quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A perda da fé: as igrejas e a cidade como marcas de uma sociedade secular

(Igreja São Jorge, em Porto Alegre, visível apenas por sua torre acima do viaduto de mesmo nome inaugurado em 2015: a estética moderna sufoca a vida espiritual e expressa uma sociedade voltada ao mundo, à vida utilitária e cada vez mais secular).
 
          Hoje comecei uma atividade que será gradualmente divulgada neste blog: trata-se de verificar, em Porto Alegre, como as igrejas da cidade expressam a secularização da sociedade. Explicando melhor: como a construção das igrejas, por seu estilo e simbolismo, apresentam o processo de perda de religiosidade da população. 
 
          A ideia surgiu no dia de ontem, 27 de setembro. Ao sair da missa na Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, perto de minha casa, parei por um instante e contemplei a torre construída ao lado da nave da igreja. Ao pé havia um placa em pedra que dizia a torre ser uma homenagem a Nosso Senhor Jesus Cristo (não recordo-me com exatidão a mensagem). Acontece que a paróquia data de 1965, quando havia uma igreja de madeira, ao passo que a torre fora inaugurada em junho de 2000. Este descompasso entre a data de fundação do prédio e a placa chamaram minha atenção.
 
(Igreja da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde surgiu a ideia de meu novo trabalho: prédio baixo e religiosamente estéril. A torre, fora da foto, está ao lado, e tem mais ou menos o dobro da altura da igreja.)
 
          Recordo-me, há anos atrás, quando a torre foi erguida. De longe era (e ainda é) possível vê-la por entre as residências dos bairros Chácara das Pedras e Três Figueiras, ambos atendidos pela paróquia e compostos por casas e pequenos edifícios. Antes de sua construção a igreja ficava totalmente escondida entre as construções, e não havia qualquer referência que fosse capaz de identifica-la à distância. Ao lembrar-me disto foi que eu percebi que as torres das igrejas, salvo a representação de apontar ao Céu em sua expressão simbólica (o Alto) através do apontamento do céu em sua concepção física, são marcas de uma autoridade, ponto alto da referência à instituição que guarda a mensagem do Alto. Sendo a paróquia uma filial da Igreja Católica, ela é, por legitimidade da instituição a que pertence, detentora de um exclusividade espiritual: a de apontar o caminho certo para aqueles que desejam chegar ao Céu, ao Paraíso, à Deus. Um igreja alta com suas torres erguendo-se sobre todas as demais construções mostra que este é o lugar mais importante, porque ele aponta de onde todos viemos e para onde todos devemos retornar. A igreja é a referência, e a torre, referência visual para a comunidade que a cerca, aponta o caminho que somos chamados a seguir. Chegar à igreja é trilhar o caminho para o Céu.
 
          Após contemplar a torre comecei a lembrar-me da arquitetura outras igrejas: as mais recentes, com seu estilo moderno, perderam muito de sua representação simbólica; algumas sequer têm um torre que se destaque na paisagem, outras, com suas torres majestosas ou imponentes, foram sufocadas pelo crescimento urbano em seu entorno. Em todos estes casos o mundo secular (não religioso) prevaleceu sobre o mundo espiritual, representado pelas igrejas e destacados por suas torres.
 
(Livro clássico de Peter Berger. Publicado originalmente em 1967 e em português em 1985, o sociólogo americano afirmava que o pluralismo religioso era resultado da sociedade moderna, que se tornaria cada vez mais secular. O autor revisou sua tese no artigo A dessecularização do mundo, publicado em 1999, afirmando que as religiões se readaptavam à nova situação e lutavam por um lugar ao sol.)

Mas o que se entende exatamente por secularização? Grosso modo secularização é a subtração da religiosidade da sociedade em todos os seus aspectos como: frequência às missas e cultos, a mudança de comportamento, artes, literatura, cosmovisão (modo de ver a realidade), cultura, educação, racionalidade, vestimenta, linguagem, etc. Na sociologia da religião o termo secularização é largamente discutido e não há consenso entre os acadêmicos sobre sua definição. O sociólogo americano Peter Berger, um dos maiores expoentes da sociologia da religião, ajuda a entender melhor este conceito. No clássico livro O Dossel Sagrado de 1967 ele diz que a secularização é "o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos" (1985, p. 119), e em seguida ele prossegue:
Quando falamos em cultura e símbolos, todavia, afirmamos implicitamente que a secularização é mais que um processo socioestrutural. Ela afeta a totalidade da vida cultural e da ideação e pode ser observada no declínio dos conteúdos religiosos nas artes, na filosofia, na literatura e, sobretudo, na ascensão da ciência. Mais ainda, subentende-se aqui que a secularização também tem um lado subjetivo. Assim como há uma secularização da sociedade e da cultura, também há uma secularização da consciência. Isso significa, simplificando, que o Ocidente moderno tem produzido um número crescente de indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem o recurso às interpretações religiosas (1985, p. 119-120).
           Ao longo das próximas semanas divulgarei informações sobre as paróquias, igrejas e algumas capelas de Porto Alegre. Tomarei como referência a presença (ou não) das torres nestas igrejas (algumas como ponto alto do edifício, outros como campanários, outros com a presença de um santo, etc) e a partir delas mostrarei brevemente como a igreja evoluiu ao longo do tempo e como sua expressão simbólica e religiosa se perdeu (ou, em alguns casos, foi fortalecida) . O objetivo não é discutir estilos arquitetônicos, e sim o que especificamente a torre e, de forma geral, sua igreja expressam numa sociedade que com o passar das gerações perdeu muito de sua religiosidade original.

