quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Os bárbaros e a apologia de tudo o que não presta

          Não é preciso ser um gênio, intelectual ou analista para ver o estado das coisas hoje, onde toda e qualquer porcaria, como música e cinema para fins comerciais, programas de baixo nível e ideias malucas, são promovidas como cultura "elevada", algo a ser apreciado pela população, enquanto sua natureza é exatamente o contrário.

          Este é o alerta, a denúncia em forma de manifesto, que o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos apresenta em seu livro A Invasão Vertical dos Bárbaros

          No início da obra, Mário define quem são os bárbaros e esta "invasão vertical". O bárbaro está associado à ideia de estrangeiro, cuja origem remonta ao período do Império Romano. Foram os bárbaros do norte da Europa que ocuparam gradualmente seu território. Sendo o Império a civilização por excelência, o bárbaro era aquele que vinha para ocupar e destruir a civilização. Esta é, portanto, uma invasão horizontal, geográfica.

          Mas há uma invasão vertical: aquela que "penetra pela cultura, solapando seus fundamentos" e promovendo a corrupção desta mesma cultura. O que é baixo, mesquinho, o que não presta é promovido à representação da cultura mesma, dos valores elevados que são fundamento da ordem social e da civilização enquanto, na verdade, é manifestação de sua destruição.

          E qual é a cultura que hoje está em destruição? A cultura cristã ocidental, cuja cosmovisão está centrada na manifestação do cristianismo em suas dimensões espirituais e culturais com todas as consequência daí decorrentes.

          Mário Ferreira dos Santos apresenta uma séria de fenômenos culturais e sociais que denunciam esta decadência cultural promovida pelos bárbaros de hoje, como a valorização da animalidade, a exaltação da força, o culto ao feio, a sobrevalorização do corpo sobre a mente, do visual sobre o auditivo, da força sobre o direito, da sensualidade, dos sentimentos e impulsos primitivos, e assim por diante.

          Mas uma consequência desta invasão é universalmente visível e, portanto, perceptível por todos: a valorização do inferior. 

          Para não deixar dúvidas das consequências e do que significa valorizar tudo o que é inferior, baixo, imbecil e rasteiro, transcrevo aqui um trecho do livro, cujas conclusões são facilmente tiradas pelo leitor.

          A obra foi escrita em 1967, um ano antes de Mário morrer. Se ele já estava horrorizado com as mutações sociais de sua época, imagine o que nosso grande filósofo diria hoje, onde a valorização de tudo o que não presta dominou de forma absoluta a cultura de massa e alijou qualquer menção às coisas elevadas, às bases da civilização.

          Repare que cada comentário, cada linha, cada palavra é muito representativo da realidade do Brasil e, ao que parece, infelizmente, de grande parte do mundo.

          É contra esta decadência geral, esse estrume em massa que Mário se ergue; e é com sua ajuda e a ajuda de Deus que temos de lutar diariamente, através de um esforço intelectual sincero e uma vida espiritual profunda, para preservar o que ainda há de bom em nossa cultura e disseminar seus frutos entre as pessoas.

          A VALORIZAÇÃO DO INFERIOR

          "Há uma valorização desenfreada que se faz na baixa dos valores. Não se trata apenas de uma desenfreada especulação no que é baixo (crime, delinquência, vício, sensualismo excessivo, acentuação das formas viciosas, baixa literatura, supervalorização do herói popular, afagado pelas multidões e recebendo as mais altas pagas, etc), mas, sobretudo, pela inversão que se faz de tais valores, a ponto de ser pretender estabelecer que o mais alto consiste em ser o mais baixo.

          (...)

          Vejamos alguns exemplos. O que, devido à sua fraqueza e à sua ignorância, ou movido pela sua concupiscência, é capaz de realizar um ato de certo vulto passa a merecer um tratamento que eleva e dá a parecer que houve grandeza em sua ação. Por exemplo, a valorização da história de gângsteres, de criminosos vulgares e cruéis, como se isso representasse uma vitória sobre a fraqueza.

          (...)

           A honestidade é vista como algo ridículo, e o homem crédulo, o homem de boa fé, o homem digno, é motivo para programas humorísticos. Grande parte dessas figuras é apresentada como sendo verdadeiros hipócritas, que, na hora precisa, lançam mão do alheio. A intenção é clara: pôr a dúvida sobre a decência, sobre a honestidade, sobre a honra (palavra quase inaudita, menos ouvida hoje do que nunca). Não se respeita mais a honorabilidade de ninguém. Há sempre quem ponha dúvida sobre a decência e, quando alguém pretende apresentar alguém como exemplo de dignidade, o menos que se houve a volta é 'Será? A gente não sabe...' e as reticências ocultam claras intenções. A dúvida é instaurada, e não demora muito que algum mais afoito já diga que ouviu dizer que... e conta, sem assumir responsabilidade, que dizem... 'não sei se é verdade'.

          (...)

          O golpista torpe gosta que se contem casos de grandes golpes de afortunados larápios para justificar ante os filhos a sua vida viciosa. O homem de vida viciosa cita vícios romanos e de todos os povos numa acentuada manifestação de 'cultura histórica' e tem na ponta da língua longas descrições de fatos históricos. O lar, que está às portas de desfazer-se, encontra, nos exemplos dos lares que se desfazem, um apoio: 'este não é o primeiro...'"


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