sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A unidade dos cristãos na mensagem de Fátima

Há um plano divino da unidade cristã na mensagem de Fátima que uniria católicos, ortodoxos e protestantes numa só Igreja como no primeiro milênio.

Com relação ao cristão ortodoxos, sua unidade com a Igreja Católica é evidente quando Nossa Senhora pede a consagração da Rússia, especificada à beata Irmã Lúcia em 1929, pois este ato traria sua conversão e consequente união com o catolicismo.

Importante notar que os insistem na consagração da Rússia não mencionam a consequência de sua conversão. E como os ortodoxos russos compreendem mais ou menos metade dos ortodoxos do mundo inteiro (algo em torno de 220 milhões de pessoas) e sua igreja é a mais influente dos cristãos orientais, podemos considerar que sua conversão traria um efeito além das fronteiras canônicas da Rússia.
Mas, e os protestantes? Como a mensagem aponta para a unidade destes com a Igreja Católica? A reposta pode estar na comunhão reparadora dos cinco sábados revelada à Irmã Lúcia em 1925.

A existência de cinco sábados, e não quatro ou seis, possui uma motivo. Lúcia foi questionada por seu confessor do por que deste número e obteve a resposta do próprio Jesus, na noite de 29 para 30 de maio de 1930, enquanto estava em oração.

Cada um dos sábados corresponde a uma ofensa específica contra Nossa Senhora; são ofensas e blasfêmias cometidas contra seu Imaculado Coração, pelo qual o próprio Filho veio esclarecer. São elas:

1) blasfêmias contra a Imaculada Conceição;
2) blasfêmias contra sua virgindade;
3) blasfêmias contra sua Maternidade Divina, recusando, ao mesmo tempo, a recebê-La como Mãe dos homens;
4) a infusão, publicamente, nos corações das crianças a indiferença, o desprezo e até o ódio para com a Imaculada Mãe;
5) os ultrajes cometidos diretamente nas suas sagradas imagens.

Nota-se que as três primeiras ofensas são cometidas pelos protestantes, pois estão relacionadas às questões doutrinais e teológicas abertamente contrárias à Igreja Católica adotadas por suas igrejas. As duas últimas ofensas são consequência das três primeiras, pois a rejeição à pessoa de Nossa Senhora e os atentados às suas imagens não seriam possíveis sem os três primeiros pontos.
Obviamente, não cabe acusar todos os protestantes de tais ofensas, e sim destacar que há uma cultura protestante que nega a dignidade de Maria enquanto Nossa Senhora, e que esta cultura brotou da Reforma Protestante de 1517, a maior fratura da Igreja desde o Grande Cisma de 1054. Ademais, como vemos em situação crescente, tais ofensas são cometidas abertamente também por movimentos de extrema-esquerda e extremistas islâmicos.

A comunhão reparadora afeta diretamente os mais graves pontos de discórdia entre católicos e protestantes. Nada do que ocorre no mundo espiritual vem sem consequências práticas, portanto, este ato de reparação significa uma libertação espiritual das consequências das ofensas cometidas e a eliminação do obstáculo de discórdia originado na Reforma.

O mesmo efeito podemos esperar da consagração da Rússia, consagração, portanto, da maior parte do povo ortodoxo, sanando as discórdias teológicas, doutrinas e históricas que resultaram no Cisma de 1054, que separou em definitivo, depois de séculos de tensão, as porções ocidental e oriental da cristandade.

Assim, a consagração da Rússia e a comunhão reparadora, pilares da mensagem de Fátima, prometem uma libertação espiritual vasta e muito profunda de grande parte da humanidade e tornam possíveis a cicatrização das chagas abertas pelos dois grandes cismas, duas grandes ofensas a Deus e a Nossa Senhora que perpassam séculos e duram até os dias de hoje.

Não é de graça que estes atos de consagração e reparação prometem a salvação de muitas almas e a paz mundial, como fica claro na mensagem de Fátima de 13 de julho de 1917.

Cumprido esses dois pilares pedidos por Nossa Senhora, a unidade cristã sob a guarda da Igreja Católica poderá muito bem ser plena.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

O mundo ideal: da ficção distópica à realidade

(O personagem Forbin do filme Colossus.)

          O filme Colossus: The Forbin Project, de 1970, baseado no livro de mesmo nome do escritor Dennis F. Jones, narra a história da criação de um supercomputador com o objetivo de garantir a segurança do arsenal nuclear dos EUA e seus aliados.