          Assim poderemos deduzir que tipo de sociedade estamos criando: uma onde a representação de Deus, sufocado pela estética de uma cidade moderna onde as construções disputam espaços umas com as outras sendo a igreja apenas mais um destes edifícios, resume-se cada vez mais à vida privada; ou outra onde Ele, como representação máxima da fé cristã, resiste com o objetivo de ser visto nas ruas e acima dos telhados.

domingo, 25 de setembro de 2016

O moralismo ecologista planetário: guerra contra a família

(Para muitos defensores do "aquecimento global", há uma catástrofe à vista. E você é o responsável.)

Acabo de ler uma reportagem divulgada no site da revista Exame sobre o estudo de um professor de filosofia moral da Universidade de Johns Hopkins. Segundo o texto, Travis Rieder afirma que há quatro fatores que determinam o ritmo da poluição que contribui para o "aquecimento global": o teor de carbono nos combustíveis, o consumo de energia necessária para produzir riquezas, o tamanho do PIB dos países e sua população. Este fatores ajudariam a estimar a quantidade de carbono na atmosfera, cálculo conhecido como "identidade Kaya".

Acontece que a reportagem traz uma breve entrevista com Rieder, que diz expressamente:
"Existem 19 milhões de crianças esperando adoção e uma mudança climática catastrófica no horizonte. Colocar uma criança no mundo piora a mudança climática e, se não nos organizarmos, isso pode não ser muito bom também para a criança."
"Esta é uma questão de política pública. Ou você pode dizer que um problema como mudança climática exige que modifiquemos nossa cultura de obrigação individual e que todo mundo precisa pensar em ter famílias pequenas,"
As colocações do professor são assustadoras. Primeiro porque coloca uma catástrofe "no horizonte", isto é, estamos caminhando para o caos; segundo porque ele relaciona diretamente o número de crianças com a catástrofe. A conclusão é simples: o número de filhos é uma das causas diretas do "aquecimento global". Esta relação, como continua a entrevista, está no elevado padrão de consumo desejado pela humanidade como um todo. Mais crianças gerariam mais consumo que geraria mais aquecimento levando à catástrofe.

(Quanto mais filhos, mais consumo, mais rápida a catástrofe do "aquecimento": o moralismo ecologista planetário contra a família.)

Não posso fazer uma crítica do livro porque não li, mas posso e devo fazer uma observação sobre a reportagem. Seu título diz: "Quer frear o aquecimento global? Pare de ter filhos". Tanto o título da reportagem quanto o autor são enfáticos no apelo moralista contra o aquecimento. É um alerta de submissão imediata da vida privada ao ecologismo planetário.

A grande questão, no meu entender, está na relação causal entre o nascimento de uma pessoa e um fenômeno ultra-complexo e altamente duvidoso como o "aquecimento global". Este fenômeno não é consenso entre os cientistas, ao contrário do que diz em bloco a grande mídia no Ocidente. O documentário A Grande Farsa do Aquecimento Global, por exemplo, põe em cheque a relação causal entre a ação humana e o suposto aquecimento. Isto colocaria por terra a tese de Rieder (como apresentada na reportagem, importante destacar) e de tantos outros catastrofistas tão badalados nos grandes meios de comunicação.

(Um dos gráficos apresentados pelo A Grande Farsa do Aquecimento Global mostra a queda da temperatura média no Ártico no período de boom econômico após a Segunda Guerra quando houve a reconstrução da Europa e a industrialização de países com o Brasil.)

(Expansão do gelo na Antártida entre 2006 e 2014: sucessivas quebras de recorde. Aquecimento?)

