(Gravura L'atmosphère: météorologie populaire publicada pela primeira vez por Camille Flamarion, Paris, 1888)
Conversando ontem com um amigo a respeito das discussões em um grupo de WhatsApp de apaixonados por meteorologia, nós nos questionávamos sobre o quão falsa pode ser a narrativa sobre as mudanças climáticas. Não pretendo entrar aqui em questões sobre metodologia de pesquisa em climatologia e meteorologia ou comentar sobre seus resultados. O ponto central aqui é: o quanto nós, observadores amadores (meu caso), estudantes de meteorologia/climatologia e cientistas da área, estamos vendo a realidade tal qual ela é?
Meu amigo relatava sua experiência de trabalho nesta área, que vem de algumas décadas, bem como a de outras pessoas que ajudam na coleta de dados e têm longo histórico como observadores do tempo. Entre os membros do grupo, alguns dos pontos de discussão diziam respeito aos extremos climáticos do Brasil em épocas distantes, quando a observação meteorológica era muito mais escassa e, em alguns casos, passíveis de questionamento. A atual seca no Rio Grande do Sul era um dos pontos de discussão. Seria esta seca histórica? Alguns dão a entender que sim; a maioria, porém, ainda prefere a cautela. Outro ponto de discussão é o recorde "oficial" de frio no Brasil: o dado de -14°C, registrados em 11 de junho de 1952, em Caçador, SC; este, sim, ponto de maior discussão.
Seca no Rio Grande do Sul, ausência de recordes de frio como os de Caçador, calor e seca históricos com incêndios monumentais na Austrália; início de inverno quente em parte dos EUA, toda a Europa, Rússia e parte da Ásia. E a pergunta que fica estimulada pela narrativa da grande mídia e que saem em diversos relatórios climatológicos é: estamos presenciando as chamadas "mudanças climáticas"?
Durante a conversa, porém, tive um estalo. Quando observamos todos estes acontecimentos, tendo acesso pela internet, não digo nem mesmo pela imprensa, mas de estações meteorológicas, dos serviços nacionais de meteorologia, acompanhando dados e colhendo informações de nossas cidades pessoalmente, estamos realmente vendo o que está acontecendo a nível global? Ou isto reflete apenas parcialmente uma realidade, talvez distorcida? A primeira coisa que percebia foi que grande parte dos debatedores do grupo vivem em cidades, portanto, num meio que filtra a percepção dos fenômenos atmosféricos, principalmente de longo prazo.
Se todas as cidades do mundo fossem unidas numa mesma área urbana, elas cobririam uma área equivalente ao estado americano do Texas ou um pouco mais do que o estado de Minas Gerais. Para termos uma dimensão da desproporção, o Texas possui 678 mil km² de área, enquanto que o planeta Terra inteiro em torno de 510 milhões de km². Portanto, se todas as cidades do planeta fossem unidas numa mesma área urbana cobririam apenas 0,13 % da totalidade da superfície terrestre, mas abrangeriam pouco mais da metade dos atuais 7,7 bilhões de habitantes de todo o mundo.
Desta forma, muito das observações das condições do tempo na cidade ocorrem sob o efeito da ilha de calor, que se traduz pela retenção do calor pela mancha urbana durante o dia. Este calor é liberado à noite, traduzindo numa elevação da temperatura da cidade, particularmente da temperatura mínima. Isto é observável por instrumentos, mas também sentido na vida cotidiana.
A experiência da moderna vida urbana ajuda a explicar a máxima da atual geração, que repete com alguma frequência que "hoje não faz mais frio como na época dos meus avós", o que é uma obviedade. Nossos avós, com raras exceções, não viviam no meio do concreto em selvas urbanas de um, dois, dez milhões de habitantes. Elas são necessariamente mais quentes, inescapável para mares de concreto e cimento recheados por ambientes climaticamente controlados.
