sábado, 6 de novembro de 2021

Dia 4 de novembro de 2021

 

          Nesse dia comecei a leitura da livro Retrato do artista quando jovem, do escritor irlandês James Joyce. Logo fui pego um pouco com as calças na mão pela dificuldade na leitura, talvez devido à tradução da obra, porém o estilo de Joyce não me era familiar.

          Mas clássicos são clássicos, e como tais eles trazem no enredo um pouco da realidade que diz respeito a todas as pessoas na face na Terra. Do contrário, ficariam confinados à cultura local, muito mais significativos ao seu folclore do que à condição humana universal.

          Logo no início de Retrato, o personagem principal, o pequeno Stephen Dedalus, reflete sobre sua situação física no vasto mundo desconhecido. Após ler um lista que o situava geograficamente na vastidão indeterminada do Universo a partir de sua condição pessoal, o garoto salta ao seguinte pensamento (narrado por Joyce em terceira pessoa):

"Que é que haveria depois do universo? Nada. Mas haveria qualquer coisa em volta do universo para mostrar onde ele parava antes de começar o lugar do nada? Não poderia ser uma parede; mas bem que poderia ser uma linha fininha, bem fininha, lá bem em volta de tudo. Era uma coisa muito grande para poder pensar em todas aquelas coisas e em todos aqueles lugares. Só Deus podia fazer isso. Tentou imaginar que enorme pensamento poderia ser esse, mas só conseguia pensar em Deus." (p. 30)

          Joyce mostra a efusiva imaginação do garoto, mergulhada no universo da cultura irlandesa católica do início do século XX, mas ainda assim aberta ao mistério, esse grande mistério que ultrapassa os limites de qualquer cultura e que é preenchido não pela simples crença em si, mas pela confiante abertura espiritual. E continua: 

"Deus era o nome de Deus, assim como o nome dele era Stephen. Dieu era o nome francês para Deus, e era também o nome de Deus; e quando alguém rezava a Deus e dizia Dieu, então Deus imediatamente ficava sabendo que era uma pessoa francesa que estava rezando. Mas embora houvesse nomes diferentes para Deus em todas as diferentes línguas do mundo, e Deus compreendesse o que era que todas as pessoas que rezavam diziam em suas línguas diferentes, ainda assim Deus permanecia sempre o mesmo Deus e o nome verdadeiro de Deus era Deus." (p. 30)

          Fica bastante claro o apelo universal, não apenas da fé católica de Stephen, mas do amor à Verdade. Pois há só uma Verdade, e mesmo que haja vários prismas que a filtre e veja, essa Verdade continua sendo só uma. 

          Quando li essa passagem não apenas me identifiquei como me apaixonei por ela, pois são nesses momentos de mergulho em nós mesmos que encontramos o misterioso microcosmo que reflete o macrocosmo, uma espécie de ordem interior que tenta caminhar em consonância com a ordem exterior, e vemos que em nós há uma infinitude que também é reflexo da infinitude - ou pelo menos a indeterminação - do que há fora. Estamos no mistério e dele não podemos sair ou, como dizia São Paulo Apóstolo, "nele nos movemos, somos e existimos".

          Sentado na rede do lado de fora de casa, fui pego subitamente, mas de forma muito sutil, como que em oração, num momento de iluminação ignizado pela maravilha da obra. Por isso clássicos são clássicos. Cada um de nós traz em si um pouco da pureza de Stephen e da genialidade de Joyce.           

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