Afirmações como a de Rieder e o teor da reportagem são comuns na televisão e nos jornais. Diversas outras vezes me deparei com o mesmo conteúdo e o mesmo apelo moral contra este tipo de catástrofe. É como se fôssemos pessoalmente responsáveis pela catástrofe anunciada e o genocídio de nossos próprios filhos. Este é, no meu ver, o ponto mais crítico: o novo padrão moral exigido pelo ecologismo planetário. Cada um é responsável por "salvar o planeta" e evitar a matança. A relação causal entre o nascimento de uma pessoa e um fenômeno ultra-complexo e altamente duvidoso é tão moralmente absurdo que deveria ser impiedosamente rejeitado e seus proponentes ridicularizados. Uma coisa é levantar a questão para discussão (estou dentro), outra é recomendar um padrão de conduta absolutamente impossível de ser regrada dada a generalidade e o esforço mastodôntico exigido. O moralismo ecologista planetário é tão absurdo é tão totalitário que deveria ser expelido do debate público de forma impiedosa e servir no máximo como objeto de reflexão filosófica ou enredo para obras de ficção.

(Fotografia que ficou famosa na internet onde um homem doa seus chinelos à moradora de rua no Rio de Janeiro: ajudar o "mundo" é impossível. Comecemos pelo próximo. É mais simples e eficaz.)

Ajudar o próximo com a caridade pura e simples é infinitamente mais eficaz do que baixar a cabeça para moralismos do tipo "salvar o planeta" mediante a ameaça de uma catástrofe. A caridade é um trabalho concreto e a garantia de retorno a olhos vistos, que quantos mais filhos estiverem a serviço mais gente se beneficiará.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A providência divina como o sentido da vida

(A vida - ou a prrovidência - nos coloca desafios a todo o instante. A questão não é por que isto, mas para quê.)

É normal ouvirmos coisas como "eu nasci na época errada" ou "as coisas deveriam ser diferentes", sendo a palavra "coisas" uma referência à condição humana ou ao Cosmos.

Mesmo sendo normal, este tipo de questionamento é, no fundo, sem sentido e uma crítica à vontade divina. Explico. Se eu, Marcos, nasci em Porto Alegre em 1981 de um determinado casal com uma determinada história familiar, então este é o meu tempo e o meu lugar. Se as condições de vida da qual eu surgi são estas e não outras, é porque estas devem ser as condições para que eu venha ao mundo. Eu sou a melhor pessoa para viver exatamente esta condição neste tempo e neste lugar. Caso contrário eu teria nascido noutra época e noutro lugar, nem que fosse do casal vizinho um minuto mais tarde. 

A questão que se coloca aí é: o que vou fazer com esta minha condição? Como a nossa vida carece de uma resposta definitiva, como seu sentido, resta-nos lidar com o que temos. Viktor Frankl, no seu best-seller Em Busca de Sentido, diz que não somos nós que questionamos o sentido da vida, mas é a vida que me pergunta que sentido damos a ela. Dito de outra forma dentro de uma perspectiva religiosa: não é Deus que me propõe a descobrir o sentido geral da minha existência, mas é Ele que me propõe, a cada instante, responder aos desafios propostos por sua Vontade. Sou eu quem dou sentido à cada ato da providência divina respondendo a Ele. E o sentido não é uma resposta única e definitiva, mas uma ação, a autotranscendência, como diz Frankl, em me projetar para um objetivo para além de mim mesmo a cada instante, a cada passo. Eu devo responder e arcar com a reponsabilidade de cada instante da providência. Da decisão de se casar ao de arrumar a cama pela manhã, sou eu que dou a resposta e arco com esta responsabilidade. Talvez isto seja o que chamamos de felicidade, uma vida plena de sentido.

(Última edição em português do livro de Frankl.)

Se a resposta do sentido da vida, no seu sentido abrangente, é inviável à primeira vista, resta-nos a pergunta inicial: o que vou fazer com esta minha condição? Mais importante do que perguntarmos o sentido da vida talvez seja para quê ela serve. É apenas na atitude diária que podemos dar sentido e encontrar respostas à pergunta inicial. O desafio revelado por Frankl é antes de tudo um desafio prático sobre o qual se revela seu sentido existencial.

Portanto a crítica à "época errada" ou "às coisas" como ela são é jogar por terra o sentido da vida e a própria vida em si. Ademais, é uma pecado contra Deus, porque estamos colocando em cheque não só o que Ele nos deu, mas também sua onisciência e a infinitude de Seu amor. Se Deus é perfeito e nos ama infinitamente seria absolutamente absurdo que Ele nos colocasse numa situação que não fosse a melhor possível dentro do Universo criado. O próprio Universo tem de ser o melhor possível, porque só o melhor Universo é compatível com a perfectibilidade divina.  

Se a vida está muito ruim, talvez seja melhor repensar as decisões e o peso da consequente responsabilidade. Isto vale, acima de tudo, para mim mesmo. Se eu não consigo de alguma forma dar um sentido pleno à minha vida (algo difícil, diga-se), quanto mais poderia falar pelos outros.

