Todo mundo que passa por um problema sério e aparentemente insolúvel sente a situação como se estivesse fechado num beco sem saída, sem luz no fim do túnel. A atual crise relacionada ao coronavírus, com consequências muito além da própria doença, traz esta mesma dimensão, mesmo que jargões como o "vai passar" seja repetido constantemente, mas que, no fundo, reflete um mero desejo sem causa objetiva que o sustente.
Do túnel escuro surge o ditado popular que diz "a esperança é a última que morre", mesmo que tudo esteja desabando ao redor.
Mas o cético sabe, apesar da esperança, que não há luz em situações aparentemente insolúveis. Na verdade, qualquer pessoa dotada de alguma inteligência advinda das experiências da própria vida sabe disto. Há, portanto, uma dimensão da alma humana que mantém a pessoa viva apesar de todo o ceticismo ou jargão vazio.
Nesta dimensão está a esperança, que se justifica e se resguarda em dois planos: no futuro e no mistério. No primeiro caso, porque o futuro é indeterminado. O momento presente, cuja existência consiste num instante de duração nula, que não pode ser medida, e cuja estrutura consiste numa infinita conjugação de sua carga precedente, ou seja, o passado, é o ponto de partida a partir do qual se abrem todas as possibilidades futuras. Dito de outra forma, o momento presente é resultado de infinitas possibilidades passadas que se fizeram reais e que, portanto, podem se conjugar em infinitas possibilidades futuras a partir de sua carga atual. De forma ainda mais resumida, no futuro qualquer coisa pode acontecer.
Um exemplo simples: há um ano eu estava desempregado. Demoraria menos de dez dias para, de repente, ser chamado para o emprego atual. Havia em mim o desejo, possível pelas circunstâncias da época, de que uma porta se abriria para mim. Mas o processo foi melhor do que o esperado dado que a iniciativa do novo emprego não partiu apenas de minha pessoa, mas de um futuro colega de trabalho. O acontecido poderia ter tido outro rumo caso eu dissesse "não" ou buscasse outra alternativa, ou ainda se desistisse da busca. Tudo poderia acontecer.
O segundo caso, o mistério, é justamente o plano no qual o futuro está em potência, mas que é maior do que o próprio futuro. O mistério consiste numa realidade que é tão grande que não podemos compreende-la por completo, nem mesmo imaginá-la, porque a própria imaginação faz parte de sua dimensão. Nossa limitação no tempo e no espaço limita necessariamente nosso conhecimento. Não podemos conhecer o passado porque lá não estivemos, bem como todo o futuro, porque em algum momento morreremos. O mesmo é válido para a nossa presença física, especialmente limitada.
A limitação do conhecimento é alargada e preenchida pelas tradições religiosas, que nos apresentam uma estrutura coerente do mundo e de sua relação com o para-além. tanto físico quanto não físico. Ou seja, nosso desconhecimento é preenchido pela fé, que não nega, mas amplia e complementa o conhecimento existente. A infinita dimensão do mistério, da mesma proporção daquilo que chamamos de Deus, infinito por definição, nos leva a acreditar que as possibilidades futuras se conjuguem conforme o desejado por um ato de fé; e a fé é precedida pela esperança, uma das virtudes teologais. Esperamos, assim, que do futuro indeterminado consigamos realizar o que buscamos.
Portanto, por mais fundo que seja nosso buraco ou do nosso mundo, em nós vive uma esperança que é ainda mais profunda do que este buraco; e a fé, nosso sustentáculo último, não só abarca a escuridão como a transcende e dá sentido a ela por situá-la e defini-la no plano da totalidade.
Para os doentes, amargurados, pessimistas, deprimidos e desencorajados pela situação do mundo, há a certeza, pelo ato de fé, de que tais situações são transitórias. Este é o único "vai passar" que faz sentido. O resto é propaganda da televisão.
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