domingo, 4 de novembro de 2018

A ilusão do poder

(Arco do Triunfo em Paris: símbolo da Revolução Francesa, que deu origem ao modelo de Estado moderno adotado no mundo todo.)

          Encerrada a guerra das eleições, resta-nos, além de monitorar e fazer pressão no novo governo quando necessário, tocar a vida adiante. A política é uma das faces de nosso cotidiano. Ainda que ela permeie cada vez mais nossos afazeres, ela não é nosso dia-a-dia.

          Nosso dia-a-dia é o levantar, arrumar a cama, falar com as pessoas da família em casa, trabalhar, ir ao mercado, manter as amizades e cuidar um pouco da saúde (e também da aparência, por que não?). Mas vivemos numa época em que a política parece que resolverá tudo, como se devêssemos ter o líder ideal, mais que um salvador da pátria, um salvador da humanidade a guiar seu povo no caminho sonhado em direção ao Paraíso terrestre.

          Na era das democracias (ou seja lá o que isso signifique realmente), acreditamos que o Estado e a legislação trarão tanta alegria e felicidade como outrora o "ideal" comunista prometeu. Pior: ainda promete. Porque a mentalidade do Estado totalizador da vida humana, ainda que nas suas vestes de Estado de direito, insiste em prometer o que não pode dar. Porque quanto mais direitos, mais deveres e mais pessoas obrigadas a trabalhar para a realização desses direitos pela força da lei. Se isso não é totalitarismo, não sei o que é. 

         Seja nos moldes do Estado comunista, fascista ou liberal, o Estado moderno cresce e vive às custas de uma esperança da vida pós-morte que a modernidade colocou para além de nosso horizonte cotidiano. Na obra "Rumor de Anjos", Peter Berger afirma que um dos efeitos mais espantosos da secularização, isto é, a subtração de expressões e símbolos religiosos da sociedade, é a eliminação da ideia da morte. A vida moderna fez o homem voltar-se apenas às coisas do mundo. Relegado o plano da transcendência ao esquecimento, surgem as coisas meramente cotidianas como totalizadoras da vida, dentro das quais o Estado é o principal ator a nível coletivo, o condutor da sociedade. Assim como a técnica busca dominar a natureza, o Estado busca dominar a vida humana, guiando-a para a perfeição segundo suas diretrizes e os planos ideológicos de seus mentores e administradores. A utopia floresce na mente dos que se colocam na direção do mundo, que caminha rumo ao desconhecido e, por isto mesmo, ao fracasso. 

          Enquanto levamos nosso dia-a-dia adiante continuamos a viver no crescente domínio do poder político sobre nossas vidas, cada vez mais dependentes dos meios modernos de vivência. É paradoxal que vivamos como se a política não existisse ao mesmo tempo em que esperemos tudo dela. Talvez este seja um caminho: viver como se o governo não existisse, como se a política fosse irrelevante, como se o Estado fosse uma ficção. Cumprindo sempre os deveres legais, mas menosprezando-os como meramente legais. Desenvolvendo uma vida interior ativa e vigorosa que forneça a consciência pessoal e espiritual de nosso papel no mundo. Afinal, um dia nós nascemos sem necessitarmos disso, e após a morte romperemos com a ilusão totalizadora do mundo, deixando posses, poderes e ideologias para trás.      

          

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