O trabalho começa em casa sabendo que não estou só. 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

A inteligência como um acesso a Deus

(Deus é luz: luz que tudo ilumina, tudo torna claro e, portanto, inteligível.)

Neste recorte do vídeo sobre o lançamento do seu livro O Pai Nosso, Luiz Gonzaga de Carvalho Neto relaciona a vida espiritual/religiosa com a vida intelectual.

Não é de graça que Gugu, como é conhecido, é filho de Olavo de Carvalho. Olavo foi um dos três principais responsáveis pelo meu retorno à Igreja Católica. A relevância de seu trabalho para minha reconversão foi sua capacidade de me fazer compreender que o que chamamos de "religião" trata, em última instância, de realidade. Meu retorno está vinculado à intelecção, a inteligência como meio de me aproximar de Deus (um dia contarei esta história melhor).

Pois bem. No vídeo Luiz Gonzaga, em conversa com Renan Santos, amigo meu e fundador da Editora Concreta pela qual o livro foi lançado, diz que a vida intelectual é parte da vida religiosa. Tudo o que nos aproxima do bom, do belo e do verdadeiro, diz ele, serve à nossa vida religiosa. Em última instância o conhecimento busca a Causa primeira de todas as coisas, o Ser, o Princípio ou seja lá como você queira chamar o que se define como "Deus". Por diversos momentos Luiz Gonzaga lembra que foram os monges católicos que preservaram a literatura pagã, porque eles viram nestas obras elementos edificantes à vida espiritual que poderiam nos ajudar na construção do edifício interior em direção ao Alto. Este fato também é lembrado pelo historiador Thomas Woods Jr. no seu livro Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. Woods comenta que a literatura pagã e os trabalhos científicos provenientes do mundo islâmico foram reproduzidos e guardados pelos monges copistas, preservando estes trabalhos da ação dos bárbaros ao longo do primeiro milênio do cristianismo.

 (Livros de Luiz Gonzaga e Thomas Woods Jr, respectivamente.)

Na medida em que fui tomando conhecimento dos trabalhos do pai de Luiz Gonzaga fui percebendo a dimensão concreta da revelação cristã. Quando vemos que Deus age na realidade, vemos, portanto, que a realidade, independente do meio pela qual temos acesso a ela, seja por livros de literatura, imagens, experiência científicas ou observação direta do cotidiano, pode ser acessada por diversos prismas que, no fundo, levam à mesma Origem ainda que não tenhamos acesso direto à esta Origem por estes meios. Quando chegamos na distância certa, é Ele Quem dá o salto para nosso encontro, o salto qualitativo que falta para que Ele revele Sua presença.

Eu diria que Deus está quase ao alcance de nossa inteligência, porque inteligir é um ato espiritual. O ato de compreender e tomar consciência de certos aspectos da realidade pode ser uma forma de nos aproximarmos de Deus, que no momento certo dará Seu salto para nós.

É Ele quem nos busca. Na sanha de querer compreender a realidade a inteligência poderá ser o meio pelo qual teremos conhecimento de uma realidade que está muito além do que nosso pensamento pode acessar. Jamais teríamos este acesso se não fosse a iniciativa divina de nos buscar. E isto é misericórdia.

sábado, 17 de setembro de 2016

O Tratado e a pedagogia de Nossa Senhora

(Apostila de uma vida espiritual.)

Quando fiz a consagração à Nossa Senhora segundo o método de São Luís Montfort, lembro que estava cheio de escrúpulos, me considerava indigno da consagração, mas li o livro numa semana e me consagrei. Hoje percebo que esta consagração quase às pressas foi um salto no escuro, como quem diz "Nossa Senhora, me pega!" E lá fui eu me jogar de um edifício.

Com o tempo percebi que a consagração, que faz de Nossa Senhora a depositária de todas as nossas graças, bem como a mestra de como essas graças serão utilizadas, se para meu bem ou para o do próximo, reforçou minha estabilidade espiritual. Explico: sinto-me compromissado com Ela. Um exemplo são as orações: mesmo que eu deixe a oração do terço de lado, fico no compromisso de fazê-la no dia seguinte; se eu falo muitas coisas sem pensar ou muitas bobagens, como piadas além do ponto, volto atrás e sinto um arrependimento (já tinha isto antes, mas hoje esta atitude é mais consciente); fiquei muito mais sensível aos pecados, principalmente graves. A dor e o incômodo interiores numa briga sem sentido, por exemplo, se tornaram mais profundos.

São Luís Montfort afirma em Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem que o demônio faria brotar nos leitores de seu livro escrúpulos para que não realizassem a consagração. Foi o que ocorreu comigo, e esta é a resistência da maioria das pessoas ao se depararem com a proposta do Tratado.

(Foto de São João Paulo II com o lema do Tratado "Totus Tuus" - "Todo Teu". Papa se tornou um dos grandes divulgadores da obra de São Luiz Montfort.)

