sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A pesca do dia 11 de fevereiro de 2013

(Somos pescados por Deus para sermos pescadores de homens.)

Eu estava de férias na praia de Xangrilá, litoral norte do Rio Grande do Sul, na sexta-feira 11 de fevereiro de 2013. Ao me levantar da cama pela manhã dei de cara com a televisão ligada enquanto era apresentada a notícia de que o então Papa Bento XVI anunciou que renunciaria ao cargo no dia 28 daquele mês. Foi uma enorme surpresa. Não tardei a pensar que havia mão do inimigo nesta história dada a firmeza com que o Papa dirigia a Igreja.

De qualquer forma minha vida não foi abalada imediatamente pela notícia. Apenas mantive o sentimento de surpresa por algumas horas, mas pensava no assunto. Sou católico, e o Papa é como um pai, o guia da Igreja Católica por herança histórica vinda diretamente de Pedro e, deste, de Jesus Cristo. Jesus é o fundador da Igreja também em seu sentido histórico, e os papas são delegados diretamente por Ele para guiar Sua Igreja.

Acontece que nesta época eu tinha dúvida vocacional. Não sabia se meu caminho era o matrimônio, a vida leiga ou religiosa, e caso fosse vida religiosa provavelmente seria monge. Eu fazia perguntas demais, e na ânsia por respostas acabava por não ouvir os sinais de Deus. Tem gente que reza, reza e reza, mas de tanto tagarelar interiormente fica surdo à resposta que Ele nos dá.

(Igreja São Pedro, em Xangrilá, local onde ouvi o Evangelho: oração, calor e muitas dúvidas.)

Neste dia fiz a oração do terço pedindo à Nossa Senhora uma resposta à minha vocação. Sentia-me pressionado pela própria dúvida e a questão não saía da minha cabeça. Mais tarde fui à missa na única igreja de Xangrilá, a São Pedro, em frente à praça central da cidade Qual a minha surpresa quando foi lido o Evangelho do dia. Era o mesmo Evangelho deste 1° de setembro de 2016: a passagem em Lucas, capítulo 5, versículos de 1-11:

"Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se a seu redor para ouvir a palavra de Deus. Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes. Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões. Quando acabou de falar, disse a Simão: 'Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca'. Simão respondeu: 'Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes'. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem. Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: 'Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!' É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e João, filhos de Zebedeu, que se eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: 'Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens'. Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus."

(Representação do convite de Jesus à Pedro: "Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens.")

Desnecessário dizer o que pensei deste trecho: Jesus Cristo em pessoa fazendo um milagre na frente de Simão (o Pedro), este reconhecendo a divindade de Jesus e sua pequenez, e Jesus convidando Simão para seguir-lhe e passar a anunciar a Boa Nova à humanidade. Simão, sem exitar, larga tudo e O segue. Tiago e João fazem o mesmo. Os três viraram apóstolos, e Pedro foi o primeiro papa da Igreja Católica, cuja herança Bento XVI havia abdicado pelo bem da Igreja. Toda história ouvida atentamente dentro da igreja que leva  nome do primeiro papa.

(Mosteiro de Nossa Senhora de Nazaré em Rio Pardo, RS, que visitei mais de dois anos depois em 9 e 10 de julho de 2015. Não era meu caminho.)

A resposta era clara: eu necessitava largar tudo e seguir Jesus. Mas como? Acontece que "largar tudo" não é necessariamente deixar tudo para trás, literalmente. É desapegar, fazer com que tudo seja menos importante do que o próprio Jesus, colocar as coisas (bens, pessoas, ideias, planos de vida, relacionamentos, emprego, memórias) num plano inferior quando confrontados com Sua pessoa. É, em última instância, cumprir o Primeiro Mandamento, independente da vocação. 

Obviamente, confuso que eu estava naquele ano e incapaz de silenciar minha vida interior para ouvir a Deus, senti-me pressionado a, sim, largar tudo e entrar para a vida religiosa, monástica de preferência. E provavelmente por alguma influência demoníaca entrava em confusões mentais e sentimentais que resultavam na supressão da capacidade de me ouvir e ouvir a Deus. Quanto mais repressão interior menos luz divina para iluminar a dúvida, menos Deus nas minhas decisões, mais confusão e melhor para o inimigo.

Mas como disse, abandonar tudo por Jesus não é necessariamente abandonar todas as coisas, literalmente, salvo situações muito específicas. Abandonar tudo é colocar as coisas abaixo Dele e Nele: é Ele quem cuida das nossas coisas, história, planos, família. É Ele a nossa barca, o depositário de todas os nossos bens, memórias, sentimentos, pessoas, guia do nosso rumo. Talvez eu tivesse que, realmente, abandonar tudo, deixar tudo para trás. Mas não era o caso, e hoje eu sei que não é.

(Bento XVI como Papa Emérito: título recebido depois do majestoso e humilde gesto consumado em 28 de fevereiro de 2013.) 

Na primeira homilia após anunciar sua renúncia, Bento XVI disse que abandonava a barca (referindo-se ao papado) porque a barca não era sua. Era de Deus. Ele abdicava do trono de Pedro porque sabia que o trono não era dele. Meses depois vi o real significado de sua renúncia: o Papa mostrava que Jesus Cristo estava em primeiro lugar para ele de tal forma que até mesmo a liderança da Igreja ele deveria abandonar caso fosse necessário. Bento XVI realizou aos olhos do mundo inteiro o que o Evangelho de Lucas pedia.

Poucas vezes na minha vida vi um testemunho tão eloquente da fé cristã. Bento XVI foi, para mim, o grande exemplo na época de minha dúvida vocacional: a chave está na entrega, no abandono de todas as coisas em Deus. Ele faz o resto. 

Com o tempo aprendi que eu estava sendo pescado por Deus através do exemplo de Bento. E também aprendi, mais recentemente, que a pesca que devo realizar é no mundo dentre as pessoas com as quais eu sempre vivi. Jesus me chamou naquele dia quanto em tantas outras vezes. Quer a mim pelas ruas.

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