Três horas da tarde. O céu estava praticamente limpo. Apenas uma ou outra nuvenzinha aparecia perdida na imensidão azul, mas nem de longe prometia uma sombra muito menos um refresco dos céus. Fazia trinta e quatro graus e um vento, até então ausente, apareceu vindo das plagas do oceano parecendo prometer um alívio. Mero engano.
Nada mais opressor de quem se sente mal física e psicologicamente no calor do que os dias de muito calor. Mas a cena que viria a presenciar me faria lembrar o terror de mais de sete anos atrás.
Devidamente blindado por vidro e aço, parti de casa em meu carro com o ar-condicionado ligado no frio. Bastaram cinco minutos para andar não mais do que dois quilômetros até o destino em um bairro vizinho. No banco detrás, um velho aparelho de som me recordava de sua presença com a leve batida da tampa do disco, e debaixo dela um vinil coberto de poeira esquecido há muito tempo.
O destino era um estabelecimento de esquina, que lembrava mais um barraco de alvenaria milimetricamente construído num terreno exíguo. Com a devida atenção, lia-se que se tratava de um local de assistência técnica, e com um pouco mais de atenção era possível ver empilhados e colocados um ao lado do outro televisores, ares-condicionados, micro-ondas, ventiladores e o que quer que fosse de eletroeletrônico. Parecia que todo o material viria a transbordar através da grade que separava o chão de concreto da calçada tão estreito era o espaço entre o balcão e a rua.
Do lado de dentro notava-se que não mais que um metro e tanto separava o balcão da calçada. Dois passos e eu já estava quase de barriga sobre o tablado. Graças ao sol da tarde, a luz direta incidia sobre os produtos aparentemente consertados, e o calor que emanava da calçada de basalto e do asfalto não encontrava nenhum obstáculo para se projetar ambiente adentro. O local lembrava muito mais o abrigo de um filme distópico do que realmente um estabelecimento comercial.
Imaginem o que é estar num dia muito quente sem qualquer refresco e conforto cercado de aparelhos, poeira e radiação, apreciar como vista as maravilhas do urbanismo brasileiro e ter a sensação de cozinhar no agradável calorzinho do verão. De fato, não era verão no calendário, e sim final de outubro, mas isso pouco importava, pois o dia era de fato como no verão - o que chamaríamos de verão climático - salvo o ar estar mais seco do que o normal e a sensação de abafamento não ter nada terrível.
Logo me recordei da única vez em que estive no mesmo local. Foi no verão de 2014, ano da maior onda de calor de nossa história, quando a temperatura oscilou por dias a fio entre trinta e cinco e quarenta e um graus, num terror aparentemente infindável que só viria a ser sepultado depois de quase trinta dias. Quem dera fosse o calor seco de um deserto, mas, ao contrário, era um sufocante e opressor calor úmido importado do Chaco que fez a sensação térmica tocar os cinquenta graus nos dias mais bizarros.
Na visita de então tive o mesmo impacto termo-estético: pilhas de eletroeletrônicos, poeira, calor irradiando da calçada e do asfalto para dentro do estabelecimento, solzinho maravilhoso piorando a situação. Não acreditava que um local assim poderia existir, menos ainda que alguém pudesse ganhar e a vida nessas condições. Descobri que existiam homens de aço, e aço incapaz de derreter
Hoje, ao menos, não estava tão quente nem tão úmido quanto o terror de mais de sete anos atrás. Mas para mim pouco importa: trinta e quatro ou quarenta graus, a diferença é entre ser torturado com um choque ou com pauladas nas costas. Meu lema nessa época do ano continua o mesmo: se você não tem ar-condicionado, fuja para a praia ou para as montanhas. Lá ao menos o ar é mais fresquinho.
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