O primeiro dia útil da semana começou com aquela ventania típica de inverno, com a diferença de que a temperatura estava dez graus mais alta do que no período mais frio do ano. O uivo do ar a penetrar pelo vão das janelas tão mal vedadas e por debaixo do vão da porta do quarto lembrava, mais uma vez, o quão porco é o isolamento de nossas casas, more você num barraco ou numa mansão.
Não por acaso, quando esteve na cidade em agosto de 1942, o francês Albert Camus caracterizou Porto Alegre como fria - e feia, além de cinzenta -, e registrava no seu diário de viagem que fora recebido no aeroporto por homens vestidos com capotes, nossos famosos ponchos. Ficou em minha imaginação sua experiência com o típico sofrimento porto-alegrense, para provável surpresa do escritor laureado, cujo inverno não se compara ao de sua terra natal, mesmo visitando a cidade justamente durante a maior onda de frio daquele ano.
Ao olhar para a paisagem limitada de minha residência, observei as nuvens "correndo" por sobre a cidade. As árvores, acostumadas aos temporais e aos dias ventosos do meio do ano, vergavam seus galhos, e um grupo de jerivás na residência à frente à minha ora punham seus galhos na horizontal, ora caídos na vertical, lembrando a passagem das rajadas de vento com a sonoridade de suas folhas alongadas.
Como devem ter percebido, gosto das coisas do tempo, e nada melhor pelo apaixonado por suas loucuras do que a mudança constante. Nunca, jamais, de modo algum os ares são iguais de um dia ao outro, e aí está a beleza e a atração da coisa - com o devido parênteses aos dias de calor, esses, sim, dispensáveis na quase totalidade deles.
Não fosse a incomum ventania para fins de novembro e seria mais um início de semana sem atrativos especiais. Não pela rotina, mas pela falta dela ou pela insatisfação, talvez um tanto juvenil, de encontrar alguma novidade num mundo que, apesar de estar em constante mudança, possui a estabilidade da ordem sem a qual a mudança não poderia fazer referência.
Há uma paradoxo entre se chatear pela mesmice e contemplar que é a ordem que traz beleza ao mundo. É a alma que cansa. Deus nunca dorme.