quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Essa é a nossa guerra

 

          Em determinando momento do dia de hoje estive pensando um pouco na guerra em que vivemos atualmente. O pensamento me ocorreu enquanto fazia uma corrida durante o crepúsculo do sol de verão. A tarde havia sido quente, mas o vento do fim do dia tornava tudo muito mais agradável, e sem fones de ouvido centrei-me nessa guerra a fim de suportar a ansiedade de um passo a passo monótono.

          Muitos talvez pensem em guerra no seu sentido estritamente material. Não falo de guerras mundo afora, da Síria ou da possível guerra na Ucrânia, nem da violência urbana ou do problema das drogas, mas da guerra espiritual. É lá que está a batalha decisiva, esteja você no meio de um tiroteio ou não. Isto é o que importa.

          Destruída a autoridade divina no coração dos homens, o que resta? Nada. Ou melhor: qualquer coisa. Dostoiévski ensinava, em Os Irmãos Karamázov, que se Deus não existe tudo é permitido. Ou pior ainda: podemos realmente acreditar em Deus, mas não aceitar, por uma profunda revolta espiritual e demoníaca, o mundo que Ele criou. Essa era a atitude de Dmitri, irmão de Aliócha, no romance escrito pelo grande escritor russo, em que o personagem descrente em Deus declarava abertamente que jamais aceitaria o mundo como ele é mesmo que Deus existisse. Estava declarada a guerra de uma alma que já havia perdido a própria guerra. 

          Este é o nosso mundo, a ordem criada por almas confusas e obscurecidas pela obstinação do erro. Parece que cada vez mais pessoas decidem pela rebelião, seja por acreditar que estão se libertando ao aderirem às ideias, modas e movimentos do momento, seja porque simplesmente não aceitam o mundo que existe e querem mudá-lo à sua imagem e semelhança, mesmo que isto signifique bater de frente com o Criador. O pior é que os dirigentes deste mundo, do alto de seus castelos civis, econômicos, militares, intelectuais e mesmo religiosos, estão empedernidos em sua luta contra o espírito tentando, a todo o custo, enclausurar o restante da humanidade num lockdown existencial eterno.

          Vejam à sua volta os frutos da revolta: confusão, insegurança e medo. Do espírito nascem a clareza, a segurança e a paz. Abolida a referência que permite medir todos os nossos atos, tudo se torna não apenas permitido, mas relativo. Não há medida ou poder que forneça a paz necessária, pois a paz precisa de ordem, e só há ordem quando a fundamento dela mesma é admitido como princípio e fim de todas as coisas, que se ordenam no passar da linha do tempo

          Se na guerra escolhermos o lado da luz, poderemos ao menos enxergar e identificar os perigos que nos rodeiam, inclusive em sua dimensão física. Este é um dos papéis da sabedoria, tão rara numa época em que o Espírito Santo é contrito pela obstinação humana, pela rigidez dos que apelam pela retidão da razão. A sabedoria é o cruzamento da ciência, outro dom do Espírito, com o amor. Sabemos, por exemplo, qual pessoa se faz digna de uma ajuda desesperada e qual, cobrindo seu rosto com a face de um cordeiro, é apenas digna de pena. Por isso pouco importa o bem-estar físico se a vida afunda na desesperança, pois os recursos transformam-se em bodes expiatórios dos próprios erros, quando não instrumentos de desgraça. 

          Para evitarmos a desgraça do medo ou a guerra que se avizinha no horizonte é necessário adentrarmos nas tropas do espírito. É ali que o exército dos anjos atuam e onde encontramos - pasmem, meu amigos mais humildes - milhares e milhares de empregados a trabalhar para nós, desde que estejamos dispostos a trabalhar com eles. Por isso a atitude de abertura confiante a Deus é tão relevante, pois esta é a garantia de nunca estarmos sozinhos.

          É necessário dizer sim e agir sobre o sim. Seja com o Rosário ou a cruz na mão, seja invocando o nome do Criador à forma da sua tradição, esta é nossa trincheira, esta é nossa batalha. No mundo, nenhuma guerra ou desgraça cessará por completo sem que peçamos auxílio a Quem fez todas as coisas, inclusive as que permitiram a criação das armas. "Rezem o terço todos os dias para alcançar o fim da guerra.", disse certa vez a Mãe de Deus. Essa é a nossa guerra, a única necessária para vencer todas as guerras.