quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Dia 10 de novembro de 2021

 

          Para quem gosta de meteorologia como eu e tem como um dos entretenimentos observar as condições do tempo nada mais chato do que dias e dias na mesma condição.

          Este é o padrão do tempo desde fins de outubro, e hoje não foi diferente: manhã fresca, tarde agradável; tempo bom com sol e nuvens, vento soprando de sudeste ou leste devido a um centro de alta pressão no oceano; ao final do dia as nuvens diminuem, o vento continua mas um pouco mais fraco, e a sensação de frio leve aumenta. Enfim, um enfado atmosférico que parece não ter fim e que faz esquecer o agitado mês de setembro, quando tivemos pelo menos quatro episódios de temporais aqui em Porto Alegre, um deles durando mais de dois dias, para minha empolgação e alegria.

          Essa eternidade coincidiu com um assustador e impressionante trecho da obra Retrato de um artista quando jovem, do escritor irlandês James Joyce. Sentado na rede e sentindo o vento leve que soprava trazendo as nuvens algodoadas típicas desta época, fiquei impactado com a longa descrição do que seria o inferno pela fala de um dos personagens do enredo. 

          Seu nome é Pe. Arnall, que realizava um impactante sermão durante um retiro em que participava o personagem principal, o introspectivo Stephen Dedalus, com seus colegas do Belvedere College. Vivendo uma vida cinzenta e atormentado na consciência por ter se entregue aos prazeres de uma prostituta, os ouvidos de Stephen estavam atentos a toda a explanação do que era o inferno.

          A descrição de Joyce é incrivelmente bem construída, didática e muito profunda. O leitor consegue imaginar as cenas do que seria o inferno, com as almas esmagadas umas sobre as outras e sofrendo por tormentos interiores e exteriores dos mais diversos tipos, imersas na escuridão que não se vê mas se sente e, acima de tudo, que dura para sempre. O sofrimento é tão vasto e absoluto quanto a eternidade, apresentada na analogia que o Pe. Arnall faz com o trabalho de um pássaro que, de grão em grão, vai retirando a areia de muitos milhões de milhões de montes de areia amontoados uns sobre os outros. Assim é a indizível duração da eternidade, cravadas a fogo na consciência das almas condenadas, que sabem, agora e para sempre, quão duradouro é o seu sofrimento.

          Obviamente o tédio do tempo não muda não se compara ao sofrimento que não passa. Mas há algo de infernal nisso: para quem tem apreço pela mudança, se anima ao ver as radicais transformações do tempo com bigornas de vapor d'água a ejetar raios, clarões e estrondos, se agita com a chuva que cai com força e faz vibrar o telhado, se anima ao ver o efeito do ar gelado sobre a relva que congela, fica na expectativa de alguma neve num local próximo, e se impressiona - mas reclama - com o calor que parece fazer tudo derreter, nada pior do que o marasmo. Felizmente isso não é tudo, mas apenas um aspecto, um detalhe da vida cotidiana. Se o tempo não era atrativo, a obra de Joyce, que aos poucos revelava sua impressionante profundidade, o era. 

          No dia anterior, enquanto dava prosseguimento ao livro, meu gato se aproximou e se jogou aos meus pés como se quisesse me acompanhar, mesmo que fisicamente, na aventura ficcional ambientada na Irlanda de cem anos atrás. Na expectativa de que meus dedos, cobertos pela fina camada da meia azul que eu usava, lhe acariciassem o pescoço e massageassem o profundo das orelhas, ele rolou no chão, e meus membros inferiores não tardaram a lhe preencher os sentidos de conforto e alegria. 

          Se eu estivesse totalmente preso a um único desejo, a um único afazer, se minha vida se resumisse a um único prazer que é observar e analisar o tempo, sim, a vida seria um inferno, e o tédio, mesmo que durando alguns dias, se tornaria quase tão insuportável quanto a consciência de uma eternidade dolorosa. Mas a vida não é assim. Mesmo num momento de poucos afazeres, sempre há algo diferente ou uma agradável surpresa a brotar do mundo que nos rodeia ronronando aos nossos pés e ouvidos. Enquanto estivermos vivos teremos a chance de sermos salvos.

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