sexta-feira, 16 de outubro de 2020

O preço da submissão da Igreja ao Estado

 "Na Rússia, a única acusação real feita por gente religiosa (especialmente católicos romanos) contra a Igreja Ortodoxa não é sua ortodoxia ou heterodoxia, e sim sua dependência abjeta do Estado." (G. K. Chesterton, em "Eugenia e Outras Desgraças", 1922)

Chesterton posicionava-se favorável à retirada do apoio estatal às igrejas, como comenta em "Eugenia e Outras Desgraças", do qual este trecho foi transcrito.
A separação Igreja-Estado é um dogma da modernidade. Seu questionamento é visto como a defesa do contrário, um Estado confessional, como se fosse obrigatório, à alternativa da laicidade, um poder que patrocinasse oficialmente uma fé específica.
A questão é infinitamente mais complicada, porque, historicamente, Estados patrocinaram igrejas, o que levou à divisão dos fiéis e da luta uns contra os outros (a Inglaterra de Henrique VIII é um bom exemplo disso), e a laicidade, vista com um modelo ideal de Estado moderno, é, no seu sentido estrito, impossível.
Pois a laicidade será sempre relativa. Ela pressupõe que a população participe do poder vigente, e parte desta população é religiosa. Ela exige uma conduta "laica" do poder público, mas este poder é composto de pessoas que deveriam, por este ideal, deixar suas crenças em casa. Ela exige a divisão das consciências, o que significa abjurar da consciência religiosa.
O monstro bifronte do Estado laico existe no plano jurídico, mas não pode ser estritamente implementado segundo seu ideal. O Estado laico não é antirreligioso, mas juridicamente neutro às questões religiosas e, por consequência, nivelador do valor que confere aos grupos religiosos. Mas a população não condiz com este padrão, bem com a proporção de grupos religiosos numa sociedade.
Por outro lado, a solução do Estado confessional igualmente não é válida. Na mesma obra, Chesterton comenta a perda da vitalidade da fé nas igrejas que têm apoio oficial.
O caso da Rússia é emblemático, pois no país onde o czar estava acima do patriarca ortodoxo (título banido por Pedro, o Grande), o Patriarcado de Moscou era submetido a um sínodo diretamente controlada pelo Estado.
Quando Chesterton escreveu esta passagem, em 1922, a Igreja Russa estava sob o jugo dos bolcheviques, que estabeleceram controle ainda mais rígido sobre os religiosos, perseguindo e matando quase a totalidade deles na década de 1930.
A "santa" Rússia, que sacralizou o poder político, trouxe o primeiro Estado oficialmente ateu, de um laicismo feroz nunca antes visto. Não por acaso, nos confins de Portugal, Nossa Senhora viria alertar sobre as desgraças que viriam daquelas terras.
Os "erros da Rússia " estavam apenas começando.

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