sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O perdão em "Humilhados e Ofendidos"

(Natacha e Vânia representados em filme russo de mesmo nome, 1991)

          Pouco posso dizer sobre a obra "Humilhados e Ofendidos", de Dostoiévski, de leitura recém encerrada. O livro foi publicado em 1861, sendo o primeiro do autor após dez anos de exílio na Sibéria, de onde voltara dois anos antes.

          Certamente, esta não é sua obra mais elaborada nem está entre as mais conhecidas. É no livro seguinte, "Crime e Castigo", que o escritor mostra sua grandeza, e que é, no meu entender, a mais representativa na apresentação dos dilemas morais, da trama psicológica e do drama existencial do homem, ali expostos de forma bastante clara e elaborada, servindo de referência para outras leituras.  

          Ainda assim, Dostoiévski expõe os dramas e contradições da vida em "Humilhados e Ofendidos", mesmo que de forma menos profunda.

          O tema em questão aqui é o perdão. A dificuldade de perdoar é a tônica deste livro que, como o título já diz, apresenta o sofrimento causado pelas injustiças e a recusa por parte dos injustiçados de se desprenderem do ódio e do rancor.

          O enredo é narrado em primeira pessoa por Ivan Petróvich, o Vânia, que vai desenrolando suas memórias passadas ao fim da vida. E na medida em que a trama se revela, junto vêm os sofrimentos dos personagens que, aferrados ao orgulho, nunca ou raramente se dispõe a perdoar.

           É assim com Nikolai Serguêievicth, pai de Natacha, que se ressente da filha que abandona a família para se casar com o impulsivo e ingênuo Aliócha, filho do príncipe Piotr Aleksándrovitch. Este último um homem mau-caráter cheio de amor-próprio capaz de destruir vidas unicamente pela preservação de seu status e por vantagens financeiras.

          De outro lado, Vânia conhece inesperadamente Nelli, cujo nome verdadeiro é Elisa, e seu avô Jeremias Smith. Aos poucos, a trama revela a vida da falecida mãe de Nelli, o rancor persistente na família da garota, sua misteriosa doença e o vínculo do príncipe com a sofrida teia de relações mal resolvidas.

          Importante notar como estes personagens são direta ou indiretamente afetados pelo problema do perdão, que só a muito custo vem à tona, e a capacidade que corações puros e sofridos têm de romper as correntes que amarram pessoas embrutecidas pela dor.

          Nas obras "Crime e Castigo" e "Os Irmãos Karamázov", Dostoiévski mergulha mais fundo na tensão entre o rancor e a libertação advinda do perdão, e como este ato leva a uma radical mudança de vida e à redenção da alma humana.

          "Humilhados e Ofendidos" é o retrato da miséria causada pela falta de perdão, que arrasta não só os personagens obstinados no erro como afeta diretamente os mais íntimos, causando sofrimentos desnecessários e impedindo a realização de planos de vida, como ocorre com os personagens mencionados. 

           Assim, Dostoiévski revela a capacidade da literatura de lançar luz sobre problemas que de outra forma não seriam visíveis aos nossos olhos, pois tentar entender a trama do sofrimento através de uma realidade possível pode calar muito mais fundo do que simplesmente o ouvir falar.

          O que ouvimos podemos nem mesmo entender e simplesmente esquecer, mas o que nos esforçamos para assimilar se instala na alma de forma muito mais consistente. E Dostoiévski é um gênio na capacidade de abrir nossos olhos.          

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