Minhas mais recentes postagens neste blog foram inspiradas em dois livros da escritora bielorrusa e Nobel de Literatura de 2015, Svetlana Aleksiévitch, Meninos de zinco e O fim do homem soviético (que estou acabando de ler). A autora vale-se de testemunhos de pessoas que viveram momentos decisivos da história da União Soviética e da Rússia, respectivamente a Guerra do Afeganistão entre 1979 e 1989 e o fim do regime soviético.
Svetlana aposta na história oral, no registro vivo na memória das pessoas, buscando delas experiências (e traumas) dos eventos por ela perscrutados. Para a autora, importa saber não o que aconteceu no âmbito da macro-história implicada na decisão dos grandes líderes e personalidades do mundo, mas na micro-história, no dia-a-dia de quem viveu as consequências e participou, de alguma forma, do fluxo geral dos eventos. Na introdução de O fim do homem soviético, Svetlana declara: "Não me canso de me surpreender com o quão interessante é a vida humana comum."
Ela tem razão, pois em cada pessoa vive um acontecimento, uma memória latente que está integrada na personalidade do indivíduo, fornecendo à História seu "H" maiúsculo, pois o transcorrer do tempo está preenchido pela substância ativa da personalidade viva, que é a essência da História mesma.
Se a famosa escritora de uma nação distante foi inspiração para mudar o modelo de relatos deste blog, é minha vida pessoal, essa interessante vida humana comum, o motivo real dos recentes textos.
Na minha adolescência mantive um diário com acontecimentos triviais do cotidiano, mais como uma marca de época do que um desabafo ou uma elaborada anamnese de meus dramas pessoais. Não me agradava lembranças negativas, que por vezes eram descritas com alguns palavrões, mas a simples memória carregada com algum grau de nostalgia e bom-humor, que gerava algumas risadas daqueles para os quais eu relembrava os fatos.
A trivialidade de meus relatos acabaram por compor uma forma visível e acabada de um período da vida, que em muito pouco lembra o autor de hoje, principalmente em seus pensamentos e imaginação ocultos. Mas ainda assim esta é minha história, composta de elementos fundamentais integrados e sedimentados em minha personalidade no transcorrer do tempo. É uma vida comum que caminha dentro do quadro geral da História formando um pequeno fio que, emaranhado com milhões de milhões de outros fios compõem a História da Humanidade. E lá me encontro com todos, de você à nossa habilidosa escritora, de suas traumatizadas testemunhas às pessoas mais improváveis e desconhecidas que já pisaram neste mundo.
Quando medito sobre a questão em alguns momentos fico deslumbrado ou mesmo assustado ao notar que faço parte de um plano infinitamente maior do que meu tempo de vida. Deslumbrado porque me sinto participante de algo superior, e isto é muito belo; mas também assustador porque a dimensão da existência me coloca necessariamente o problema do mistério da eternidade, que está acima do tempo e por isso mesmo não é percebido diretamente na vida cotidiana. A pergunta que fica é: o que devo fazer sabendo que vou me deparar com um mistério humanamente insolúvel e potencialmente intolerável?
Esta é a pergunta fundamental. Não por acaso, quase a totalidade dos testemunhos colhidos por Svetlana em seus dois livros são de pessoas que acreditam em "algo" maior (Deus ou seja lá o que for) mesmo vivendo num regime oficialmente ateu. Por mais que se force ou se "convença" de que tudo não passa de uma trivialidade sem sentido, de um diário composto apenas por relatos cotidianos sem um conteúdo mais profundo, a História exige respostas, porque ela necessariamente acaba, e não queremos de forma alguma que nosso testemunho morra para sempre.
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