quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Bye bye, Porto Alegre

(Porto Alegre vista do alto. Uma imagem sugestiva.)

          Durante toda a minha infância e juventude nutri um apego pela cidade onde nasci e vivi por toda a vida. Porto Alegre, para mim, sempre foi uma referência de vida, o locus onde transcorreu grande parte dos acontecimentos gravados em minha memória.

          Desde o início da década de 2000 tenho tido más experiências que de alguma forma se relacionam com a cidade, principalmente nos últimos anos. Falo da violência, da má educação das pessoas e do clima. Nunca a cidade foi tão violenta como agora, nunca os verões foram tão quentes (e os invernos tão fracos) como de 2012 para cá, e nunca tive de lidar com tanta gente estúpida.

          Não cabe aqui explicitar também as razões de minha mudança de visão de mundo, mas por diversos motivos criei um certo desapego à cidade e às minhas referências pessoais. Este pensamento está condensado num comentário que fiz no Facebook:

"Há uma semana atrás listei alguns itens que podem, de fato, me tirar do Brasil um dia, ou pelo menos fazer com que eu coloque um pé fora (algo que desejo realmente). Mas uma coisa é certa: VOU DAR NO PÉ de Porto Alegre. Na pior das hipóteses vou me refugiar num lugar distante do núcleo urbano da cidade, um foco de incomodações desnecessárias. Quando era guri me imaginava vivendo aqui, com aquele sentimento de apego ao local onde nasci. Hoje cada vez mais vejo que este não é o meu lugar." 

          Os itens que me referia ao citar o Brasil eram violência, falta de respeito das pessoas e o clima. Em se tratando do clima, morar em Porto Alegre é até um privilégio, dado que, apesar do verão desagradável que muitas vezes me tira o humor, gosto do frio e há muitos dias bons. 

          O que me fazer realmente querer sair da cidade é a violência e, claro, a má educação geral. E aqui tem muita gente que passas dos limites e vai à estupidez. Mas acontece que durante a vida os acontecimentos marcam a experiência de um lugar. Fora meu grupo de oração, o São José, algumas boas amizades bem cultivadas e meu curso de mestrado (acrescentaria ainda a recente experiência como corretor numa imobiliária, uma surpresa mais do que agradável), nos últimos quinze anos colecionei um oceano de más experiências, desajustes e frustrações. Cansei disto. Não consigo olhar para esta cidade com o carinho que olhava antes, com a diferença de que não sei se vou voltar pra casa sem que um motorista me mande tomar no cu ou sem que um bandido me fure a cabeça.

          O sentimento de desajuste talvez seja o produto mais evidente desta combinação de mudança de visão de mundo com uma vida urbana opressiva. A cidade é um ambiente anti-espiritual matutado pela brutalidade do concreto (e pelo péssimo gosto dos arquitetos) e pela impessoalidade das regras das mais desnecessárias, típicas de vida moderna e agravadas pela mentalidade burocrática brasileira. 

          A vida espiritual, por outro lado, me mantém em pé. Sinto-me constantemente protegido tanto da violência quanto do desrespeito alheio. É como se eu fosse constantemente zelado por uma presença providencial que me guiasse (e guiasse também as outras pessoas) para evitar choques psicológicos e emocionais desnecessários, bem como de gente má intencionada. Na verdade não é "como se eu fosse" zelado. O correto a dizer é, sim, eu sou zelado. Falo, é claro, de Nossa Senhora.

          Queira Deus que um dia eu fixe minha vida num local verdadeiro. E quando falo verdadeiro digo longe da excessiva artificialidade da vida urbana, receita infalível para esterilizar a alma com a estética da feiura, a amputação da simbologia do mundo natural e a pressão psicológica pelo cumprimento constante de regras impessoais, senão absurdas. São poucas as pessoas que resistem a isto sem se deformarem de alguma forma. Acredito que eu resisti, mas saí bem torto. Minha felicidade não mora aqui. Seu pleno cumprimento não exige uma luta contra uma realidade artificial geradora de estúpidos e criminosos. É mais simples manter-se firme no propósito e, no tempo certo, dar tchau e ir embora.