quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Ser luz no mundo e ator da História


 
          Quando criei meu blog sobre a Rússia em junho de 2015, tinha como objetivo investigar os pormenores da política, história e cultura deste país para entender alguns eventos que envolviam a Rússia e o mundo. Uma das motivações para estas investigações foi minha experiência como aluno de mestrado, realizado pelas Ciências Sociais da PUCRS entre 2010 e 2012.
 
          Durante o curso realizei minha dissertação de mestrado, e ao longo de todo o ano de 2011 e início de 2012 realizei minha pesquisa de campo, onde fiz em torno de 45 visitas a 19 hospitais de Porto Alegre (o trabalho versava sobre a religiosidade em hospitais) e entrevistei 28 pessoas. Após o mestrado percebi o que já observava durante minha pesquisa de campo: que os acontecimentos históricos dependiam de decisões, e decisões são feitas por pessoas, indivíduos, que em algum momento decidem tomar a decisão A para alcançar o resultado B. Como nem sempre as coisas saem conforme o esperado, muitas vezes o resultado é C, e não B.
 
(Segunda edição brasileira do livro de Peter Berger e Thomas Luckmann.)
 
          O mais importante, porém, é atinar para a origem dos acontecimentos: há uma pessoa ou um grupo de pessoas a partir do qual surge uma ideia e, daí, uma decisão, que se transforma em ato conforme grupo ao qual ela pertence leva adiante sua intenção. Utilizo aqui uma linguagem coloquial que caberia a uma investigação mais profunda na Filosofia da História ou na Sociologia. Acredito que o livro de Peter Berger e Thomas Luckmann, A Construção Social da Realidade, ajude a entender um pouco as contingências que permitem que uma decisão seja levada adiante. Afinal, dizendo o óbvio, vivemos em sociedade e temos uma vida cotidiana, a "realidade por excelência" nas palavras dos autores, e estamos limitados ao que eles chamam de "mundo escuro", a realidade que está além de nosso conhecimento. Dispomos de recursos limitados (conhecimento, tempo de vida, condição econômica, física, psicológica) para tomar tais decisões. Dispomos de um corpo, certo conhecimento adquirido de experiência e estudos, um círculo de relacionamentos que permite aplicarmos nossas ações sobre outras pessoas e tentar propagar seus efeitos conforme a intenção inicial, recursos físicos para isso (corpo, telefone), e assim por diante. Resgatando novamente Viktor Frankl, o que importa é que independente do local e da cultura em que vivemos nós tomamos decisões.
 
          Aqui entra meu último texto neste blog, onde comento sobre minha experiência na TIP e minha decisão de ser "luz no mundo". É claro que minha decisão não me faz uma pessoa boa por si só, muito menos alguém melhor do que os demais, mas se a expectativa é que no mínimo eu tenha uma vida decente preciso antes de mais nada decidir em ser luz, senão para o mundo, ao menos para mim mesmo. "É infeliz quem decide ser." Esta é uma frase que certamente já ouvi da minha psicóloga da TIP, não necessariamente nesta ordem. Esta decisão é, em muitos casos, a nível inconsciente.
 
          Nossa decisão mais profunda é também a decisão que orientará nossas ações. Isto na TIP é chamado registro. O registro não é a memória de um acontecimento, mas a decisão em dar determinada resposta a uma determinada experiência. Esta resposta torna-se o modelo de resposta a situações no futuro que ativem o registro. Mas este registro só existe porque nós decidimos adotá-lo como nosso. Na TIP, utilizando a técnica da ADI, é preciso se conscientizar do registro que queremos nos livrar e buscar um outro, desta vez positivo, que tenha sido decidido em outra situação similar, substituindo o primeiro pelo segundo. Em muitas ocasiões pude ver que muitos projetos de vida que eu tive no passado foram abortados ou se tornaram insustentáveis porque, inconscientemente, eu havia decidido, ainda no útero materno, rejeitar o mundo que eu concebida como ruim e insuportável. E já que o mundo lá fora era uma droga, então que eu tornasse tudo um inferno mesmo. 
 