Ninguém é podre o suficiente para que não realize uma entrega total à Nossa Senhora que, no fundo, é a entrega à Deus, porque a misericórdia divina é infinita. Portanto, qualquer erro é de forma infinitamente menor, proporcionalmente, à capacidade que Deus tem de reparar tudo. Como tudo o que está nas mãos Dela vai para Jesus, a consagração à Nossa Senhora é um ato de reparação completa. Ela torna-se nossa pedagoga especial, nossa professora particular na vida espiritual que nos ensina a sermos como o Seu Filho. Ela educou Jesus, que era Deus, por trinta anos, e por isto mesmo saberá como lhe educar.

Montfort também previu que o demônio esconderia o Tratado por muito tempo. Foi assim desde sua publicação em 1712 até meados do século XX. Foi João Paulo II o maior propagandista do Tratado, afirmando que a consagração foi decisiva para sua vocação sacerdotal. Ele virou papa. E santo.

Não há milagre que Nossa Senhora não possa fazer, mesmo porque milagre é Deus quem faz. Ela lhe dará um bom banho e lhe ensinará a ser um bom filho para que aprenda a crescer na vida. E ainda lhe encherá de mimos, com uma boa mãe faz.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Apaixonado pela verdade

(No cristianismo Cristo é Vida, fonte de luz. É Deus a fonte da inteligência, capaz de compreender a realidade sensível. Na foto, interior da Igreja da Luz pertencente à Igreja Unida de Cristo em Ibaraki, no Japão.)

Acabei de fazer uma postagem sobre as manifestações e a reivindicação pelos grupos de esquerda por novas eleições. Mas apaguei tudo.

Este blog não pretende ser um blog político (ainda que algumas posições minhas fiquem claras aqui), menos ainda colocar informações que sejam vagas. Um exemplo é a informação de que houve fraude nas eleições de 2014. Realmente acredito que elas foram fraudadas para colocar Dilma no poder e legitimar um sistema fraudulento, reforçado pelo impeachment da "presidenta". Mas prefiro falar deste tipo de coisa depois de ter realmente investigado o assunto e não por ter lido um artigo ou uma reportagem. Caso contrário as "análises" tornam-se mais uma defesa de uma paixão do que uma observação séria. Deixo isso para postagens no Facebook, que é um mural de declarações públicas, do que um blog que convida à análise e à reflexão.

(Manifestações pró e contra Dilma no dia da votação do impeachment no Congresso, em 17 de abril: a política é fonte de paixões, e sua análise real depende de menos opiniões e mais investigações.)

Paixão aqui só se for por Deus. Aqui, sim, posso fazer uma apologética a Ele. Quando trato de política, Dilma, PT, direita, esquerda... bom, se eu entrar em discussões apaixonadas vou acabar virando mais um tagarela de internet, mais um debatedor apaixonado por opiniões. Quando tiver conclusões ou ideias firmes as coloco aqui. Vamos à verdade. É ela que importa.

domingo, 4 de setembro de 2016

Madre Teresa de Calcutá: oficialmente santa, realmente santa

(Madre Teresa de Calcutá, falecida em 5 de setembro de 1997, foi beatificada pelo Papa Francisco depois de quase exatos 19 anos em 4 de setembro de 2016.)

Existe um certo "descompasso" entre a oficialidade da Igreja Católica e o mundo espiritual. Quando alguém é canonizado e torna-se santo, é porque esta pessoa já estava em estado de santidade antes da oficialização.

Desconheço um processo de canonização. Sei apenas que ele depende de uma série de averiguações da Congregação pela Causa dos Santos, órgãos vinculado à Santa Sé, e que para ser santo é necessário haver dois milagres comprovados (para ser beato basta um). "Comprovado" é, aí, uma palavra importante, porque pode haver muitos santos com muitos milagres que não foram comprovados mas que já estão atuantes na Igreja Gloriosa, isto é, no Céu, e portanto têm autorização de Deus para interceder pela Igreja Peregrina, que somos nós aqui na Terra.

(Capela em homenagem à "Maria Degolada", na Vila Maria da Conceição, em Porto Alegre. Reparem ao fundo as placas com agradecimentos. Foto tirada deste blog.)

