Para alívio dos que sofrem com o calor, foi uma alegria acordar pela manhã e ver o termômetro abaixo dos vinte graus na metade de novembro. No dia anterior, o calor seco havia feito o termômetro bater os trinta e dois, mas felizmente a chuva, essa entidade tão distante nesse seco mês, resolveu dar as caras e propiciar, entre uma ou outra trovoada, um pequeno alívio tanto para meu corpo quanto à vegetação agora sedenta de água.
Aqueles que moram distantes do Rio Grande do Sul tem uma imagem romantizada do clima local, essa senhora de humores instáveis. Muitos acreditam piamente na permanência do frio ao longo de todo o ano com verão bem ameno e neve sempre presente no inverno. Essa realidade é distante ao ponto de vermos certos constrangimentos fashion para os desavisados dos extremos dessa porção meridional do Brasil.
Há muito tempo atrás, nos primeiro dias de janeiro de 1999, encontrei um carioca perdido em Porto Alegre durante uma forte chuva de verão. Descendo do ônibus, o pobre homem firmou os pés na calçada com seu corpo desengonçado e todo encharcado, suado e reclamando do calor. "Não imaginava que aqui fosse tão quente", disse mais ou menos com essas palavras. E eu, abrigado na parada de ônibus em meio à chuva inesperada, tive de responder, com a franqueza que tanto incomoda o tão ensaboado jeito brasileiro de não querer desagradar o próximo, de que as coisas aqui não eram como o estereótipo nacional imaginava.
Mas esse dia de frio incomum para o mês de novembro foi uma das poucas confirmações do imaginário carioca. Numa data em que o sol já faz arder a pele dos desavisados e a temperatura já não é tão agradável como no mês interior, o céu carrancudo e o vento úmido e frio retiveram o termômetro o dia todo abaixo dos vinte graus. Cumprindo o único compromisso do dia, estive no aeroporto da cidade. Encostei meu carro, caminhei pelo canteiro da avenida próxima, cruzei para o estacionamento; senti o ar incomum para o mês com o vento que soprava canalizado por um prédio ao lado. Uma atmosfera de campo aberto em meio ao asfalto, de um mês de maio no mês de novembro. Um garoa leve aqui, outra acolá; volta e meia uma branda cortina esbranquiçada passava pela cidade, e o vento reforçava sensação de ter recuado alguns meses no calendário.
Os ares do inverno, acrescentado pelo fato de ocuparem o período em que o verão já dá seu primeiros sinais, foram para mim o brotamento de outra memória, o de sentir o aconchego do envolvente ar frio e de saber, para a realização de minha vingança particular, que o desconforto do calor ficou para outras bandas distantes deste país tropical. Talvez haja algum evento em meu passado que tenha encrustado em minha alma essa satisfação, quiçá mesmo um antepassado que tenha legado esta alegria ou nostalgia como a geada que se propaga pela árvore genealógica, que faça minha alegria crescer na medida em que a temperatura diminui. Nessa época, meus descendentes vindos da Itália já estariam se preparando para a chegado do inverno como manda o sábio e velho hábito de obedecer aos ciclos naturais.
O envolvimento emocional engendrado pelas mudanças no tempo pode ser a memória viva de um passado que se foi mas que ficou como parte de minha personalidade. Porque somos o extremo de uma árvore viva que fincou suas raízes em tempos imemoriáveis. Alguns de meus galhos estão cobertos pela neve que cobre toda a paisagem.
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