Nesta semana estive no aeroporto de Porto Alegre. Meu irmão e a cunhada estavam de viagem marcada para voltar à Londres. Alguns contratempos seguraram os dois por uma hora no check-in, enquanto eu, minha mãe, a mãe da cunhada e um amigo dela ficávamos conversando no saguão. Eu, como de costume, muito mais quieto do que tagarelo.
O único estabelecimento comercial que realmente chama minha atenção quando estou disperso ou a passeio é uma livraria ou uma banca de revistas. Durante a conversa olhei para um canto do saguão do aeroporto onde havia uma grande banca, mas ela não estava mais lá. No lugar havia uma farmácia. Uma livraria nova, e bem menor, foi aberta ao lado num compartimento construído para este fim.
Já tinha visto esta mudança há meses atrás, mas só agora percebi seu significado. Muito sugestivo que no lugar dos livros e revistas apareçam remédios. Muito ouvimos falar de doenças, pessoas doentes, sofrimentos devido à saúde, etc, e muitos testemunhos tenho recebido por parte de pessoas que têm parentes em sofrimentos ou mesmo em situações de risco de vida.
Eu participo de um grupo de oração católico há nove anos, sendo cinco como membro ativo, cujo carisma é cura e libertação. Quando tratamos de cura, abrangemos as dimensões espiritual, mental e física, e é natural, portanto, que eu tome conhecimento de um grande número de pessoas que estejam fisicamente doentes. As doenças do corpo são as que mais chamam a atenção por serem visíveis: podemos ver claramente quando alguém está doente, ao passo que doenças mentais (psicológicas) e principalmente espirituais (noológicas) não saltam aos nossos olhos. Muitas doenças, conforme mostra a psicóloga Renate J. de Moraes, fundadora da Terapia de Integração Pessoal (TIP) através da técnica da Abordagem Direta do Inconsciente (ADI) e cujas ideias estão expostas no seu livro
"As Chaves do Inconsciente", são de caráter noopsicosomáticas, ou seja, têm raíz espiritual, afetam o psicológico e, por fim, somatizam no corpo.
(O mencionado livro da Renate, falecida em 2013.)
A quantidade e a gravidade das doenças de que temos notícias impressionam: todas as semanas há pelo menos um ou dois relatos de pessoas que realizam cirurgias e casos de câncer, doença grave mais recorrente. E pior: alguns casos são de crianças e adolescentes, sendo isto muito mais comum do que se imagina. Muitos dos pedidos de oração chegam por e-mail ao alcance de algumas centenas de pessoas. Como o grupo possui algo como pouco mais de cem membros, é de se esperar que alguns milhares tenham acesso a alguém que envie os pedidos. De qualquer forma, é evidente, por simples probabilidade, que muitos casos não cheguem ao conhecimento do grupo e não são orados. Além dos casos de doenças graves de que tomamos conhecimento, provavelmente há muitos outros que não são sequer divulgados por razões desconhecidas.
No período em que lecionei em escolas, fui testemunha de alguns alunos que possuíam doenças graves ou que tomavam medicações pesadas. Recordo-me de um aluna que era doente desde nascimento, a quem tinha um carinho especial, quase como uma filha; em outro caso, atuando como professor particular, tive um aluna que tomava medicações para concentração e que alegava ter visões em casa, e numa das aulas ela estava visivelmente alterada por efeito da medicação; também conheci alguns alunos evidentemente depressivos em sala de aula e, como de costume, muitos carregavam graves problemas familiares e tomavam medicações.
Mesmo que este meu panorama seja impreciso, é assustador o sofrimento que há por trás dos rostos de muitas pessoas, sendo que algumas sequer têm idade para compreender a gravidade da situação em que vivem.
Eu realizei anos de psicanálise e dois da TIP que mencionei acima. No meu grupo de oração tive um punhado de libertações, cujos efeitos podiam ser sentidos nas horas seguintes depois de recebê-la, inclusive no corpo. Mas um elemento chave para essa minha mudança de vida (um dia posso contar isso com mais calma) foi a aquisição de conhecimento pela leitura. Por aproximadamente oito anos li livros e artigos com a intenção quase exclusiva de encontrar respostas para mim e para o mundo. Foi através da leitura que me aproximei da Igreja Católica e tive minha reconversão, como
demonstrei num texto anterior. Foi também o meio pelo qual busquei orientações em minha vida pessoal e capacidade de expressão para o que eu vivia e sentia. Foi a leitura, enfim, que me fez compreender a existência de uma coisa chamada realidade (os escritos de
Olavo de Carvalho foram determinantes neste sentido) e que eu poderia, através de uma ação espiritual, agir sobre ela. Para mim não há dissociação entre fé e concretude, entre o espírito e o mundo. Ambos interagem num
continuum e ampliam nossa liberdade de agir para nossa cura física, mental e espiritual, além de permitir alcançarmos nossa realização pessoal nas diversas dimensões da vida.
É evidente que uma vida espiritual não é razão para o abandono da medicina moderna. Ambos caminham juntos, e medicações estão aí para isso. Mas é sugestivo que num tempo de enorme pressão, instabilidade e incerteza as pessoas abandonem um meio de cura para se voltarem aos avanços da medicina sem atentarem para a raíz dos problemas. É muito mais fácil (e também mais urgente) buscar soluções práticas do que trabalhar a vida pessoal e interior para arrancar as raízes profundas de nossos males pessoais. Por isso minha atenção ao fim da banca de revistas no aeroporto e sua substituição pele farmácia: eu tive nos livros um meio de me aproximar dos meus problemas e mistérios mais profundos. Daí para a vida espiritual, para a fé católica, para Deus, para a busca de uma paz verdadeira, foi um salto. O problema é que muita gente não tem mais tempo para isso, e num tempo marcado pela confusão e desorientação talvez nem saibam o que acontece com elas. O tempo urge, e a saúde e a paz não podem esperar.