          No desenrolar do enredo, a máquina, apelidada de Colossus, começa a tomar decisões próprias, se conecta ao sistema de mísseis da União Soviética (era então o auge da Guerra Fria nos tempos de Kruschev) e passa a fazer chantagem nuclear contra toda a humanidade, impondo uma tirania planetária baseada em decisões puramente técnicas para eliminar todos os problemas humanos e prevenir as guerras.

          Obviamente, máquinas não tomam decisões e, por definição, sua inteligência é inferior daquele que o criou. A máquina do filme termina por exigir que seu criador o ame, como se pudesse reconhecer tal atitude, exigência a qual só poderia vir de seu criador e não da máquina mesma.

          A ficção científica está repleta de distopias onde as máquinas, ou o mundo tecnologicamente avançado, dominam todas as pessoas e impõem regras absurdas contrárias à natureza humana.

          Herbert G. Wells foi um dos pioneiros do gênero quando lançou A Máquina do Tempo, em 1895, a primeira de suas obras. Nela, o personagem principal, Viajante do Tempo, viaja oitocentos mil anos no futuro, onde descobre uma humanidade que evoluíra para dois tipos distintos: humanos puros e frágeis que viviam de forma simples e idílica na superfície terrestre, e humanos brutos e violentos e que levavam uma vida de constante trabalho industrial no subterrâneo. A humanidade havia evoluído conforme as distinções de classe, com os ricos no aparente paraíso e os pobres subjugados à escuridão. 

          O clássico refletia a posição política do autor. Wells era uma socialista convicto que via na desigualdade de classe um mal em si e nas regras sociais um empecilho para a liberdade humana. Encarnava o progressista dos dias de hoje.

          A visão futurista do escritor inglês era de uma sociedade altamente avançada e tecnicamente controlada, como apresentou na obra The Shape of Things to Come, de 1936, com um mundo governado por uma ditadura benevolente. Seria esta a forma de permitir que a humanidade evoluísse sem degenerar para a divisão e a autodestruição.

          Esta era a autoimagem do regime soviético, admirado por Wells que, consciente ou não dos horrores da tirania e da agressiva engenharia social comunista, teve encontros pessoais com Lênin e Stálin, dois obcecados pela modernização dirigida da sociedade.

          A literatura de ficção e a tão aclamada "experiência" socialista deram ao mundo o imaginário do futuro ideal e prepararam as pessoas para os acontecimentos de hoje. 

          Ainda que o cinema hollywoodiano exagere nos avanços tecnológicos de seus filmes, como nas máquinas vivas de O Exterminador do Futuro ou nas sociedades exageradamente avançadas num curto espaço de tempo como Blade Runner, o importante é notar como esta projeção de uma realidade futura se encrustou no imaginário popular. 

          Se há algo que as pessoas esperam do futuro é o avanço da ciência e da tecnologia, fórmula fornecida pela ficção acessível a todos, mas controlada por poucos.

          Saltando no tempo, este é o ponto central da tensão deste início de 2021, que começou não menos turbulento do que o ano anterior, com uma briga política em torno da internet e que há anos vem tomando as ruas. 

          O mundo materialmente integrado e tecnologicamente avançado está chegando aos poucos. Quem decide sobre seus rumos, porém, não está nas ruas nem compartilha dos anseios e necessidades da população, mas vive em condição inacessível financeira e politicamente, acima até mesmo do presidente dos EUA, se não impotente, pelo menos silenciado por aqueles que sonham com a sociedade administrada em escala mundial.

          Na medida em que a ficção vai virando realidade, os metacapitalistas vão impondo o mundo por eles imaginado primeiro através do controle da linguagem, depois pela direção política dos acontecimentos até, se possível, chegar à fusão dos poderes econômico, político e militar.

          E iniciar o controle pelo domínio da linguagem e o silenciamento de vozes tem uma razão de ser: não é possível dominar aquilo que não podemos expressar. Uma pessoa incapaz de externar sua vida interior acaba por perder o controle sobre si mesma, pois é incapaz de dar forma e, portanto, definir e enxergar o que lhe aflige. Isto também pode ser aplicado em escala coletiva, como está acontecendo hoje com o abuso do termo "ciência" e o silenciamento de tudo o que pode ser classificado como "ódio". 

          O novo mundo que se ergue é, diferente da fantasia de Wells, pouco benevolente; diferente da tirania soviética, explicitamente menos agressivo; mas como ambos, igualmente controlador, repressor e dirigido por uma elite iluminada que afirma fazer o bem por você.

          Espero apenas que um texto insignificante como este não seja banido do novo mundo por "discurso de ódio".

