Certo dia, quando estava na séries iniciais do colégio, eu e meus colegas realizamos um jogo onde apostávamos nossos desejos futuros. Citávamos a profissão que teríamos, com quem casaríamos e com que idade. Me recordo da idade do meu casamento - 25 anos - e o nome de uma futura pretendente.
Quase três décadas depois, não só a pretendente sumiu do meu horizonte de relacionamentos como o casamento não veio, bem como a esquecida profissão que havia mencionado. O sonho do ingênuo garoto, construído sobre os dois ideais mais cobiçados da sociedade moderna - o sucesso no trabalho e o casamento feliz -, simplesmente não se tornaram realidade.
Há algo de frustrante nisso, mas também de altamente pedagógico. Pois o casamento pode simplesmente não ser a vocação de uma pessoa ou seu tempo não ser o tempo imaginado, e o trabalho, necessário a todos que têm um mínimo de sanidade mental e capacidade de caminhar com as próprias pernas, pode ser qualquer um, na grande maioria das vezes diferente do que foi sonhado na infância. E mesmo na faculdade.
A frustração está na entronização do sonho. O problema é muito simples: sonhos humanos são apenas isso, sonhos humanos, e não decretos divinos. Eles têm a fugacidade do vento, não a estabilidade indeterminada da sucessão de dias e noites. Somos muito mais limitados do que nosso vão desejo e as ficções grotescas de Hollywood - com naves espaciais super avançadas criadas num espaço de vinte anos - nos fazem imaginar. O mundo é o ensinamento do I Ching: tudo está em permanente mutação, menos a mutação mesma, ainda mais se consideramos uma época que aposta no princípio de que as coisas têm fins utilitários, até mesmo a vida humana, e que a essência de sua dinâmica é o movimento frenético e permanente. Os sonhos de uma vida feliz dentro dos cânones modernos é não apenas difícil, como artificial e questionável. Afinal, felicidade seria ter uma carreira bem sucedida e um casamento feliz, mas quem realmente sobe este monte? E alcançada a almejada conquista, o que fazer?
A pedagogia está na destruição dos ídolos, pois o homem é um ser essencialmente religioso, condição que Peter Berger bem afirmou quando, em sua longa carreira acadêmica, notou que mesmo em sociedades altamente desenvolvidas a religiosidade - mais especificamente a espiritualidade - sobrevive, mesmo que em formas bastante distintas das sociedade tradicionais. O anseio pelo eterno está traduzido nesse perfil religioso. Dê carreira bem-sucedida e casamento feliz a todos e verá se instaurar o caos, a vida sem sentido que é contemplar o tempo que passa sem novas conquistas no limitado tempo de vida. Sem a perspectiva do plano transcendente, a caminhada é vã e a conquista morta no momento de sua concretização, um troféu que acumula pó num canto da prateleira. É a morte e, portanto, a esperança de uma eternidade, a medida de nossas ações.
Assim como sonhos pessoais facilmente caem na idolatria e na inevitável frustação, impérios inteiros também são arrastados pelo vento, mesmo os aparentemente poderosos. Nesse primeiro dia de novembro, repassei alguns trechos do recém lido O fim do homem soviético, de Svetlana Aleksiévich, e encontrei o depoimento de uma cidadã da antiga União Soviética declarando o seguinte:
"O poder soviético parecia eterno. Iria durar até os nossos filhos e os nossos netos! Foi inesperado para todo mundo quando ele acabou. Hoje já ficou claro que nem o próprio Gorbatchóv esperava por isso, ele queria mudar alguma coisa, mas não sabia como. Ninguém estava pronto. Ninguém!" (p. 82)
Muitas vezes não estamos preparados para uma crise de relacionamento, uma demissão sem aviso prévio e muito menos para o desaparecimento de um império porque perdemos a visão daquilo que fixa as estrelas no alto e sustenta as civilizações. Felicidade mesmo, só no Céu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário