(Estudantes do Ensino Médio em protesto contra o governo de São Paulo. Dezembro de 2015.)
Em 1992, na época do impeachment do então presidente Collor, eu estava na quinta série do primeiro grau (atual sexto ano do Ensino Fundamental). Recordo-me vagamente de questões políticas na sala de aula. Uma delas ocorreu na aula de Português, e a discussão era se a turma e o colégio iriam ou não na passeata dos famosos caras pintadas. O colégio fez greve na ocasião e eu, por alguma razão salvo da influência esquerdista, fiquei em casa.
Na oitava série, a primeira aula de Geografia foi com uma professora muito carismática que emendou, entre outras coisas, sobre os males do capitalismo e as vantagens do socialismo. (Jamais vou esquecer do teatro que ela dissecou por alguns segundos imaginando uma hipotética guerra nuclear entre Estado Unidos e União Soviética. Aquilo foi engraçado.) A aula inteira foi um monólogo, caso raro com pré-adolescentes com os hormônios a milhão. No intervalo, saí convencido de que o socialismo era um sistema melhor. Comentei isto com um colega e ele, com rosto sério, concordou num daqueles poucos momentos em que dois guris de catorze anos discutem um assunto de real importância.
Ao longo dos anos, ouvi por milhares de vezes o enredo do imperialismo europeu nas aulas de História. Estávamos certos de que os grandes capitalistas e os Estado nacionais anexavam o mundo à sua volta unicamente em busca de recursos naturais para suas indústrias. Era a metrópole explorando as colônias. Havia sempre, sempre, sempre e sempre o velho "interesse" por detrás de tudo. Não havia ato na História humana que não tivesse "interesse". A humanidade se desenvolveu com base no egoísmo ao ponto dos europeus, depois de conquistarem quase todo o mundo, voltarem seus egos uns contra os outros para se matarem mutuamente. Por duas vezes. Na primeira, surgiu uma idílica Revolução Russa; na segunda, a culpa recaiu exclusivamente na "extrema-direita".
Eu tornei-me um esquerdista no último ano do colégio, quando da minha primeira eleição (1998), levado pela alegria de me tornar mais um dos tantos adeptos da esquerda. Estudava num escola particular cara de Porto Alegre, onde a grande maioria dos que se manifestavam publicamente eram também de esquerda, principalmente simpatizantes do PT. Engana-se quem pensa que o PT cresceu com o povo. Não. Cresceu com a elite, tanto é que foi na minha cidade, uma das mais desenvolvidas do país na época, que o partido logrou suas maiores vitórias. Votei no Tarso Genro para prefeito em 2000, mas daí em diante fui saindo deste espectro político.
Quando fiz a faculdade de Geografia na UFRGS para me tornar bacharel, tive um professor que se declarava "anarquista cristão" e lecionava, se não me falhe a memória, Estudos Populacionais em Geografia. Deveríamos aprender sobre natalidade, mortalidade, mudanças demográficas, os impactos destas mudanças na sociedade e coisas do tipo, mas tivemos, única e exclusivamente, textos críticos ao capitalismo e do próprio Karl Marx. A coisa foi tão constrangedora que meu colegas (que não eram nada direitistas) pediram para que o professor entrasse no tema da disciplina, e como resultado ele passou a emendar tabelas demográficas nos textos que distribuía. Em certa ocasião, chegamos a um impasse que resultou num profundo silêncio em sala de aula. Nós e o professor ficamos em silêncio absoluto. Por vinte minutos.
Anos mais tarde, quando lecionei Geografia em algumas escolas particulares, pude conferir de perto o que diziam os livros da área. De forma geral, eles apresentavam uma certa aceitação do capitalismo e da globalização, mas sempre com viés crítico do tipo "foi o que sobrou e temos de lidar com isso". Derrubada a falsa dicotomia capitalismo X socialismo o mundo entrava numa era de desigualdades, xenofobia e extremismo. Talvez fosse melhor a era da ameaça da guerra nuclear, que, todos sabemos, não seria a piada da professora da oitava série.
O problema da ideologização da educação não está numa doutrinação, mas numa cultura, numa mentalidade que vê o mundo torto dominado por "interesses capitalistas". Ela vicia a mente em chavões e obscurece a consciência formando aquilo que Eric Voegelin chama de "segunda realidade". O mundo real (primeira realidade) é filtrado e lido segundo a cosmovisão da segunda. Na cultura ou mentalidade de nossa educação tudo é interesse, tudo é dinheiro, tudo é capitalismo, tudo é a desigualdade que está aí, agora também na cor, no estilo de vida e (por que não?) no sexo de sua filha. Não sei a solução para tudo isso, ou se a chamada Escola Sem Partido tem algo a oferecer como resposta. É, como dizia o nome do blog de um amigo, nadar "contra a maré vermelha" tendo a consciência clara de que o que você pensa é de sua experiência da realidade e não de abstrações originadas da militância política de esquerda. Isto é resistência.
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