terça-feira, 12 de janeiro de 2021

O mundo ideal: da ficção distópica à realidade

(O personagem Forbin do filme Colossus.)

          O filme Colossus: The Forbin Project, de 1970, baseado no livro de mesmo nome do escritor Dennis F. Jones, narra a história da criação de um supercomputador com o objetivo de garantir a segurança do arsenal nuclear dos EUA e seus aliados.

          No desenrolar do enredo, a máquina, apelidada de Colossus, começa a tomar decisões próprias, se conecta ao sistema de mísseis da União Soviética (era então o auge da Guerra Fria nos tempos de Kruschev) e passa a fazer chantagem nuclear contra toda a humanidade, impondo uma tirania planetária baseada em decisões puramente técnicas para eliminar todos os problemas humanos e prevenir as guerras.

          Obviamente, máquinas não tomam decisões e, por definição, sua inteligência é inferior daquele que o criou. A máquina do filme termina por exigir que seu criador o ame, como se pudesse reconhecer tal atitude, exigência a qual só poderia vir de seu criador e não da máquina mesma.

          A ficção científica está repleta de distopias onde as máquinas, ou o mundo tecnologicamente avançado, dominam todas as pessoas e impõem regras absurdas contrárias à natureza humana.

          Herbert G. Wells foi um dos pioneiros do gênero quando lançou A Máquina do Tempo, em 1895, a primeira de suas obras. Nela, o personagem principal, Viajante do Tempo, viaja oitocentos mil anos no futuro, onde descobre uma humanidade que evoluíra para dois tipos distintos: humanos puros e frágeis que viviam de forma simples e idílica na superfície terrestre, e humanos brutos e violentos e que levavam uma vida de constante trabalho industrial no subterrâneo. A humanidade havia evoluído conforme as distinções de classe, com os ricos no aparente paraíso e os pobres subjugados à escuridão. 

          O clássico refletia a posição política do autor. Wells era uma socialista convicto que via na desigualdade de classe um mal em si e nas regras sociais um empecilho para a liberdade humana. Encarnava o progressista dos dias de hoje.

          A visão futurista do escritor inglês era de uma sociedade altamente avançada e tecnicamente controlada, como apresentou na obra The Shape of Things to Come, de 1936, com um mundo governado por uma ditadura benevolente. Seria esta a forma de permitir que a humanidade evoluísse sem degenerar para a divisão e a autodestruição.

          Esta era a autoimagem do regime soviético, admirado por Wells que, consciente ou não dos horrores da tirania e da agressiva engenharia social comunista, teve encontros pessoais com Lênin e Stálin, dois obcecados pela modernização dirigida da sociedade.

          A literatura de ficção e a tão aclamada "experiência" socialista deram ao mundo o imaginário do futuro ideal e prepararam as pessoas para os acontecimentos de hoje. 

          Ainda que o cinema hollywoodiano exagere nos avanços tecnológicos de seus filmes, como nas máquinas vivas de O Exterminador do Futuro ou nas sociedades exageradamente avançadas num curto espaço de tempo como Blade Runner, o importante é notar como esta projeção de uma realidade futura se encrustou no imaginário popular. 

          Se há algo que as pessoas esperam do futuro é o avanço da ciência e da tecnologia, fórmula fornecida pela ficção acessível a todos, mas controlada por poucos.

          Saltando no tempo, este é o ponto central da tensão deste início de 2021, que começou não menos turbulento do que o ano anterior, com uma briga política em torno da internet e que há anos vem tomando as ruas. 

          O mundo materialmente integrado e tecnologicamente avançado está chegando aos poucos. Quem decide sobre seus rumos, porém, não está nas ruas nem compartilha dos anseios e necessidades da população, mas vive em condição inacessível financeira e politicamente, acima até mesmo do presidente dos EUA, se não impotente, pelo menos silenciado por aqueles que sonham com a sociedade administrada em escala mundial.

          Na medida em que a ficção vai virando realidade, os metacapitalistas vão impondo o mundo por eles imaginado primeiro através do controle da linguagem, depois pela direção política dos acontecimentos até, se possível, chegar à fusão dos poderes econômico, político e militar.

          E iniciar o controle pelo domínio da linguagem e o silenciamento de vozes tem uma razão de ser: não é possível dominar aquilo que não podemos expressar. Uma pessoa incapaz de externar sua vida interior acaba por perder o controle sobre si mesma, pois é incapaz de dar forma e, portanto, definir e enxergar o que lhe aflige. Isto também pode ser aplicado em escala coletiva, como está acontecendo hoje com o abuso do termo "ciência" e o silenciamento de tudo o que pode ser classificado como "ódio". 

          O novo mundo que se ergue é, diferente da fantasia de Wells, pouco benevolente; diferente da tirania soviética, explicitamente menos agressivo; mas como ambos, igualmente controlador, repressor e dirigido por uma elite iluminada que afirma fazer o bem por você.

          Espero apenas que um texto insignificante como este não seja banido do novo mundo por "discurso de ódio".

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