(João Paulo II recebendo no Vaticano o Patriarca Bartolomeu I do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, em 29 de junho de 2004.)
Em 25 de maio de 1995, o então Papa João Paulo II divulgou a encíclica Ut Unum Sint (Que Todos Sejam Um) exortando os católicos ao empenho no movimento ecumênico. A encíclica baseia-se principalmente no decreto Unitatis Redintegratio, do Papa Paulo VI, divulgado durante o Concílio Vaticano II em 1964 e que lançou as bases do ecumenismo da Igreja Católica. João Paulo II faz uma série de exortações e desdobra várias ações e análises a respeito do ecumenismo católico, principalmente com relação à Igreja Ortodoxa, principal foco do decreto de seu antecessor.
O movimento ecumênico tem por objetivo edificar uma única igreja visível, neste caso, uma união de todas as igrejas e comunidades cristãs na Igreja Católica. É desejo de Jesus Cristo: "que todos sejam um (...) para que o mundo creia que Tu me enviastes" (Jo 17, 21). As divisões e discórdias são um escândalo que ofende a Deus e dão contratestemunho de Sua palavra.
Uma passagem da encíclica, porém, merece especial atenção por seu profundo significado. Ela pode soar surpreendente para católicos e outros cristãos desavizados ou negligentes com a misericórdia divina. O segundo parágrafo do número 84 da encíclica faz esta afirmação:
"Embora de modo invisível, a comunhão ainda não plena das nossas comunidades está, na verdade, solidamente cimentada na plena comunhão dos santos, isto é, daqueles que, no termo de uma existência fiel à graça, estão em plena comunhão de Cristo glorioso. Estes santos provêm de todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, que lhes abriram a entrada na comunhão da salvação." [grifo meu]
Em outras palavras: há santos de outras igrejas e comunidades cristãs que chegaram ao Céu por meio de seus respectivos grupos, dado que participavam da economia da salvação. João Paulo II lembra em alguns momentos a existência de mártires de outras igrejas, sendo estes os principais testemunhos da existência de uma unidade verdadeira que ainda não se efetivou no seu sentido eclesiológico. As palavras reproduzidas acima são de um Papa canonizado pelo Papa Francisco em abril de 2014. Não é pouca coisa.
Não há heresia alguma aqui. Muito pelo contrário: há uma declaração oficial de reconhecimento da operação da salvação divina por outras igrejas que, por compartilharem princípios básicos da fé em Jesus Cristo, abriram a porta do Céu aos seus fiéis.
O trecho afirma que a unidade almejada pelo ecumenismo já existe no Céu. A unidade dos cristãos é efetiva no plano do Eterno, e esta unidade se dá não só na profissão de uma mesma fé como por dois pilares que a encíclica de João Paulo II e o decreto de Paulo VI exortam continuamente: o amor e a caridade. Não são palavras genéricas e vazias. O primeiro é o ânimo da ação pela unidade, o segundo a própria ação. No Céu, ambos existem de forma plena e, portanto, a divisão entre igrejas não só é desnecessária como contraproducente. São as coisas do mundo que causam a divisão, as paixões e os desentendimentos, alvos preferenciais da ação demoníaca que nos atinge principalmente através da mente atiçando o erro e o orgulho.
"Assim na Terra como no Céu", diz o Pai Nosso. O mundo deve lutar para seguir o exemplo do Paraíso. A unidade, inevitável num contexto onde o amor reina de forma absoluta, é o objetivo no qual mira o ecumenismo. Sempre haverá divergências, dúvidas, questões a resolver, mas é o milagre do Céu operando na Terra que trará a unidade de todos os cristão na Igreja Católica. A unidade é graça do Espírito Santo, que João Paulo II tantas vezes menciona em sua encíclica, e é só através desta graça que mil anos de complicadas divisões e ressentimentos serão superados. Qualquer adendo, desvio ou fórmula mágica para a unidade é mera vaidade humana.