Viver em cidades é mergulhar numa realidade sociológica totalmente diversa do homem dependente do ciclo natural, que vive no campo e vê a natureza seguir seu rumo. Nós, pessoas do meio urbano, vemos tudo por um prisma, uma lente que se interpõe entre seus olhos e o mundo que nos foi dado. Estamos desconectados da realidade tal qual ela é. Dependemos de máquinas, burocracia, ambientes fisicamente controlados com energia elétrica, ar-condicionado, regras próprias e impessoais. As informações que recebemos vêm das mais diversas fontes, mas são abstrações, são leituras do mundo que nos chegam sem que tenhamos a experiência viva e direta sobre o qual brotou o olhar daqueles que divulgam as informações, sejam jornalistas ou cientistas.
Para o filósofo alemão Georg Simmel, o tipo psicológico urbano tem uma atitude blasé, ou seja, não ignora, mas também não é emocionalmente afeiçoado à massa de pessoas que o envolve. O mesmo ocorre com a esmagadora maioria das informações que recebemos, basicamente devido à impossibilidade prática de analisarmos todas ao mesmo tempo, e aceitamos passivamente o que nos é oferecido segundo métodos que ignoramos completamente. É a "zona escura" de que falam Berger e Luckman dentro do que estes dois sociólogos chamam de "construção social da realidade". Não é possível que conheçamos tudo sobre tudo, mas apenas o que nos diz respeito diretamente, e com o conhecimento científico em geral não é diferente.
Hoje agimos como o personagem da figura reproduzida acima, L'atmosphère: météorologie populaire, publicada em Paris, em 1888, que mostra um estudioso renascentista saindo do mundo natural para descobrir os fundamentos últimos de seu funcionamento, onde encontra uma cadeia de engrenagens. No lugar do mundo natural, ele mergulha não no mundo espiritual que haveria por detrás deste, mas no mecanismo frio e racional por ele imaginado e que supostamente moveria o Cosmos.
Estamos como que presos na máquina criada por nossa própria mente e chamamos isto de "realidade"; reproduzimos um mundo à sua imagem e semelhança, como se fosse possível controlar por completo nosso ambiente; ficamos protegidos e blindados por um mundo artificial para além do qual é impossível sairmos completamente a não ser que coloquemos o corpo para fora deste mundo; e ainda que saíssemos do mundo construído teríamos o modelo da gravura como o limite de nosso imaginário, que está em constante conflito com nossas experiências e crenças pessoais.
Enfim, temos muita subjetividade e pouca experiência. Vemos a chuva cair do lado de fora, mas não temos a experiência da chuva no campo aberto ou sobre a mata com seus efeitos na temperatura, o "cheiro da chuva", seu som sobre as plantas. Muito menos sobre os oceanos.
É neste mundo, onde se encontram os instrumentos necessários à atividades científica e jornalística e onde vivem os produtores de informações. É uma redoma, um microclima físico e mental, exceção no ciclo natural dentro do qual ocorrem os fenômenos climáticos.
Nem cito aqui as possíveis manipulações e distorções de dados e informações que contribuem para a narrativa das mudanças climáticas. O simples fato de estarmos inseridos não apenas numa realidade física, mas numa mentalidade que privilegia, até mesmo por uma necessidade prática, a subjetividade em detrimento da experiência ajuda a colocar em questão não só o método científico no estudo do clima como o problema epistemológico que molda e interfere em nossa visão de mundo. É neste caldo, nesta cosmovisão moderna que nascem as teses sobre mudanças climáticas e todas as narrativas que a sustentam.
Não há como fugirmos dos efeitos da mentalidade moderna. Ela está a aí, este é o nosso mundo e a nossa época. Mas sempre devemos botar em parênteses os grandes "consensos" em torno de temas tão complicados, complexos e impossíveis de serem averiguados diretamente. As mudanças climáticas não são acessíveis a olhos vistos e não andam por aí como nossos pés, capazes de pisarem na areia molhada da praia após uma chuva de verão.