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

A profecia de Mário Ferreira dos Santos


          Na obra A Invasão Vertical dos Bárbaros (É Realizações, 2012), o filósofo Mário Ferreira dos Santos faz uma série de denúncias de barbarização da cultura: o que não presta, o que é mesquinho, baixo e secundário foi elevado à condição de alta cultura, de valores e princípios norteadores da civilização, enquanto que seus reais fundamentos são rebaixados à condição de dispensáveis e ou são mesmo censurados.

          Na segunda parte do livro, o autor relaciona a ascensão dos bárbaros com corrupção da inteligência, cujo efeito mais profundo e deletério é justamente o abandono dos princípios e juízos universalmente válidos e sua substituição por ideias questionáveis, que mudam ao sabor do tempo e dos desejos da elite cultural. 

          O conhecimento depende um fundamento seguro. "O que é exigível no verdadeiro filosofar", afirma, "é a demonstração apodítica, aquela que não admite a possibilidade de erros, pois os juízos são universalmente válidos" (p. 92). Em outras palavras, a Filosofia, que, junto com a Teologia, constitui a ciência mais elevada do pensamento humano, deve se fundamentar em pressupostos que sejam inquestionáveis e aceitos por toda a plêiade de intelectuais, pensadores, artistas e formadores de opinião. O mesmo é válido para os princípios advindo das tradições religiosas.

          Caso as premissas não sejam apodíticas (irrefutáveis), temos a confusão, fruto de um erro que desemboca em relativismo e que retroalimenta esta mesma confusão. Este é o fundamento das filosofias que circulam entre os intelectuais de hoje, aos quais Mário chama de "sábios". Substantivo este, penso, que mereceria muitas aspas.

          Sobre os sábios, Mário afirma:

"...embora muitos não creiam nisso, o sábio formará, com o tempo, uma casta, incluindo nela, também, os técnicos, e formarão uma espécie de aristocracia do amanhã, que não demorará muito para tomar o poder econômico, depois aspirará o poder político, e terminará por obtê-lo" (p. 96)

          Hoje, somos formados, orientados e governados pelos sábios que, abdicando dos princípios universais, elegem suas especialidades, suas posições particulares e relativas, como horizonte da cultura universal. Afirmam que não é possível saber a verdade e, julgando toda a humanidade por sua régua, que ninguém pode conhecê-la. Desta forma, impedem o engrandecimento da inteligência, fecham "as portas por onde os jovens, que serão os cientistas e técnicos de amanhã, poderiam enveredar e encontrar apoio sólido para seus estudos" (p. 98).

          No capítulo "Barbarização da ciência e da técnica", Mário Ferreira dos Santos resume as consequências concretas desta decadência cultural num mundo cientificamente avançado.

          Primeiro, começa apontando a estreiteza e a relativista visão de mundo dos especialistas.

"Consequências que podem surgir do que acima dissemos, ao se desligar, como se fez, o cientista da filosofia perene [válida para todas as épocas], o sábio, graças a esse desvinculamento, pensando que filosofia é essa mixórdia que se apresenta por aí, despreza-a totalmente e, entregue apenas à aridez da sua especialidade, desligado da universalidade, poderá tornar-se um monstro que vê tudo segundo a cor de sua proveta, e dentro do campo estreito que lhe permite ver a sua viseira. E então será ele um candidato nato ao barbarismo. Imaginai todo o poder da ciência e da técnica atual em mãos de bárbaros. Não é preciso muito esforço para conceber o que de terrível se passaria sobre o mundo. Não é exigível uma imaginação fértil demais para conceber o que seria de nós se dependêssemos de meros especialistas, que nada entendem do que estiver fora de sua especialidade, pois só a filosofia pode tratar desses princípios e, por isso mesmo, nem a sua especialidade conhecem bem. (grifo do autor)

          Na sequência, mostra as consequências desta aliança entre barbárie e técnica sobre a vida das pessoas:

Todos esses seres, estranhos desconhecidos, ignotos, incomunicáveis uns aos outros, servindo a algum césar que deles surja, e que será forçosamente bárbaro, nos transformariam em cobaias, em tubos de experiência, em coisas numeradas e protocoladas. Que mundo terrível esse! E esse mundo vem aí, senhores, esse mundo se aproxima a passos de gigante. Não é para séculos, é para decênios. E tudo isso não se soube evitar." (grifo meu)

          Fomos devidamente avisados por essas palavras proféticas escritas em 1967. 

         Qualquer semelhança com o mundo atual, e mais especificamente com a crise a qual estamos passando, não é mera coincidência.

