Em 1999 ingressei na faculdade de Geografia da UFRGS. Como muitas outras pessoas que conheci, foi lá que entrei em contato com a política, de esquerda, claro, que é o espectro quase hegemônico no meio universitário. Meu interesse pelo tema surgira pouco tempo antes, nas eleições presidenciais de 1998.
A mentalidade não era meramente de esquerda, e sim especificamente marxista. Nas discussões e estudos em aula, que variavam da epistemologia da ciência à geografia econômica, o marxismo era a visão mais comum, bem como a preferência política de parte dos colegas (pelo menos os mais ativos, já que muitos apenas consentiam com essas preferências ou não se envolviam publicamente nas discussões). Com o passar do tempo, fui me moldando às mesmas opiniões correntes, não por convicção real a elas, mas no fundo pela necessidade de integrar-me à turma.
Sempre fui meio excêntrico em sala de aula. Primeiro porque fazia o estereótipo do burguês, dada minha condição de vida, e sempre fui muito imaturo e, confesso, de comportamento por vezes inconveniente. Mas nunca abracei totalmente o marxismo. Primeiro porque eu não era o tipo social, propagado pelo chamado "marxismo vulgar", do proletário, do pobre, das classes dominadas. Eu estava do outro lado, vivia num bairro nobre ao lado de um shopping center. Como poderia eu ter a consciência de classe que só era possível em meio à classe a qual eu não pertencia? O máximo que consegui foi declarar-me socialista e anticapitalista, sempre de forma forçosa ou ilusória, e numa ocasião estive numa reunião do PCdoB (sim, cometi este disparate) onde minha única intervenção na discussão versou sobre... o livre-arbítrio. De fato não era o meu lugar.
(Por muito tempo nunca soube dizer porque, mas sempre tomei como absurda a ideia de que tudo o que existe é determinado pelas forças materiais, inclusive o comportamento humano.)
Mas a minha grande resistência ao marxismo não estava na minha condição social em conflito com seu discurso. Estava na minha crença em Deus. Era comum eu mencionar Deus em sala de aula e mesmo em alguns trabalhos, e me tornava excêntrico por isto também (certamente muitos colegas compartilhavam da mesma crença, mas não expunham isto em público). Era estranho que eu reunisse ao mesmo tempo a condição de membro da burguesia (segundo seu estereótipo) e a preferência pelo marxismo, mas era insuportável que a vida se resumisse ao materialismo. Quando lia os textos que explicavam a emergência da consciência humana a partir das questões socioeconômicas o que eu via não era uma explicação dos fatos, e sim o fechamento de toda a dimensão existencial no processo histórico materialista. Meu sentimento não era de desconforto. Era de loucura. Jamais aceitei que a vida se resumisse à dimensão material. O processo histórico contido na dialética materialista soava completamente absurdo. Eu não era uma simples peça numa engrenagem muito maior, e sabia disso. Minha grande resistência estava na incompatibilidade entre a cosmovisão materialista e minha dimensão interior, não material e insondável por excelência. Refletia sobre o tema com frequência e me perguntava: seria a minha vida familiar um jogo das forças econômicas? Meu pai e minha mãe são meu pai e minha mãe única e exclusivamente devido ao sistema, ou seja, não me amam? Estão ali por interesse de classe? E meus pensamentos, vêm de onde? Seriam eles uma ilusão abstrata criada pela química cerebral, e esta submetida (sabe-se lá como) à minha condição socioeconômica? Sendo assim, qual era a relação entre as forças econômicas com meu corpo físico e meu cérebro? E como poderia a matéria gerar abstrações? Eu tinha que ser completamente louco para abraçar isto, e dada a minha personalidade eu teria de mergulhar fundo na "mística" marxista. E esta mística é loucura. Não me dedico a nada que não seja de coração: ou eu seria marxista verdadeiro, com todas as convicções que este pensamento exige, ou teria de buscar outro caminho
(Olavo de Carvalho em sua casa na Virgína, EUA.)
Comecei a sair deste imbróglio no ano 2000. Tudo começou quando eu estava numa academia de musculação no clube da Sogipa aquecendo na bicicleta ergométrica e conversando com um de meus colegas de faculdade que também frequentava o local. Na ocasião ele me indicou a leitura de um colunista da revista Época. Me mostrou a revista e apontou para o texto. "Leia esse cara", disse mais ou menos com essas palavras. O nome dele era Olavo de Carvalho. O mais curioso é que o texto do Olavo falava justamente sobre o marxismo, e no canto inferior esquerdo da página havia uma imagem de Karl Marx portando uma vistosa flor. Ambos eram referências da hipocrisia marxista: os críticos do capital seriam os seus adoradores mais apaixonados. Passou um tempo para que eu começasse a ler suas colunas no jornal Zero Hora, e o que mais chamou minha atenção nos primeiros textos foram suas análises críticas do ensino universitário brasileiro dominado pelos marxistas. Havia muito de verdade ali. O que eu lia do Olavo eu
via no dia-a-dia, e desde então passei a ser seu assíduo leitor.
A maior prova de que Olavo estava certo na sua crítica veio em 2003, quando escrevi meu trabalho de conclusão. Eu quis utilizar seus artigos como parte da discussão, mas meu orientador o
censurou. Duas vezes. Não me recordo da primeira rejeição, apenas que ele justificou sua atitude de maneira formal, mas quando insisti em usa-lo na monografia meu orientador o proibiu definitivamente e justificou dizendo que o Olavo fazia seu trabalho "por dinheiro". Ó raios, se ele quisesse dinheiro não seria melhor que ele abrisse uma padaria ao invés de ser filósofo? Na época eu não percebi a estupidez do argumento, mas a atitude do orientador era a encarnação daquilo que Olavo criticava na academia. Poucas vezes o jargão "Olavo tem razão" foi tão verdadeiro como naquela ocasião.
Há inúmeros relatos de pessoas que abandonaram o marxismo e as ideias da esquerda por influência do Olavo de Carvalho. Outras se converteram ou retornaram ao catolicismo. Este foi meu caso. Olavo é um dos principais responsáveis pelo meu retorno à Igreja Católica, que ocorreu em 2008, graças aos seus trabalhos e estudos sobre o que chamamos de "religião". Desde então voltei a frequentar as missas e ingressei num grupo de oração, de onde nunca mais saí. Um dia contarei esta virada com calma.
Em meados de 2002 minha simpatia pelo marxismo foi embora definitivamente. Para nunca mais voltar.
p.s.: não me recordo exatamente o texto do Olavo de Carvalho que li em 2000. Está
nesta lista.