A questão é que a canonização não apenas oficializa como torna segura a devoção, já que é difícil saber quem é santo ou não, e muitas devoções populares se misturam àquilo que seria seguro na vida espiritual. Aqui em Porto Alegre, por exemplo, existe há décadas uma devoção à Maria Francelina Trenes, também conhecida como Maria da Conceição ou "Maria Degolada", mulher que teve a garganta cortada pelo namorado, um oficial da Brigada Militar, em 12 de novembro de 1899. Depois que a família colocou uma imagem de Nossa Senhora no local de seu assassinato, começou uma devoção popular em torno da figura de moça, que passou a ser evocada pelos moradores locais e tratada como "santa". O local, onde hoje se encontra a Vila Maria da Conceição no bairro Partenon, tornou-se ponto de peregrinação, e foi inclusive construída uma capela em sua homenagem em meados de 1930-40 onde forma colocadas placas de agradecimentos e objetos pessoais por supostas curas. Mas a pergunta que se levanta aí é: qual é o estado espiritual de Maria? Como não temos este conhecimento não sabemos se é seguro ou não invoca-la como santa. Ademais, a Bíblia proíbe a evocação dos mortos em diversas passagens do Antigo Testamento, e Jesus pede que as pessoas deixaem os mortos em paz (Mateus 8, 21). Segundo o Catecismo da Igreja Católica, o purgatório é um estado de alma e nele não sabemos em que condição a pessoa falecida está. Por ter proibição divina, a evocação dos mortos leva-nos a compreender que tal ato torna Deus ausente e, portanto, passível de ser manipulado pelas forças do Mal. Salvo alguma evidência pessoal ou devoção popular que seja devidamente aprovada (ou permitida) pela Igreja, todo o cuidado é pouco.

Por isto mesmo, depois de beata, agora podemos invocar, com plena segurança e profunda devoção, uma mulher que desde seu período de vida já era vista como santa por suas obras e seu legado. Quando alguém deixa em vida evidências de que Deus agiu através de si, não é difícil perceber que esta é uma via segura para chegarmos a Ele. E basta a Igreja abrir os olhos, "oficialmente" falando, para confirmar o que já sabíamos.

Santa Madre Teresa de Calcutá, rogai por nós!

Esquerdistas, comunistas e pouco democratas: a narrativa do "golpe" fora do Brasil

(Glenn Greenwald falando à CNN: suporte à narrativa de "golpe" com a mesma linguagem utilizada pelo PT. As legendas em português são do vídeo da internet do qual a imagem foi reproduzida.)

Volta e meia eu leio no Facebook que tal jornal ou tal governo estrangeiro condenou o "golpe" no Brasil. Mas a questão central é: qual jornal e qual governo estrangeiro.

A CNN fez uma longa entrevista com Glenn Greenwald, um premiado jornalista. Quando vi a entrevista sobre o impeachment estranhei que ele utilizava exatamente na mesma linguagem do PT. Fui dar uma rápida investigada e descobri que Greenwald tem um marido brasileiro militante do PSOL. Nesta eleição David Miranda é candidato à vereador pelo Rio de Janeiro. Isto não prova a posição de Greenwald, mas não parece coincidência.

Noam Chomsky fala por si: ele foi uma das estrelas do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Para ele Dilma sofria impeachment (a declaração foi em 17 de maio, pouco depois da presidente ter sido afastada) por uma "gangue de ladrões" implicados em muitos escândalos de corrupção, e que os eventuais erros de Dilma "certamente não justificam o impeachment". Conclui-se, portanto, que seu impedimento é ilegal.

(Sede do The New York Times, em Nova Iorque: imprensa de esquerda no meio americano.)

The New York Times é um dos jornais mais esquerdistas dos EUA e reconhecido pela opinião pública americana como notório aliado do Partido Democrata. O jornal não chega a falar em "golpe", mas joga a culpa da crise política mais sobre a Câmara dos Deputados do que sobre o governo petista. Foram divulgados editoriais sobre o tema nos dias 20 de março ,19 abril, 12 de maio, 6 de junho, 17 de agosto e 31 de agosto, respectivamente após a grande manifestação de março, a votação da Câmara, a suspensão do mandato de Dilma, o início do governo Temer, a manifestação de agosto e o impeachment. Com exceção do primeiro editorial, a sequência dos demais apresenta o seguinte conteúdo: Dilma não cometeu crimes para sofrer impeachment; sua punição é desproporcional aos erros que cometeu; os que realizaram o impeachment (e grande parte da classe política) estão envolvidos em escândalos de corrupção piores do que a presidente; estes mesmos políticos estão se aproveitando da situação para tira-la do poder e estancar a Operação Lava-Jato; e o regime democrático do Brasil está em risco. O editorial de 17 de agosto é enfático: "as investigações não encontraram evidência de ações ilegais por sua parte [de Dilma]. E enquanto sem dúvida ela é responsável pelas políticas e muito pela má administração que levaram à queda da economia do Brasil, estas não são ofensas passíveis de impeachment." Para The New York Times, o processo "não é tecnicamente um golpe", como diz o último editorial, mas na prática é isto mesmo o que aconteceu. Suas posições foram um deleite do jornal eletrônico de esquerda 247 que destacou diversas vezes a posição de seus colegas nova-iorquinos.

