As pessoas que se interessam por História já devem ter percebido o quanto o Brasil é ignorado quando se trata de História Geral. Nosso país mal é citado no livros e raramente recebe uma análise mais detalhada.
Um interessante exceção é a obra "Tempos Modernos", do historiador Paul Johnson. A narrativa começa com a observação do eclipse do sol em 29 de maio de 1919 na ilha de Príncipe, no oeste da África, e em Sobral, no Ceará. Esta observação comprovou a Teoria da Relatividade, formulada por Albert Einstein catorze anos antes.
Mas o que chama a atenção na obra não é o papel do Brasil no século XX, e sim seu início, que começa com um capítulo de nome muito sugestivo: "Um mundo relativista".
Esta é a característica fundamental do século XX para Johnson: a propagação de uma mentalidade relativista que tornaria possível a ascensão de tiranos e genocidas como Lênin, Hitler e Stálin, que concebiam o mundo como algo plástico aos seus desejos e ideologias.
Como lembra Hannah Arendt, ao analisar o fenômeno do totalitarismo, as revoluções só eram possíveis com a destruição dos valores precedentes. Não é possível instaurar uma nova ordem sem antes demolir a anterior abrindo espaço aos planos dos tiranos.
Sobre a demolição das bases civilizacionais, no primeiro capítulo Paul Johnson levanta brevemente os papéis de Marx, Freud e Einstein no processo e conclui o seguinte:
"Marx, Freud e Einstein, todos transmitiram a mesma mensagem para a década de 1920: o mundo não era o que parecia ser. Os sentidos, cujas percepções empíricas moldaram nossas ideias de tempo e distância, certo e errado, lei e justiça, e a natureza do comportamento do homem em sociedade, não eram confiáveis. Além disso, a análise marxista e freudiana se juntaram para minar, cada uma à sua maneira, o sentimento de responsabilidade pessoal e de dever para com o código da verdadeira moral, que era o centro da civilização européia do século XIX. A impressão que as pessoas tiravam dos ensinamentos de Einstein, de um universo em que todas as medidas de valor eram relativas, servia para confirmar essa visão (...) de anarquia moral."
O que o autor chama de "código da verdadeira moral" do século anterior era a ainda existente moral "tradicional" ou, sendo mais exato, a moral religiosa a partir da qual se ergueram as normas de conduta que se refletiram na sociedade como um todo.
Derrubado o edifício religioso, esvaziada a vida espiritual a partir da qual as pessoas guiavam suas vidas, entrou a mentalidade do mundo que, na época analisada por Johnson, eram as correntes filosóficas, psicológicas e científicas cujo substrato cultural tornava relativa o guiamento moral das pessoas e, por consequência, o ordenamento da sociedade.
E as consequências da queda da religiosidade não foi apenas o mero relativismo. Como conclui Johson ao final do capítulo:
"Entre as raças mais adiantadas, o declínio e, em última análise, o colapso do impulso religioso deixaria um vácuo de grandes proporções. A história dos tempos modernos é, em grande parte, a história de como aquele vácuo foi preenchido. (...) No lugar da crença religiosa, haveria a ideologia secular. Aqueles que se tinham filiado ao totalitarismo clerical tornar-se-iam políticos totalitários. E, sobretudo, a Vontade de Poder produziria um novo tipo de Messias, livre de qualquer sanção religiosa e com um insaciável apetite pelo controle da humanidade. O fim da antiga ordem, com um mundo à deriva num universo relativista, era um apelo a que estadistas gangsteres emergissem. E eles não demorariam a fazê-lo."
Do relativismo, que rebaixou a condição humana à massa de manobra de tiranos que julgavam o mundo à sua imagem e semelhança, ergueu-se o totalitarismo, que ficou sem barreiras fortes o suficiente que pudessem freá-lo; e do totalitarismo iniciou-se o genocídio, que viria a marcar toda história de todo o século XX sob a justificativa do "mundo melhor".
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