Em maio do ano passado publiquei no Facebook a notícia sobre uma declaração do Papa Francisco onde ele lançava uma crítica às pessoas que ajudam animais mas são indiferentes ao sofrimento alheio: "Quantas vezes vemos pessoas que cuidam de gatos e cães e depois deixam sem ajuda o vizinho que passa fome? Não se pode confundir com a compaixão pelos animais, que exagera no interesse para com eles, enquanto fica indiferente perante o sofrimento do próximo”, disse. Seu foco era a distinção entre a verdadeira caridade e a comiseração, um sentimentalismo superficial que expõe uma caridade falsa. O exemplo dado pelo Papa recebeu minha aprovação explícita com a alcunha "Boa, Santo Padre!"
A declaração teve grande repercussão na imprensa e despertou a fúria de muita gente (o que já era esperado por seu conteúdo).
Algum tempo depois da minha publicação, uma "amiga" fez duas grandes postagem no meu perfil começando com a palavra "lamentável", dizendo que o trabalho de ajuda a animais que realizava não a obrigava a ajudar pessoas e que já fora muito julgada por este tipo de crítica, que afirmava ser um falso dilema. Mas sua crítica estava errada. Francisco não condenou as pessoas e sim deu um exemplo para diferenciar caridade de comiseração, e ainda assim este exemplo não consistia no falso dilema.
O que chamou minha atenção, porém, foi uma postagem noutro perfil: ela demonstrava decepção pelo Papa e dizia não ter mais a mesma admiração que antes tinha por ele.
Imediatamente surgiram algumas perguntas em minha cabeça: que admiração é esta por um líder religioso que é desmontada por uma simples declaração? Por que uma pessoa reagiria desta forma por uma declaração sobre conduta e que não tinha alvo específico, não atentava contra qualquer pessoa? O Papa precisa de popularidade? Ele não pode desagradar às pessoas?
Fiz o relato acima porque este foi um exemplo muito claro da forma como o Papa é tratado nos dias de hoje. Muita gente vê nele um homem simpático, simples, inovador, mente aberta, em sintonia com os tempos atuais e que vai revolucionar a Igreja. Já ouvi este comentário de muitas pessoas que são pouco ou nada religiosas. O mais interessante é que toda esta admiração não está baseada no fato de Francisco ser líder católico, mas por ser um homem simpático e do "nosso tempo", cujo contraste mais patente seria seu antecessor, Bento XVI, visto por muitos como pouco simpático e muito conservador (ou retrógrado, o que dá na mesma para muita gente). Ademais, a grande mídia têm apreço unânime pelo Papa, o que considero um enorme mistério, para não dizer muito estranho, dado que estes mesmo meios de comunicação sempre foram críticos da Igreja Católica e são grandes disseminadores de todo o tipo de valor e conduta contrária ao cristianismo.
Eu não acredito na sinceridade da grande mídia, bem como não acredito no apreço fugaz pela pessoa do Papa. Independente do conteúdo, as informações dos meios de comunicação sempre chegam amputadas e com inúmeras omissões, o que fica agravado quando o conteúdo é a Igreja, dado que a conduta dos religiosos é pautada pela discrição e é balizada pela orientação da fé, ao menos exteriormente. Alguns anos de caminhada depois de minha reconversão ao catolicismo permitiram ver que as pessoas não religiosas têm dificuldade de entender certar condutas das mais religiosas quando o tema é a própria religião. A fé é de grande valor para seus portadores e os temas que a envolvem (práticas rituais, moral, relacionamentos, sacralidade dos objetos, etc) exigem um tratamento mais cuidadoso e menos banal. As coisas, as pessoas e a vida de forma geral adquirem um valor e um sentido diferentes frequentemente mal compreendidos para quem vê de fora. Quanto à unanimidade dos grandes meios de comunicação, este ainda é um mistério que um dia pretendo desvendar.
(Francisco na capa da revista Rolling Stone em janeiro de 2014: o Papa em destaque num veículo de comunicação voltado à cultura pop.)
Um líder religioso não merece admiração por ser do "nosso tempo", aberto ou moderno (nem mesmo por ser simples), mas por ser exemplo da mensagem que porta e, no caso da Igreja Católica, garantir sua guarda e guiamento tal qual Jesus Cristo fez em seu tempo. Ele tem de ser o Jesus de hoje, cuja mensagem provém da eternidade e abrange simultaneamente todas as épocas. Francisco realmente cativa as pessoas por seu exemplo, mas até que ponto este cativamento se mantém firme e forte perante decepções? E o mais importante: até que ponto este cativamento se transforma em fé verdadeira, independente de quem dirija a Igreja ou como se comporte o padre de nossa paróquia? A fé é um dom divino e portanto independe da conduta alheia ainda que posta à prova pelos maus exemplos ou o que se imagina serem os maus exemplos. Ela independente do que Francisco diga, faça ou deixe de fazer, independe mesmo que o Papa seja um criminoso. Independe mais ainda das modas e das manias do momento.
Se uma declaração de Francisco faz alguém perder a admiração por ele é porque esta admiração não tinha consistência alguma. Tem a consistência de uma moda passageira maleável segundo o noticiário das oito da noite. Para muitos cidadãos, o Papa será esquecido no momento que partir e ficará como uma agradável lembrança, uma nostalgia equivalente ao hit do verão passado.
Algumas semanas depois da minha postagem a "amiga" acabou com a "amizade" no Facebook. Parece que não é só a admiração que é fugaz nestes tempos de incerteza e confusão. As modas de hoje passarão, mas Francisco deixará o seu legado.
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