(Atores do filme "Aquarius" protestando em 17 de maio no Festival Cannes: tentativa de propagar a narrativa de que havia um "golpe" em curso no Brasil.)

Le Monde, jornal francês de posição de esquerda, deu espaço para um manifesto redigido por senadores e alguns deputados, a maioria pertencente ao Grupo Comunista, Republicano, Cidadão (CRC), em que dizem que Dilma é vítima de um "golpe baixo parlamentar" e condenam o governo Temer como sem legitimidade e "composto exclusivamente por homens, sem nenhuma representação da diversidade que compõe a sociedade brasileira". O manifesto exalta o governo petista e mente ao dizer que Temer acabou com os programas sociais.

The Guardian é o jornal mais de esquerda dos grandes veículos do Reino Unido, como mostram as pesquisas de opinião sobre a posição política de seus leitores. Dentre colunas sobre o impeachmnt da Dilma, uma delas foi escrita por ninguém menos do que David Miranda, o marido de Greenwald, que acusa a mídia (leia-se Rede Globo) e a elite brasileira de induzirem a população a rejeitar a presidente e utilizar a corrupção como pretexto para tirá-la do poder. Noutra coluna, Paulo Pinheiro, ex-membro da Comissão Nacional da Verdade em 2012-2014 no governo Dilma (que investigava apenas os crimes cometidos pelo regime militar e ignorava o dos terroristas de esquerda), diz que uma elite "ultraconservadora e corrupta" chegou ao seu objetivo, que é a hegemonia política no Brasil. Acompanhando os colunistas do Guardian temos a impressão de que no Brasil ocorreu mais do que um "golpe", mas uma feroz luta de classes contra uma presidente "vítima" de suas realizações.

(Vladimir Putin com a agora ex-presidente Dilma: além da aliança pelo BRICS e defesa da mídia russa, o governo Dilma era apoiado por partidos de esquerda com vínculos diretos com o Kremlin.)

Na Rússia toda a imprensa fala em "golpe", e também dispensa comentários devido ao seu comprometimento com a linha do Kremlin. O canal Russia Today diz que não havia justificativa para o impeachment, a opinião pública fora manipulada e que os EUA poderiam estar por trás do "golpe", sendo Temer um suposto "informante" de Washington. Russia Beyound the Headlines disse ainda em maio, quando Dilma foi removida do cargo, que este ato, mesmo que "controverso", era um "golpe" condenado por vários países latino-americanos (aliados do PT). A agência Sputnik, claramente alinhada com a ideologia eurasiana, chama o impeachment de "golpe" e diz também que os EUA influenciaram o processo enviando em abril documentos sobre a Petrobrás a deputados de "extrema-direita", e estes atuaram no comitê do Congresso Nacional que aprovou o andamento do impeachment.

Li também no Facebook um comentário de que o Parlamento Europeu fez uma moção contra o "golpe" no Brasil. Mentira. Quem fez foi a coalização de extrema-esquerda GUE/NGL composta por partidos comunistas e esquerdistas, muitos deles vinculados à rede de contatos que a Rússia espalhou pela Europa. Dentre estes estão Sinn Féin da Irlanda, que atuou na luta armada na Irlanda do Norte, o recém fundado Podemos da Espanha e o Syriza na Grécia, este último firme aliado de Putin (pretendo escrever sobre isso com mais detalhes no meu blog "A Rússia e o mundo").

Já a denúncia do "golpe" por parte de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua não é necessário comentar. Todos já sabem quem são os governos destes países.

Quem fala em "golpe" fora do Brasil, ou é esquerdista, ou comunista, ou não é exatamente um exemplo de democrata.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A pesca do dia 11 de fevereiro de 2013

(Somos pescados por Deus para sermos pescadores de homens.)

Eu estava de férias na praia de Xangrilá, litoral norte do Rio Grande do Sul, na sexta-feira 11 de fevereiro de 2013. Ao me levantar da cama pela manhã dei de cara com a televisão ligada enquanto era apresentada a notícia de que o então Papa Bento XVI anunciou que renunciaria ao cargo no dia 28 daquele mês. Foi uma enorme surpresa. Não tardei a pensar que havia mão do inimigo nesta história dada a firmeza com que o Papa dirigia a Igreja.

De qualquer forma minha vida não foi abalada imediatamente pela notícia. Apenas mantive o sentimento de surpresa por algumas horas, mas pensava no assunto. Sou católico, e o Papa é como um pai, o guia da Igreja Católica por herança histórica vinda diretamente de Pedro e, deste, de Jesus Cristo. Jesus é o fundador da Igreja também em seu sentido histórico, e os papas são delegados diretamente por Ele para guiar Sua Igreja.

