quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Dia 7 de outubro de 2021

          Hoje pela manhã levantei e pude observar, na limitada vista do meu quarto, uns poucos eucaliptos que ainda restavam no lugar de uma nova obra a ser erguida. Horas depois, eles haviam sumido deixando em seu lugar um horizonte indefinido emoldurado parcialmente por duas construções tão belas e harmônicas quanto os produtos fresquinhos do meu gato mais gordinho.

          Depois de trinta e cinco anos de contemplação diária, o conjunto de enormes eucaliptos de mais de quarenta metros de altura foi finalmente posto a baixo. Todos os dias eles estavam lá, denunciando a direção do vento e a intensidade da chuva, quando esta, caindo de forma intensa, embaçava sua visão.

          Sempre tive apreço às coisas naturais, muito mais pela beleza e intensidade com que seus elementos se manifestam do que pela ideologia, louca e fanática, que nivela ou mesmo inverte o homem na sua relação com o mundo natural. 

          O verde não é só bonito como agradável. Desde criança fui fascinado pelas mudanças no tempo e, seja por ter nascido num dos dias mais quentes do verão de 1981 ou por influência distante de algum antepassado, sempre tive predileção pelo inverno. Mais verde significa, para mim, não só mais beleza, como menos calor. O sol inclemente torna-se tolerável pelo manto natural, assim com o frio do inverno mais sensível, diferentemente de quando estamos sob o solzinho a penetrar seus raios sobre a capa de um belo asfalto. Mal sabem os citadinos que é justamente a cidade que cria a ilusão de que "nos tempos dos avós os invernos eram mais frios". O concreto não é convidativo para a geada, que torna visível, pelo tênue manto de cristal, o campo de verde abundante horas antes. 

          Como bem afirmei e friso novamente, meu apreço pelo natural não está na ideologia. Não demonizo o que chamamos de "progresso" quando limitado à sua dimensão material, pois é de se esperar que na era do movimento haja mudanças não só permanentes como inevitáveis em certas situações. A expansão e transformação das cidades são os exemplos mais explícitos. Ao contrário do que gostariam os ideólogos do ambientalismo, árvores não são gente (e os defensores dos animais, é bom frisar, já estão no limiar deste nível de psicose), e não há crime, nem imoralidade, em derrubar um conjunto de grandes eucaliptos para erguer um edifício. 

          Mas a feiura é imoral quando deliberada, e mais perigosa quando tomada por beleza. Na visão dentro da qual se erguiam as majestosas árvores, há dois obstáculos que formam metade da moldura de um quadro: um edifício coberto de vidros espelhados azuis-esverdeados e uma residência com formato de loja de móveis. O primeiro no chamado estilo internacional (nome pomposo para a uniformidade horrorosa que não distingue os centros financeiros um dos outros em todo o globo); o segundo de arquitetura minimalista que lembra o velho e totalitário brutalismo, mas como toques de modernidade clean, um sovietismo light erguido com muito dinheiro e muito mau gosto.

          Da minha frustração com as árvores desaparecidas surge o medo: será que o conteúdo do quadro será tão horroroso quanto sua moldura? O que será que colocarão no lugar do enorme volume de troncos e folhas esvoaçantes? Na propaganda em frente ao terreno, o anúncio apresenta um edifício residencial de altíssimo padrão, definição socioeconômica que passa anos-luz de qualquer padrão estético definido. 

          Na competição de quem faz pior, surgem torres residenciais luxuosas destacadas pela má e nova arquitetura de estilo internacional. Estranho imaginar que detrás de uma parede de vidro esverdeada haja uma família jantando ou pessoas dormindo; mas como a própria visão pós-moderna que acompanha esse estilo sugere, não há parâmetros, não há regras fixas para o ordenamento da sociedade e todas suas expressões que chamamos de "cultura", pois os valores também passam, mudam conforme o vento. E assim é com nossos espelhos. A estética "evolui" conforme a originalidade de quem inventa a nova moda. Se tornou símbolo de status morar num pequeno apartamento que os arquitetos imaginam ser escritórios em Manhattan. É o progresso da alma.

          Minha única certeza é de que a sombra e a beleza das árvores se foram para sempre. Quisera eu que erguessem uma modesta residência portuguesa ou o Edifício Martinelli. Não é só a temperatura que vai aumentar. Provavelmente a feiura também. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário