quinta-feira, 30 de julho de 2020

Crise da ciência: uma crise do espírito

(Relógio astronômico na Igreja Santa Maria em Lubeck, Alemanha)

          A todo o momento ouvimos falar na televisão sobre ciência ou seja lá o que a classe jornalística chama de ciência.

          É importante ter em mente que a ciência tal qual é concebida nos dias de hoje possui metodologias que são arbitrárias e se baseiam em concepções de mundo precedentes a elas; é também mutável podendo apresentar resultados diferentes no dia seguinte em que um primeiro resultado é apresentado, e que por isso mesmo jamais pode haver o que tanto proclamam de "autoridade científica".

          Nesta palestra proferida pelo professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e doutor em Filosofia, Victor Sales Pinheiro, a ciência moderna é apresentada como elemento distinto e inconciliável com o que chamamos de "religião" (termo impreciso para designar uma variedade enorme de fenômenos sociais, antropológicos e espirituais) e, por isso mesmo, em permanente crise.

          Segundo o professor, a ciência moderna surge no século XVI, mas sua forma ideologizada se constitui apenas no século XIX com o positivismo de Augusto Comte, dando origem ao que ele chama de "religião do progresso". Esta concepção se opõe e combate abertamente a "religião tradicional" tratando-a como uma mistificação supersticiosa e obscurantista, situação que piora com as falsificações antirreligiosas de John Draper e Andrew White, cujas motivações e erros deliberados são mostrados pelo historiador da ciência, Ronald Numbers

           Esta cosmovisão deu origem aquilo que Olavo de Carvalho, no "Jardim das Aflições", chamou de "deuses do espaço", onde o homem, prescindindo da dimensão espiritual da vida, busca racionalizar, matematizar e enquadrar a totalidade do cosmos num esquema pretensamente científico, como se fosse possível o conhecimento total e, portanto, a manipulação plástica de toda a realidade pela vontade do homem.

          Mas a ciência moderna logo entra em crise, não apenas por seus analistas críticos que surgem já na virada para o século XX e depois (Victor cita Husserl, Heidegger e Voegelin), como esta idealização espúria ignora o vasto período entre os filósofos gregos e Descartes como se nada houvesse na cultura ao longo de dois mil anos que contribuísse para o pensamento científico. 

          Prescindido da ética advinda da fé cristã, para a ciência resta o potencial de manipulação da natureza, mas falta-lhe o sentido. A era moderna criou muitos comos, mas eliminou ou porquês. Das crises, que vêm em série desde há mais de século, brotaram os monstros totalitários e genocidas do nazismo e do comunismo, duas ideologias cientificistas, que são causa e consequência de duas Grandes Guerras, eventos onde a técnica foi aplicada à destruição e mortandade em massa.

          Com base na exposição acima, fica a pergunta: como pode haver segurança num mundo que põe sua fé na ciência, mutável por excelência? 

          Se não há parâmetro fixo que forneça fundamento e matéria-prima sobre o qual se construa qualquer empreendimento humano (o que inclui a totalidade dos métodos e conhecimentos científicos), não pode haver, igualmente, elemento no qual podemos garantir nossa segurança. Não há paz, seja coletiva ou individual, num ambiente cultural e psicológico que fique à mercê de mudanças permanentes. Apenas crises. 

          Para utilizar o ensaio de Olavo de Carvalho, ao depositar a fé na ciência a humanidade busca novas éticas a fim de solucionar as crises sucessivas e dar estabilidade às mudanças constantes. Da crise coletiva provocada pela vacuidade de fundamentos morais surge a revolução política, cujo objetivo é estabelecer uma nova ordem social e dar cabo à insegurança. O problema é que a ordem coletiva por si mesma não pode gerar os princípios da qual depende e que são forjados pela tradição religiosa. 

          Sobre os "deuses do espaço" erguem-se os "deuses do tempo". São Behemoth e Leviatã, monstros mitológicos que representam as forças da natureza e as forças sociais, respectivamente, que de digladiam mas intensamente na medida em que a fé desaparece da sociedade, até que Behemoth consiga, mais uma vez, vencer a revolta do homem pelo cansaço.        

          A crise da ciência é, portanto uma crise do próprio homem ou, falando de forma mais concreta, fruto da confusão e desorientação na qual as pessoas hoje se encontram. Quando ouvimos falar em "crise política", "crise econômica" ou "crise social" estamos, no fundo, ouvindo sobre os efeitos da degradação moral da humanidade. 

          No artigo "Redescobrindo a vida cristã"Victor Sales aponta um caminho possível de solução à crise através da busca por uma vida religiosa autêntica e do resgate dos fundamentos culturais do cristianismo. Há inumeráveis obras que mostram as realizações da Igreja Católica e de cristãos em geral no campo da cultura. Sua história é repleta não apenas de santos como também de cientistas, filósofos e escritores, uns religiosos, outros leigos.

          O historiador Thomas Woods Jr. no seu livro de título sugestivo "Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental" afirma que a Igreja não apenas fomentou uma cultura: ela criou um civilização inteira. Forjou o desenvolvimento de inumeráveis setores da vida social como agricultura, metalurgia, filosofia (e todo o esforço dos monges copistas no resgate do pensamento clássico grego), arquitetura, organização da vida política e social (bispos e religiosos se tornaram administradores da Europa quando da queda do Império Romano), literatura, direito, pedagogia, e toda a gama de conhecimentos que desembocariam na ciência moderna. 

          Junto às igrejas foram fundadas escolas para que estudantes pudessem se reunir e organizar seus trabalhos. Deste embrião surgiriam as universidades, criação eminentemente católica. Da mesma forma, os cuidados para com doentes e afetados pelas guerras deram origem aos hospitais.

          Se há crise da ciência, é porque há crise humana, no sentido profundo da palavra. Para fixar os pés em algo que possa dar alguma segurança, servir de parâmetro para medir e balizar crises, equilibrar Behemoth e Leviatã, as necessidades humanas e suas paixões, a busca por uma consciência religiosa através de uma espiritualidade profunda seria o primeiro passo para amenizar a crise. Esta consciência alenta o sofrimento psicológico cotidiano e dá a paz necessária para acalmar os pensamentos e aguçar a percepção da realidade necessária para o estudo e o trabalho.

          Basta observar, na perseverança de uma vida espiritual, o resultado desta vivência em nossas vidas. Não é possível mudar o mundo sem mudar antes si mesmo, tendo numa mão a fé em Deus e noutra, claro, o empenho nos estudos.

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