Acontece que nesta época eu tinha dúvida vocacional. Não sabia se meu caminho era o matrimônio, a vida leiga ou religiosa, e caso fosse vida religiosa provavelmente seria monge. Eu fazia perguntas demais, e na ânsia por respostas acabava por não ouvir os sinais de Deus. Tem gente que reza, reza e reza, mas de tanto tagarelar interiormente fica surdo à resposta que Ele nos dá.

(Igreja São Pedro, em Xangrilá, local onde ouvi o Evangelho: oração, calor e muitas dúvidas.)

Neste dia fiz a oração do terço pedindo à Nossa Senhora uma resposta à minha vocação. Sentia-me pressionado pela própria dúvida e a questão não saía da minha cabeça. Mais tarde fui à missa na única igreja de Xangrilá, a São Pedro, em frente à praça central da cidade Qual a minha surpresa quando foi lido o Evangelho do dia. Era o mesmo Evangelho deste 1° de setembro de 2016: a passagem em Lucas, capítulo 5, versículos de 1-11:

"Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se a seu redor para ouvir a palavra de Deus. Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes. Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões. Quando acabou de falar, disse a Simão: 'Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca'. Simão respondeu: 'Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes'. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem. Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: 'Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!' É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e João, filhos de Zebedeu, que se eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: 'Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens'. Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus."

(Representação do convite de Jesus à Pedro: "Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens.")

Desnecessário dizer o que pensei deste trecho: Jesus Cristo em pessoa fazendo um milagre na frente de Simão (o Pedro), este reconhecendo a divindade de Jesus e sua pequenez, e Jesus convidando Simão para seguir-lhe e passar a anunciar a Boa Nova à humanidade. Simão, sem exitar, larga tudo e O segue. Tiago e João fazem o mesmo. Os três viraram apóstolos, e Pedro foi o primeiro papa da Igreja Católica, cuja herança Bento XVI havia abdicado pelo bem da Igreja. Toda história ouvida atentamente dentro da igreja que leva  nome do primeiro papa.

(Mosteiro de Nossa Senhora de Nazaré em Rio Pardo, RS, que visitei mais de dois anos depois em 9 e 10 de julho de 2015. Não era meu caminho.)

A resposta era clara: eu necessitava largar tudo e seguir Jesus. Mas como? Acontece que "largar tudo" não é necessariamente deixar tudo para trás, literalmente. É desapegar, fazer com que tudo seja menos importante do que o próprio Jesus, colocar as coisas (bens, pessoas, ideias, planos de vida, relacionamentos, emprego, memórias) num plano inferior quando confrontados com Sua pessoa. É, em última instância, cumprir o Primeiro Mandamento, independente da vocação. 

Obviamente, confuso que eu estava naquele ano e incapaz de silenciar minha vida interior para ouvir a Deus, senti-me pressionado a, sim, largar tudo e entrar para a vida religiosa, monástica de preferência. E provavelmente por alguma influência demoníaca entrava em confusões mentais e sentimentais que resultavam na supressão da capacidade de me ouvir e ouvir a Deus. Quanto mais repressão interior menos luz divina para iluminar a dúvida, menos Deus nas minhas decisões, mais confusão e melhor para o inimigo.

Mas como disse, abandonar tudo por Jesus não é necessariamente abandonar todas as coisas, literalmente, salvo situações muito específicas. Abandonar tudo é colocar as coisas abaixo Dele e Nele: é Ele quem cuida das nossas coisas, história, planos, família. É Ele a nossa barca, o depositário de todas os nossos bens, memórias, sentimentos, pessoas, guia do nosso rumo. Talvez eu tivesse que, realmente, abandonar tudo, deixar tudo para trás. Mas não era o caso, e hoje eu sei que não é.

(Bento XVI como Papa Emérito: título recebido depois do majestoso e humilde gesto consumado em 28 de fevereiro de 2013.) 

Na primeira homilia após anunciar sua renúncia, Bento XVI disse que abandonava a barca (referindo-se ao papado) porque a barca não era sua. Era de Deus. Ele abdicava do trono de Pedro porque sabia que o trono não era dele. Meses depois vi o real significado de sua renúncia: o Papa mostrava que Jesus Cristo estava em primeiro lugar para ele de tal forma que até mesmo a liderança da Igreja ele deveria abandonar caso fosse necessário. Bento XVI realizou aos olhos do mundo inteiro o que o Evangelho de Lucas pedia.

Poucas vezes na minha vida vi um testemunho tão eloquente da fé cristã. Bento XVI foi, para mim, o grande exemplo na época de minha dúvida vocacional: a chave está na entrega, no abandono de todas as coisas em Deus. Ele faz o resto. 

Com o tempo aprendi que eu estava sendo pescado por Deus através do exemplo de Bento. E também aprendi, mais recentemente, que a pesca que devo realizar é no mundo dentre as pessoas com as quais eu sempre vivi. Jesus me chamou naquele dia quanto em tantas outras vezes. Quer a mim pelas ruas.