(Cristo Redentor e Maracanã: símbolos de um país.)
Uma das coisas que mais me impressiona no Brasil é a capacidade do futebol de mobilizar as pessoas. Neste exato momento em que escrevo ouço o foguetório de torcedores do Grêmio comemorando a vitória do time contra o Barcelona do Equador pela Libertadores da América. Há poucas horas eu estava num encontro com amigos, e um dos temas que agitavam a conversa era o jogo, e depois alguns foram embora para acompanhar a partida.
Isto não é nada se comparado ao que acontece na Copa do Mundo. Me recordo da Copa de 1994, época em que eu era aluno do ensino fundamental, quando as aulas era suspensas no meio da tarde para todos acompanharem os jogos do Brasil. Também me recordo, na Copa de 2006, quando andava a pé por uma avenida de Porto Alegre em direção ao Centro com parte da cidade engarrafada antes das 16 h devido à pressa das pessoas para assistir ao jogo do Brasil contra o Japão. Outro episódio interessante foi em 2010: exatamente num dos jogos da nossa seleção eu estava deitado num divã numa sessão de psicanálise. Enquanto o Brasil mergulhava nos campos da África do Sul, eu mergulhava no meu inconsciente. Apesar da tentação de querer assistir ao jogo e me submergir na emoção da massa eu sabia dos efeitos duradouros do trabalho que na época realizava.
(Rua da Manaus enfeitada para a Copa de 2014: mobilização em massa em torno do futebol.)
Olavo de Carvalho acertou em cheio quando afirmou em um de seus podcasts no Blog Talk Radio que o Brasil não é um país, mas um clube. Uma sociedade que carece de coesão compensa sua carência emocional e sua falta de unidade num apego superficial e num ufanismo tosco, que pode ser tanto os louvores à Floresta Amazônica quando à seleção brasileira de futebol. Esta carência emocional também se apresenta no poder. Para Gilberto Freyre, a sociedade brasileira é uma espécie de corpo mole que carece de uma estrutura, uma firmeza que garanta ordem e capacidade de mobilização. É também um povo com gosto pelo sadismo, o vitimismo e o sacrifício exagerado. Daí a necessidade do brasileiro de um poder, uma mão de ferro que venha lhe guiar e ao mesmo tempo justificar seu caráter sofrido, como comenta o sociólogo recifense em Casa-Grande & Senzala:
"...no íntimo, o que o grosso do que se pode chamar de 'povo brasileiro' ainda goza é a pressão sobre ele de um governo másculo e corajosamente autocrático.
Por outro lado, a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado de 'princípio de Autoridade' ou 'defesa da Ordem'". (p. 114)
O futebol ajuda a compensar em parte esta falta de unidade ao mesmo tempo em que mexe e justifica a carência emocional do povo. Sentimo-nos como participantes de uma emoção comum, uma nação que se entorpece emocionalmente com os desafios e as conquistas de um time. Na falta de um objetivo comum, de uma imagem de país, de um plano para o futuro, de um verdadeiro sentimento comum em torno destes princípios (veremos que Max Weber definiu "nação" como uma "espécie particular de comoção" e Benedict Anderson como uma representação cultural, mas ambos concordam no compartilhamento de valores e num destino político comum), cabe a nós nos apegarmos ao que nos resta ou ao que achamos ser importante, mesmo que seja evidentemente banal.
Enquanto faltar uma alta cultura que dê ao povo brasileiro uma verdadeira imagem de si mesmo, continuaremos no apego às caricaturas passageiras. Não há nenhum problema em gostar ou mesmo se mobilizar pelo futebol (eu tenho um time para o qual torço e dificilmente perco os jogos da Copa do Mundo), mas há de se perguntar por que algo tão fugaz e superficial é capaz de mobilizar e mexer tanto com a maioria das pessoas de forma que nenhum outro poder é capaz de fazer. Carecemos não só de sentimentos verdadeiros, mas sentimentos profundos, um vínculo que nos faça sentir parte de uma família que lute diariamente para honrar a camisa que veste. Uma nação é muito mais do que uma "pátria de chuteiras" ou um clube: é o sentimento de pertença a um grupo que compartilha dos mesmos valores e olha para o seu destino como um projeto comum a todos, muito além dos noventa minutos de jogo.