sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A vida em dois tempos


          Na quarta-feira passada, dia 21, participei com meu grupo de oração, o São José, do Cerco de Jericó. O evento, que originalmente dura sete dias, foi feito em apenas pouco mais de seis horas, contando aí as duas missas de início e fim do cerco. Realizamos sete caminhadas por dentro da nave da Igreja Nossa Senhora da Paz em Porto Alegre reproduzindo os sete dias do cerco à cidade de Jericó conforme relata o Antigo Testamento. 

          Enquanto realizávamos as orações e fazíamos as caminhadas com o Santíssimo Sacramento nas mãos do sacerdote não percebíamos a passagem do tempo. O dia que começara fresco ficava quente, mas o ar-condicionado da nave (um luxo que recentemente tem se espalhado por algumas igrejas da cidade) impedia de sentirmos a temperatura que subia do lado de fora. Mal ouvíamos o barulho do trânsito na avenida à frente, estávamos absorvidos no ciclo de orações e caminhadas e não nos preocupávamos com as coisas do dia-a-dia. 

          Nosso Cerco de Jericó era um microcosmo da vida espiritual. Não quero entrar aqui no sentido que o cerco possui no Antigo Testamento, sobre o qual as orações são feitas, mas na experiência deste evento. Cercados pelas paredes da igreja, estávamos todos desligados do mundo em seu sentido amplo: não tínhamos percepção do tempo, não sabíamos o que acontecia do lado de fora e, em princípio, não estávamos preocupados com ninguém. "Preocupados" aqui quero dizer absorvidos com problemas que envolvem terceiros, como compromissos marcados, problemas de casa ou sentimentos dominadores projetados em outras pessoas.

          Esta experiência era como estar no Céu, mais especificamente no plano da eternidade. No Eterno não há tempo. Todos os tempos, passados, presente e futuros possíveis, estão lá dispostos de forma simultânea. Eles não passam, simplesmente estão presentes no que chamamos de "eterno presente de Deus". Ao menos tempo, estávamos desligados dos acontecimentos e obrigações humanas, que de nada servem para as almas que daqui já partiram, dado que elas não podem cumprir compromissos e acumulam sofrimentos se apegadas ao mundo que deixaram para trás. Da mesma forma, os sentidos estavam desligados da variação da temperatura externa e absorvidos no ritual cíclico que, no final das contas, reatualizava constantemente a presença de Deus através de Seu Corpo na eucaristia. 

          Na igreja estávamos no Céu. Ao passar sua porta da entrada ali estava o mundo. A igreja cercada pela cidade representava o inverso de sua dimensão física: ela era o plano infinito que abraçava a cidade, que abraçava o mundo inteiro. Este infinito é o eterno que não passa. Ele sempre é, enquanto o mundo, forjado nas lutas da História Humana, passa e um dia chegará ao fim. Mas só o Pai sabe quando.

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