que só conseguem conceber um Universo mecânico conforme uma visão rasteira da realidade, a pouca fé, o abandono da prática da oração, as igrejas vazias, a caridade considerada válida apenas em campanhas da televisão...

          Este quadro mostra que o homem moderno abdicou de sua identidade cristã para abraçar a "vida prática" e viver ao sabor do vento das novidades.

          Como manter a fé, o senso de realidade profunda, num ambiente risível que ridiculariza como "retrógrado" e mesmo "fanático" aquele que busca viver acima do tempo?

          Os que deveriam conquistar o mundo para Cristo hoje não só abdicaram de sua missão como duvidam da missão mesma. Pior: duvidam até mesmo do conteúdo de sua missão.

          Deus é justo, e delegou a nós realizar a Sua justiça entre os homens não através de tribunais legalmente estabelecidos, mas através da propagação de Sua mensagem. Hoje nem mesmo se crê na própria mensagem. O homem moderno, como Pôncio Pilatos, lava as mãos e pergunta "O que é a verdade"?

          O relativismo virou norma e, como nos lembra Bento XVI, norma obrigatória, uma ditadura relativista onde somos instados, pela cultura e mentalidade vigentes, a negar a Verdade.

          A indiferença com relação a Deus e ao próprio mundo desemboca na lei do mais forte. Nada mais se torna justo. Vence o mais astuto e sorrateiro.

domingo, 12 de abril de 2020

Porque o mundo não pode salvar a si mesmo


          Homens, mulheres, religiosos, soldados, cidadãos comuns, com ou sem fé... Ninguém pode salvar a si mesmo.
          A salvação do homem foi possível porque Deus se fez homem. Só Deus possui capacidade, por sua condição de Absoluto, de pagar pelos pecados humanos, cujo preço é proporcional à desproporção entre Deus e o homem.
          Sendo Cristo homem, recebemos, por participação, os benefícios da reparação da dívida salvação, que é a possibilidade de, finalmente, adentrarmos às portas do Paraíso.
          Todo o plano de perfeição humana ou de paraíso terrestre é um blefe condenado ao fracasso. As decisões humanas não podem redimir nossos pecados, e mesmo que pudessem não redimiriam em grau suficiente para pagar o preço perante o Absoluto. Somos limitados, por mais que fantasiemos o contrário.
          Por isso os discípulos, os soldados, religiosos e alguma pessoas estavam juntos à cruz. Mesmo que negassem a divindade de Cristo, eles poderiam ver que não poderiam garantir a salvação por si mesmos. Nem Maria.
          Felizes daqueles que viram e que veem na cruz o auxílio para aquilo nunca seriam capazes de fazer nas trevas da solidão.

O sangue da Nova Aliança e o povo de Israel


          A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo restabeleceu a Santa Aliança de Israel, Seu povo, com o Senhor.
          Mas adquirindo a condição humana, Cristo alargou para toda a humanidade a condição de povo escolhido. Somos todos Israel.
          Somos todos Israel graças ao cumprimento da missão de Cristo, que pagou nosso preço com o sangue derramado na cruz.
          Esta passagem das palavras de Chesterton devem ser lidas, relidas e meditadas, porque nossa participação na salvação se deu pelo derramamento, até última gota, do mais puro, precioso e poderoso sangue que já banhou esta Terra.
          Bebendo do vinho, o verdadeiro sangue, somos nós banhados pelo sangue precioso que sustenta o mundo e que sustenta as almas no plano da eternidade.
          Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Chesterton e o boato da salvação


          Deus fez o mundo e viu que era bom; fez o homem e viu que era muito bom! Mas aquilo que era muito bom corrompeu-se pelo mal uso de seu livre-arbítrio, e Deus teve de intervir na Sua Criação.
          Primeiro o dilúvio, eliminando grande parte dos homens; depois, revelando sua infinita misericórdia, enviando Seu Filho para mostrar Quem é e salvar a todos.
          Chesterton poderia afirmar não que Deus veio ao mundo para consertá-lo, mas sim para salvá-lo. Não salvar o mundo em si, porque este irá passar num futuro indeterminado, mas os homens que nele habitam.
          A retórica poética do escritor inglês chama a vinda de Cristo de "boato". Mesmo que muitos boatos sobre Cristo tenham realmente surgido enquanto vivia na Terra, no devido tempo Ele revelou Sua real identidade.
          A caneta de nosso querido escritor transmite, poeticamente, o "boato verdadeiro" da vinda de Cristo. Seu serviço na defesa da fé cristã mostra-se profunda e verdadeira, tal qual o Homem sobre O qual ele escreve.

sábado, 11 de abril de 2020

O milagre do Cosmo e o milagre da vida


          Nos princípio, Deus fez o Céu e a Terra, e habitou neles de forma a mantê-los existindo e funcionando.

          Seu Espírito habita em todas as coisas na medida em que tudo o que existe depende de Sua Vontade suprema. O ato de existir não é um ato em si, mas resultado do Princípio de todas as coisas, da Causa Incausada, que sustenta na existência, a cada instante da linha do tempo, tudo o que há.

          As coisas sensíveis, o mundo material, não existe por si, muito menos se move por decisão própria. Aquilo que chamamos de "leis da natureza", "leis da Física" ou seja lá como queiramos chamar, é um milagre da Providência Divina.

          Lembra-nos do Livro da Sabedoria, que revela que Deus dispôs todas as coisas com seus devidos o pesos e as medidas. Da mesma forma, Deus dispôs o homem com seu ser único, dotado de corpo, alma e espírito.

          O milagre do funcionamento do Cosmo se faz ainda mais visível na condição humana, capaz de pensar, compreender, amar e perdoar. E este milagre se consuma na vinda de Deus ao mundo, como bem lembramos nesta Páscoa.
          Vivamos como o Filho nos ensinou e compreenderemos o milagre que habita em nós mesmos.