          

         

              

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Mimados e violentos

 

(Theodore Dalrymple, pseudônimo do psiquiatra Anthony Malcolm Daniels) 

          Na excelente obra Não com um Estrondo, mas com um Gemido - A política e a cultura do declínio, (É Realizações, 2008), o psiquiatra Theodore Dalrymple traz a análise de uma série de situações que representam muito bem o declínio civilizacional de nossa época, tendo como ponto de partida seu país natal, a Inglaterra.

          No último capítulo da primeira parte do livro, "O casamento da razão e do pesadelo", Dalrymple expõe a perspicaz literatura de seu conterrâneo James Graham Ballard.

          As obras de Ballard são a vitrine dos dilemas existenciais da sociedade moderna, abundante nos meios materiais, mas vazia e tediosa em seu sentido de viver. O tema comum que perpassa todo os seus livros é o efeito sobre a vida do homem quando este fica privado dos sustentáculos da civilização.

          A sociedade moderna, satisfeita com suas realizações mas frustrada com sua incapacidade de recriar as condições que permitiram uma enorme prosperidade, e profundamente tediosa por não ter um novo rumo pelo qual seguir, desemboca na busca por novas emoções como o uso das drogas e do álcool, a libertinagem, a violência, o crime e o ativismo político e social muitas vezes agressivo.

          Dalrymple pode ver pessoalmente a relação entre bem-estar e comportamento violento em sua vivência profissional:

"Quando trabalhei, por breve período, como uma espécie de correspondente de vulgaridades para um jornal britânico - eu era enviado a todos os lugares em que os britânicos se reuniam para se comportar mal -, descobri, para minha surpresa, que em grupo as pessoas de classe média se comportavam com a mesma desinibição ameaçadora dos que lhes eram supostamente inferiores em posição social e educação. Eles xingavam, ofendiam, faziam gestos fascistas e urinavam nas ruas com o mesmo abandono que atribuíam aos proletários. Foi Ballard o primeiro a identificar que a burguesia desejava proletarizar a si própria sem perder os privilégios econômicos e o poder político." (p. 111-112)

          Mais adiante, ele continua seu raciocínio ao tratar de uma das obras de Ballard:  

"Essa me parece ser uma sugestiva metáfora de muito do que vem ocorrendo nas últimas quatro décadas, não somente na Inglaterra (...), mas também em outras partes da sociedade ocidental. Nós nos entediamos com aquilo que nos foi legado - com aquilo que, por pura falta de talento, demos uma contribuição humilhantemente parca. Ballard compreende, satirizando-o em Terroristas do Milênio, o porquê de as pessoas educadas, assombradas pela falta de sentido de sua vida, sentirem a necessidade de protestar." (p. 112) 

          Lida esta última passagem, não pude deixar de lembrar toda a sorte de protestos que pululam por todo o planeta. Desde meados de 2010, é justamente nos países mais ricos onde ocorre grande parte deles reivindicando toda a sorte de exigências materiais, privilégios políticos e até mesmo controle dos fenômenos naturais (pensemos, por exemplo, na atual convulsão no Chile, nos protestos "antirracistas" nos EUA e na exigência dos manifestantes para que o governo do Reino Unido decrete emergência climática).

        É também inevitável a lembrança de obras como A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset, com a figura arrogante do senhorzinho satisfeito, e A Invasão Vertical dos Bárbaros, de Mário Ferreira dos Santos, com a elevação da cultura bárbara do materialismo, da força e da repetição, entre outras coisas, como exemplo das maiores realizações civilizacionais. Ambas as obras confluem para formar o protótipo do cidadão moderno idealizado nas democracias ocidentais.

          A observação de Dalrymple, vivida in loco, mostra que o enriquecimento em massa de uma sociedade pode perfeitamente desembocar no mais vil barbarismo se, obviamente, este processo não vier acompanhado com o sustentáculos civilizacionais que permitiram seu surgimento.

          Vivemos numa época em que nunca houve tantos recursos, riquezas e meios de expressão, e justamente neste período nunca vimos tantos movimentos de massa tomarem as ruas do mundo todo ao mesmo tempo com as mais variadas e mesmo descabidas exigências, como se a ação de grupos de pressão pudesse transformar magicamente a estrutura social e, por que não, o meio ambiente!

          É verdade que ainda há muito a ser feito para o bem-estar geral. Mas, ao invés de honrarmos o que legamos pelo enorme esforço dos antepassados, estamos botando a baixo os fundamentos que permitiram a riqueza e o bem-estar disponível. 

          A massa de mimados, quanto mais mimada, mais exige e mais está disposta e destruir tudo por aquilo que deseja ou acha que deseja. Pois ao desejarem mais prosperidade e segurança material esperam resolver o drama existencial típico da sociedade moderna: o vazio e o tédio que esta mesma prosperidade e segurança jamais poderão sanar.