Depois de vários meses, pisei novamente nas ruas do Centro de Porto Alegre. Sorte minha, justamente num dia de tempo nublado com nuvens cada vez mais espessas a bloquear a ardente luz do sol do miolo da primavera, capaz de tornar desagradável um dia de ar agradável. Bastaram alguns minutos em deslocamento para que uma chuva leve começasse a molhar a superfície. Meu guarda-chuva fora bastante útil.
Cheguei ao destino numa travessa de nome curioso - Mario Três Paus, ó raios! - e me deparei com o edifício do lado contrário: um monstro de concreto em formato da letra "H", cujas paredes mais visíveis estão viradas ao norte e ao sul com janelas encravadas entre faixas retilíneas que bloqueiam as luzes laterais, formando o horrendo paredão típico da arquitetura moderna.
Pude notar o quão insignificante eu era frente ao monstro de concreto, aço e vidro. A faixa central do "H", escondida pelas estrutura principais, era melhor notada na travessa de nome esquisito, ela mesma de design altamente duvidoso, formando o eixo a partir do qual irradiava toda sua estrutura. Ao seus pés, uma pequena fila de pessoas para o atendimento do INSS, tão insignificante quanto eu, mas incrivelmente desproporcional ao gigante que se destacava para quem o observava junto a Mario Três Paus ou ao Mercado Público logo ao lado.
Impactado com as dimensões do edifício - que já conhecia há tempos mas nunca notara com atenção - resolvi investigar qual era sua identidade. Tão oculto quanto o seu estilo insosso e burocrático é o seu nome, pois demorei tempo para descobrir que o famoso "edifício do INSS" chama-se Edifício Getúlio Vargas, sede do então IPASE, construído na onda modernista que arrasou os belos estilos português e neoclássico das grandes cidades brasileiras entre os anos 1950 e 1970. Robusto, retilíneo e de bordas bem delimitadas, o gigante enquadrava-se perfeitamente nos cânones da arquitetura moderna, num estilo que um artigo escrito em 1990 classificou como miesiano, adjetivo derivado do nome do arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe. Uma olhada rápida no perfil da famosa personalidade evidencia as características do edifício: estilo racional, funcionalista e minimalista, uma obra voltada para fins utilitários.
Grandes construções como a que encarei com espanto em minha breve visita ao Centro são opressoras, não pelo tamanho em si, mas por aquilo que significam. Quando estive pela primeira vez em Londres, em setembro de 2015, fiquei espantado com o tamanho do Big Ben, mas igualmente maravilhado com a riqueza de seus traços e a relevância de sua simbologia. O mesmo poderia ser dito com relação a muitas outras construções da cidade, que remetiam constantemente o visitante às glórias do Império Britânico.
Em Porto Alegre, fiquei apenas espantado, e nada mais do que espantado, pois a racionalidade monumental da construção se impôs sobre mim como se eu estivesse submetido a uma força invisível e impessoal. Este é o efeito de uma obra gigantesca, que comunica, como que pela força da presença, a ordem à qual se refere. Ninguém estava ali a passeio e nem estaria caso fosse um dia de descanso, pois não há nada a admirar a não ser o inevitável fato de, ao olhar para alguma direção, se deparar inevitavelmente com um enorme objeto pura e simplesmente por sua dimensão. Em momento nada divertido, eu também estava lá cumprindo meu dever financeiro-burocrático, bem ao estilo da paisagem cinzenta e deprimente.
A opressão desse estilo arquitetônico não poderia causar outro efeito senão a opressão de seu próprio fim. Grande parte do Edifício Getúlio Vargas ficou vários anos abandonado - e parece que ainda está - porque, no fundo, como dizia o filósofo Roger Scruton, ele é feio, e as pessoas não gostam de coisas feias. Se uma obra possui fins racionais e utilitários, ela perde sua razão de existir tão logo sua funcionalidade perca o sentido, transformando-se em uma obra morta. Salvo o discreto movimento do térreo, o trambolho do Centro da cidade era um ser quase morto respirando por aparelhos.
Cumprido meu compromisso, saí do prédio em frente com a chuva agora moderada e, surpreendentemente, presenciei dois relâmpagos seguidos de trovoadas. O céu bradava contra a opressão da feiura sem alma. Bastou alguns minutos para que a revolta contra a beleza desabasse numa chuvarada. Eu estava de alma lavada.
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