No último dia 11 de outubro, escrevi a seguinte mensagem no Facebook:
"As pessoas imaginam que o oposto do amor é o ódio. Não é. O oposto é o desprezo. Não há coisa pior no mundo do que alguém, a não ser por uma razão muito justa, lhe dar as costas de graça, por besteira ou mesmo por má índole. Confesso que há uma pessoa que faz isto comigo toda a vez que me vê, não por má índole, mas sem razão clara. Prefiro não especular o real motivo da atitude, mas ponho a mão no fogo: é uma sensação absolutamente horrível, que exige de nós uma defesa psicológica e espiritual firme e, dependendo da situação, uma esforço recíproco de indiferença. Do contrário o sentimento é de ser simplesmente destruído, de aniquilação interior completa, e o que é pior, de graça, sem motivo algum. Não é à toa que no inferno Deus não fica nos torturando: Ele simplesmente está ausente. O que mata é a falta de amor, o total desprezo. É a coisa mais triste de nossa existência."
Santo Agostinho já dizia que o Mal não é uma substância: é a ausência do Bem. Por isso mesmo a ação do demônio, mais do que querer nos dominar com sua presença maléfica, tem como principal objetivo nos afastar de Deus. Mesmo porque o inimigo não pode agir onde Deus está presente, ou pelo menos ativo, o que implicaria na Sua presença. A ausência do Bem, a perda completa da presença divina, é a ausência do amor, já que o amor pressupõe o desejo de união. Só ali o demônio pode habitar em definitivo.
Quando alguém diz "eu te amo" esta pessoa está dizendo "quero ser um contigo"; quando esta mesma pessoa diz "eu te odeio" ela pode até desejar sua ausência, mas precisa de você para externar seu ódio. Você precisa estar presente. Mas a ignorância é um mal que está em outro patamar: quando alguém ignora o outro solenemente, seja fingindo a sua ausência, dando-lhe às costas, desviando o olhar ou agindo com total e absoluta indiferença, o que temos aí não é o amor que deseja a união, nem mesmo o ódio que exige que seu adversário esteja presente: aí temos o nada, o não-presente, o não-ser, a negação absoluta, o oposto da existência. É um não-sentimento, uma não-ação, o Bem que se ausenta por completo. A ausência do Absoluto, do Eterno, de Deus. Em suma: o inferno.
(A espanhola Teresa d´Ávila, santa e doutora da Igreja: experiências místicas essenciais para entender a relação do homem com o mundo espiritual, de Deus aos demônios.)
Santa Teresa D´Ávila descreveu sua experiência mística do inferno em O Livro da Vida, autobiografia onde apresenta várias de suas experiências místicas e espirituais. Depois de descrever o local que os demônios estavam preparando caso fosse condenada (um buraco encravado na parede) e como seriam as dores do corpo (dado que a alma tem estes registros), a santa destaca as dores da alma, que considera infinitamente piores do que as primeiras:
"Pois então, isso não é nada em comparação com a agonia da alma. Um aperto, um sufocamento, uma aflição tão sensível e com tão desesperada e aflita tristeza que não sei como explicar. Porque dizer que é como estar sempre arrancando a alma é pouco, porque ainda pareceria que outro é que acaba com a vida. Mas aí é a própria alma que despedaça." (p. 297, capítulo 32)
Não é coincidência que meu relato utiliza "destruição" e "aniquilação interior" para descrever uma recente experiência de desprezo, assim como Santa Teresa fala que a alma se "despedaça" ao estar no inferno. Primeiro porque já havia lido o livro dela em 2011 e segundo porque, ao escrever a mensagem, lembrei deste trecho, que é a melhor tradução possível para expressar o sentimento de ser solenemente ignorado por alguém que se tinha uma relação íntima até pouco tempo e, sem saber exatamente porque, resolveu fingir que você está numa cova. A sensação é absolutamente horrível, um misto de agonia e tristeza que não possui saída e acaba por quebrar as nossas pernas. Guardadas as proporções, este é o sentimento, esta é a situação de alguém que lhe dá as costas e lhe trata como nada, no sentido mais estrito da palavra. É uma dor sem saída e aparentemente sem fim, um microcosmo do inferno.
Por isso é tão importante e crucial o tratamento decente para com o próximo, o cumprimento do segundo mandamento. É ali que Deus habita, e por isto mesmo Jesus Cristo ensina que o primeiro e segundo mandamentos estão unidos num só: onde há Deus não há ignorância; onde há amor ao próximo Deus necessariamente ali está se manifestando de forma que você e seu próximo sejam um. O que fere uma pessoa não é necessariamente o ataque, mas a ignorância, uma agressão infinitamente mais poderosa do que o ódio e um antídoto perfeito à presença divina.
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