Dia do Professor e dia de celebrar a grande doutora da Igreja, Santa Teresa d'Ávila. Confesso que não sou um grande professor e, claro, estou bem longe de ser santo, ainda mais se considerar as extraordinárias experiências da santa espanhola que levitava, recebia visita de santos bilocados, via anjos, demônios, almas do purgatório e lutou, com a típica fé de uma alma iluminada por Deus, para revitalizar a maior religião da Terra. Quem dera ter essa força e motivação para ao menos levantar da cama todos os dias.
Apesar de tudo, meu humor estava renovado, mas o tempo havia reservado uma chuva no amanhecer e um calorzinho fora de hora, deixando a tarde mais fresca do que a madrugada. Mais uma vez Porto Alegre ficou sem sol, e do vento cada vez mais frio que soprava ao longo da tarde um vapor branco tocava de leve os morros mais altos da cidade. Regressávamos mais de um mês no padrão climático do ano, como se um suspiro do inverno quisesse dizer, "Olá! Voltei!". É comum termos esses encontros com os ventos meridionais que volta e meia irrompem na estação das flores.
O aluno que tive o privilégio de encontrar em seu edifício parecia estar no ânimo das nuvens baixas quando o puxava de volta ao estudo compenetrado. Confesso que ensinar História em tópicos não é a coisa mais divertida a se fazer, mas como apresentar o plano geral da História da Humanidade apelando às invencionices pedagógicas tão sonhadas pelas escolas modernas? Fui testemunha desse desastre cognitivo há alguns anos, e não vejo, em minha pobreza pedagógica, como prezar pela riqueza da ciência driblando o sacrifício necessário para levar o estudo a sério.
Ao contrário do que possa parecer, alguns momentos maçantes não são a regra nesses encontros semanais. Bastam alguns minutos de concentração sobre a escrivaninha para que o sol volte a brilhar dentro do quarto e, pah!, surgir da empolgação de meu aluno o tão envolvente assunto do futebol. Para minha surpresa - que nem deveria ser surpresa, pois todas as semanas sou mergulhado no mesmo assunto, que ignoro em grande parte - meu jovem camarada discorreu sobre os jogos de bola, mais especificamente sobre sua história recente, lembrando lances e placares impressionantes. E eu, um tanto interessado mas pouco disposto a passar vergonha, fazia afirmações vagas e errava datas e confrontos acreditando contribuir à conversa. Só tomava 7 a 1.
Talvez a discussão sobre futebol não mostre a relevância de conhecer a história dos hebreus ou do Império Carolíngio, mas é inegável que a memória, essa conhecida muito desconhecida nossa, é um poço incrivelmente vasto e obscuro que volta e meia entra em erupção afetiva e revela um pouco a real pessoa que somos. Temos tachinhas mentais cravadas na linha do tempo que reavivam em nossa memória e em nosso coração momentos relevantes da vida, nosso vínculo com a existência e as pessoas. É mais importante saber aquilo que nos diz respeito diretamente, por mais banais que as coisas sejam, do que abstrações e coisas distantes. Fora apaixonados pelo assunto, ninguém vai ao mercado pensando na importância histórica de Carlos Magno, a não ser que ele seja aquele velho cobrador do caixa que todos os dias lhe dá bom dia e deixa em sua passagem pelo mundo um pouco de si dentro de nós.
Revivendo este momento, eu parecia um ser impotente frente ao meu aluno que encontrava-se seguidamente empolgado a contar para alguém alguma coisa que não podia contar a ninguém mais. Nos tempos de restrições civis das mais absurdas, a convivência da escola havia sido cortada, e a mão decidiu pela prática do ensino domiciliar. No círculo mais restrito de contatos, eu era um dos poucos a permitir vazão aos seus gostos juvenis. Minha aula acabou sendo mais um encontro recheado de memórias pessoais algumas vezes pontilhadas por conhecimento de coisas distantes do período medieval da Europa. De certa forma, o aluno era eu.
Quase duas horas, ao sair do edifício em que me encontrava, fui surpreendido pela chuva fina e o vento que soprava mais forte. Um breve momento de calor durante a atividade foi substituído pelo vento úmido e frio, e o morro que se erguia para o lado sul agora estava coberto por uma neblina cinzenta.
No futuro talvez eu não recorde do que foi falado dentro de quatro paredes, mas certamente lembrarei de quem estava comigo e da surpresa de estar com a roupa errada perante o vento frio. Foi a enésima aula em dia de chuva, como se já fosse de praxe puxar o material do dia para a água precipitar do céu, como se os anjos armassem para mim uma surpresa bem no dia de minha atividade. Ali se instalava mais uma tachinha, dessa vez no tripé lugar-aluno-chuva, como marca de minha memória e afeição. Vivemos de realidades, e não de abstrações e sonhos distantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário