(Budapeste, arrasada ao fim da Segunda Guerra: efeitos de um conflito que afetam a humanidade inteira.)
Estou lendo o livro "O fim do Século XX", do historiador húngaro-americano John Lukacs. No capítulo "Entre dois Mundos", Lukacs inicia relatando seu retorno à Hungria 44 anos depois. Ele fora convidado, junto com seu amigo e sacerdote Béla Varga, a comparecer na sessão de abertura do Parlamento Húngaro em 2 de maio de 1990. Ambos eram amigos e parentes próximos de alguns membros do novo governo húngaro. Béla faria o discurso, e Lukacs, seu amigo famoso, iria junto acompanha-lo. No relato segue-se o testemunho de um homem que, fugindo da opressão comunista, voltava à sua terra natal e refletia sobre sua vida nos EUA e seu passado na Europa. Daí os "dois mundos" de seu livro.
Imediatamente minha mente me projetou na mesma situação. E se fosse eu, e não Lukacs (ou Béla) a ter de falar em público num evento desta importância? E com alguma autoridade dada pelos acontecimentos? O que eu diria? Não pretendo detalhar aqui um discurso ou todo o meu pensamento, mas não foge à minha memória o pouco conhecimento de que tenho da matança que se abateu sobre a Europa na Segunda Guerra e a repressão comunista que veio em seguida.
(Edifício do Parlamento Húngaro, em Budapeste, onde passa parte do relato de John Lukacs.)
Logo me pus a pensar no universo de almas lançadas ao purgatório. Pelo menos 60 milhões na Guerra e 2 milhões dos regimes comunistas do Leste Europeu (nem falo da Rússia e da China, que jogam esta cifra aos cem). É um universo de almas a clamar por ajuda. Quando pedimos pela vida de alguém que se foi, anjos e santos de movem para resgata-las para um estágio superior, um estado da alma mais luminoso.
Cá eu com meus pensamentos: todos esses acontecimento históricos separam a todos nós. Fora um período de 1999 quando recebi em minha casa um húngaro de intercâmbio, muito provavelmente não vou conhecer na intimidade alguém que viva na Hungria, menos ainda seus antepassados. Assim será com a esmagadora maioria das pessoas da face da Terra.
(O plano da eternidade vincula todos de todos os lugares e todas as épocas.)
Mas na eternidade não há tempo, como não há lugar. Não há nação. Por isto mesmo nós, aqui no Brasil, não estamos magicamente imunes aos acontecimentos de outro continente. As almas que clamam nossa ajuda não são apenas as de nossos familiares: são os que pereceram na guerra e na repressão, nos hospitais de cidades distantes, nas cabanas do interior da Ásia. Todos nós, pela comunhão dos santos, estamos vinculados uns aos outros num plano onde não há distância. O Brasil está, sim, ligado a todos os que se foram. Eu e você também. E este clamor nos "pesa", nos faz responsáveis por aqueles que podemos ajudar, mesmo que com uma simples oração. Por isso mesmo quando alguém reza para Nossa Senhora Ela não se ausenta das almas que resgata, nem de outros que chamam Seu nome em outro lugar do mundo. Ela está, por graça divina, em todos estes lugares simultaneamente. Na eternidade não há lugar, distâncias ou fronteiras. Não há espaço, no sentido físico e geográfico: há apenas uma figura onde todos os lugares se apresentam de forma plena e simultânea. Nossa Senhora ouve minhas orações assim como aquelas que ressoam dos confins do universo ou das casas de Budapeste.
Fazemos parte da mesma História, plano único dividido pelas contingências do Cosmo e do mundo, mas unidos pela raiz criadora. Por isso mesmo somos responsáveis por todos os que aqui estão ou um dia estiveram. Estamos vinculados uns aos outros pelo amor divino e pela identidade única, a Pátria Celeste, a Casa do Pai. A História um dia passará. O amor de Deus jamais.
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