          Acontece que na decisão de "ser luz" todos os meu projetos de vida passaram a ser afetados (tomo isso como hipótese, dado que este é um evento muito recente, de segunda-feira passada, e hoje é recém quarta-feira). Isto quer dizer que decisões futuras serão afetadas por esta nova decisão, este novo registro, inserido nas contingências em que eu vivo, mudará pelo menos em parte o rumo de minha vida. Assim espero, e é isto que a TIP nos propõe.
 
(Ir à guerra - ou detê-la - depende de decisões, apesar das contingências que possam dificultar sua execução. Na foto, soldado pró-Rússia na Ucrânia.)
 
          A decisão de ser uma nova pessoa impacta diretamente suas ações, e aí voltamos ao contexto do livro de Berger e Luckmann: o impacto numa sociedade dependerá de decisões de certas pessoas que tomem a iniciativa de mudar o curso dos acontecimentos segundo suas limitações. Todo mundo gostaria de acabar com a violência, por exemplo, mas quem dispõe de meios capazes de eliminá-la ou ao menos contê-la? Quem tem conhecimento e, principalmente, meios de ação para tal? Foi esta realidade que encontrei no meu trabalho de mestrado, quando trabalhei com o ambiente hospitalar: decisões administrativas e iniciativas pessoais nem sempre chegavam ao resultado esperado, principalmente porque as pessoas não concordavam, ou seja, decidiam que certas atitude eram erradas e agiam contra. Quando procuro investigar algo sobre a Rússia não estou lá para falar com as pessoas, e busco o caminho inverso partindo do geral para descobrir o particular. Se vasculharmos as causas da guerra na Ucrânia, por exemplo, encontraremos muitos atores que aparentemente nada tinham a ver com a guerra, mas que foram determinantes para que ela acontecesse. Não me consta que conflitos armados aconteçam porque os canhões começaram a disparar sozinhos. Alguém puxou o gatilho, e tinha razões para isso, fossem elas justas ou não.
 
          Pequenos ou grandes, visíveis ou invisíveis, pessoal ou mundial, tudo o que acontece é decisão nossa. A História é uma teia de atos precedidos por decisões. Ninguém se levanta da cama só porque acordou. Há uma razão para sair para trabalhar; a uma razão para começar ou parar uma guerra. Quando tomei a decisão de "ser luz" no mundo, não pretendia fazer nada de excepcional, mas não haverá mudança no rumo dos acontecimentos que nos afetam negativamente minha vida se não decidir por agir na direção contrária. E falo isso sem qualquer pretensão de grandeza, pois não só considero inviável como rejeito abertamente a ideia de um "mundo melhor" sem antes melhorar a mim mesmo, e rejeito ainda mais esta ideia com base num plano universal que é inevitavelmente imperfeito dada as contingências dos planejadores, tão limitados quanto qualquer um de nós. As decisões são necessárias tanto para o levantar da cama quanto para o planejamento de uma guerra. Tudo o que fazemos fazemos porque queremos e arcamos com as responsabilidades de nossas ações.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

A decisão de ser luz no mundo


          Nesta semana realizei duas sessões da Terapia de Integração Pessoal (TIP), que utiliza a técnica da Abordagem Direta do Inconsciente (ADI), terapia criada pela psicóloga gaúcha Renate Jost de Morais, falecida em 2013.

          A ADI, como diz o nome, permite uma leitura direta do inconsciente através de uma técnica de mergulho da consciência nesta área da mente. Conduzido por um preceptor (psicólogo), entramos em diálogo com o "sábio", o eu original, saudável e perfeito, que nos mostra os pontos-chave que devem ser analisados e curados.

          Não vou contar o que vi no meu inconsciente, mas a decisão que tomei com base numa situação desagradável: decidi, ainda nos seis meses de gravidez (a ADI permite que observemos nossas decisões desde a concepção da vida humana) em dar as costas ao mundo e trabalhar para "ferrá-lo", se eu puder assim dizer. Em outras palavras: já que o mundo exterior era um horror e eu não tinha outra solução a não se viver nele depois de nascer, então que eu fizesse dele um inferno. No ventre eu estava de costas para o lado de fora da barriga e com a cabeça abaixada em direção ao corpo de minha mãe, como que não suportando o "horror" do lado de fora.


