Ao longo de toda a minha vida pensei que a atividade profissional tivesse como objetivo principal "fazer o que se gosta". Demorei muito para ver que isto não era verdade. Pior: arraiguei em minha mente a ideia de que o único trabalho viável era aquele vinculado a este gosto ou a uma necessidade intrínseca. De fato, o trabalho é vinculado a uma necessidade (quem não trabalha não come ou depende do trabalho dos outros), mas isto não tem nada a ver com o gosto daquilo que se faz. Prazer e necessidade estão dissociados, e é melhor trabalhar com desgosto para matar a fome do que morrer de inanição enquanto se evita um ato desagradável.
É muito provável que a maioria das pessoas já tenha alguma vez se perguntado "de onde veio tudo isso?" enquanto olhava para sua cidade, o local em que vivia ou as paisagens que avistava. Tudo depende estritamente do esforço humano. Esta é uma das ideias base da obra A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset: o mundo que "está aí" só está aí por um enorme esforço combinado de gerações passadas ao qual o homem médio moderno, o "senhorzinho satisfeito", ignora e dá pouca importância. É muito fácil desrespeitar as leis quando não se tem em mente que o esforço de se organizar uma sociedade, cuja ordem está formalmente expressa nas leis, é o que mantém de pé a sociedade na qual vivemos. Se alguém assalta uma loja ou joga lixo no chão é porque ignora, guardada as devidas proporções, o esforço combinado para que um produto chegue a uma prateleira ou o trabalho organizado de dezenas de pessoas para manter o ambiente minimamente belo e agradável.
(Hong Kong, uma das cidades mais ricas e desenvolvidas no mundo. Grande esforço sem sentido?)
Toda a vida que possuímos depende de uma combinação de esforços dos antepassados, muitos deles desagradáveis e impostos pelas suas próprias escolhas. O conforto é, no fundo, uma ilusão fundamentada no esforço precedente. Mas as pessoas das gerações passadas escolheram isso, e as pessoas de hoje também. É a vida voltada à busca do conforto, da posse, da criação de riqueza para o bem-estar físico e mental, para o prazer, para a misteriosa "felicidade", para o progresso cuja grande realização foi dar à humanidade um maior domínio sobre a natureza e satisfazer os desejos mais profundamente humanos. Vivemos a "era burguesa" do livro O Fim de Uma Era, de John Lukacs. Para o historiador húngaro, a ideia de um progresso histórico baseado no desenvolvimento da ciência desembocou no mundo atual, como se a ciência pudesse se desenvolver de forma cumulativa e linear, levando o mundo sempre "para frente" e "superando" os tempos passados. Mas este mundo, como bem coloca, está em cheque. Não porque o trabalho para a conquista deste mundo desenvolvido seja desagradável, mas porque o domínio da natureza e da própria condição humana tem seus limites.
O trabalho não é só prazer, muito pelo contrário, mas também não é puramente um esforço em direção ao progresso, à conquista do conforto e à realização de nossos desejos. No dia-a-dia vivemos a contradição de que quanto mais nos esforçamos no trabalho mais desejamos o seu fim, ao exemplo celebrado final de semana, como se o trabalho fosse intrinsecamente ruim e o ócio bom. O trabalho é um esforço por algo maior, maior mesmo do que a própria necessidade de sobrevivência ou a posse de fortunas. Afinal, que sentido há numa atividade que se resume a pastar para comer ou conquistar conforto em nome do prazer? O corpo morrerá e todos os bens aqui ficarão. A alma que um dia habitou a Terra irá embora sem os espólios de seu esforço.
Creio que o trabalho seja um sacrifício para a Eternidade. É para o Alto que nossos corpos devem se dobrar, mesmo porque nem mesmo nossos corpos são nossos, e nossos esforços se resumirão a uma fagulha frente ao Mistério que abrange e se perde nos confins de nossa existência mundana.
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