          Minha decisão foi tomada numa situação de estresse entre as pessoas que estavam no ambiente (no caso, meus pais e um terceiro não identificado) confirmando outras experiências anteriores de que, sim, o mundo era uma porcaria que não valia a pena viver.

          O problema é que tomando uma decisão, uma atitude na qual eu me tornava inimigo do mundo, todas as esferas de minha vida, social, privada, profissional, familiar, sexual, etc, se tornavam bem mais difíceis e complicadas. Neste dia eu estava preocupado com minha vida profissional, que nunca foi bem sucedida. O problema, como foi percebido, estava muito mais embaixo, e era muito mais amplo do que uma mera questão profissional ou de vivência prática do cotidiano. 

          Quando indaguei meu sábio sobre uma saída para isso, sua resposta foi um sentimento de tristeza. Acima dele foi visto uma nuvem, uma camada escura que não apenas obscurecia seu ser como não tinha nada a oferecer que pudesse ser aproveitado. Sua tristeza era consequência do fato de não ver saída para este problema. Num mundo maldito, numa experiência de vida marcada por um pessimismo que havia contaminado, em maior ou menor grau, todas as esferas de minha vida real, não havia setor ou "lugar" que permitisse investir minhas forças e encontrar um rumo para minhas escolhas.

          Mas eis que o sábio, perfeito em sua condição, viu o que poderia ser feito: se o mundo era um horror, se muitas coisas estavam fora do lugar, com pessoas em discórdia, sociedade em crise, dificuldades para todo o lado, então que eu fosse a luz num mundo escuro. Que o sábio (eu, meu eu real) fosse fator de iluminação e solução para os problemas reais, a começar por si mesmo, decidindo torna-se novo para criar uma vida nova e ser luz num mundo velho e corrupto. Disso, retornei ao ventre materno e me vi voltando-me ao mundo e saindo do ventre na figura de uma criança que, de pé e fora do ventre, prefigurava-se numa pessoa luminosa envolvida por um halo estrelado em volta da cabeça, um misto de Menino Jesus com Nossa Senhora.

          Esta foi a inspiração para o texto que escrevi no Facebook e que reproduzo abaixo:

"Quando vemos que as coisas a nossa volta e na vida pessoal estão erradas, ou tortas, ou se tornando um inferno, cabe a nós, individualmente, sermos luz no mundo. Quando falo em "ser luz" não é ser bonzinho ou queridinho, mas o FATOR de iluminação, conscientização e acima de tudo EXEMPLO para aquilo que propomos. Isso, ao contrário do que muitos podem pensar, não é mudar o mundo, MUITO MENOS uma proposta e fazê-lo. Primeiro porque a mudança é uma atitude, uma postura frente ao mundo, a si mesmo e a Deus. Por isso Viktor Frankl dizia que éramos totalmente responsáveis pela nossa vida: cada pessoa vive em circunstâncias que lhe são próprias, e as respostas aos desafios de sua vida cabem unicamente a ela e a ninguém mais. Ser luz no mundo é, antes de mais nada, assumir, decidir pela nova atitude frente aos desafios que nos cercam e os medos interiores. Só aí, depois de muito esforço, podemos fazer algo pelo próximo, e ainda assim aos poucos. Querer ir longe demais só sendo santo ou revolucionário. O primeiro venceu todas as etapas a custa de seu sacrifício; o segundo queimou etapas e sacrificou os outros."

(O ódio a alvos genéricos como "a vida", "a humanidade", "a sociedade" é projeção de ódio a si mesmo e/ou de fatores que parecem sem solução.)

          Não é possível mudar a vida a não ser decidindo pela mudança de personalidade, o que é óbvio. Mas ocorre que a ânsia de ter uma vida feliz nos joga não apenas na frustração como no sentimento de revolta que, não podendo ser canalizado contra si, acaba por ser descarregado no mundo. O século XX nos deu muitos exemplos de líderes que propunham consertar os erros da humanidade mediante o ódio e a força, ódio esse que no fundo era ódio à condição humana e acima de tudo a si mesmos, reformadores do mundo, que como demônios reproduziam o inferno à sua volta. Não há felicidade na queima de etapas. Somos chamado à santidade pela própria ordem das coisas.