(Trecho inicial do capítulo How many miles do Babylon? do livro London. The Concise Biography, de Peter Ackroyd.)
Em torno da metade da década de 1840, Londres tinha se tornado conhecida como a maior cidade da Terra, a capital do império, o centro internacional de comércio e finanças, um vasto mercado mundial dentro do qual o mundo se derramava. Em fotografias e desenhos contemporâneos as imagens mais marcantes são as do trabalho e sofrimento. Mulheres sentadas e curvadas com seus braços cruzados; uma família de mendigos dorme sobre bancos de pedra debaixo de uma ponte com o contorno escuro da Catedral de São Paulo aparecendo detrás deles. Como Blanchard Jerrold (1) colocou: "Os velhos, os órfãos, os coxos e os cegos de Londres encheriam uma cidade comum." Essa é uma concepção estranha, uma cidade inteiramente composta por mutilados e feridos. Mas isso é, em parte, o que Londres era. Também o número de crianças e vagabundos sentados resignadamente na rua é infinito; infinitos são também os vendedores de rua, geralmente retratados contra um fundo maçante de tijolo ou pedra.
Os interiores pobres da cidade vitoriana geralmente são crepusculares e imundos com trapos pendurados entre lâmpadas de sebo fétidas; muitos dos habitantes parecem não ter rostos, uma vez que estão voltados para a sombra, e em torno deles vigas de madeira dilapidadas e escadarias numa confusão maluca. Muitos, ao ar livre e dentro de casa, parecem encurvados e pequenos como se o próprio peso da cidade os tivesse esmagado. Há ainda um outro aspecto da cidade vitoriana que as fotografias e imagens evocam: de vastas inumeráveis multidões, as ruas cheias de vida fervilhante e combatente, a grande inspiração para o trabalho de mitógrafos do século XIX como Marx e Darwin. Há também lampejos de sentimentos - piedade, raiva e ternura - a serem observados ao passar dos rostos. E ao redor deles pode ser imaginado um ruído forte e permanente como um grito interminável. Essa é a Londres vitoriana.
"Londres vitoriana" é, obviamente, um termo genérico para uma sequência de mudanças de padrão de vida urbana. Nas primeiras décadas do século XIX, por exemplo, ainda se mantiveram muitas das características dos últimos anos do século anterior. Ainda era uma cidade compactada. Ainda era apenas parcialmente iluminada por gás, e a maioria das ruas eram clareadas por poucas lamparinas de óleo com garotos de tocha carregando luzes para escoltar os últimos pedestres para casa; havia mais "Charleys" (2) do que policiais fazendo suas rondas. Ainda era perigoso. Havia plantações de morango em Hammersmith e em Hackney, e as carroças ainda percorriam seu caminho em meio a outro tráfego puxado a cavalo para o Haymarket. Os grandes edifícios públicos, com os quais a base do império logo seria decorada, ainda não tinham surgidos. Os entretenimentos típico também eram aqueles do final do século XVIII com as brigas de cães, as rinhas de galo, o pelourinho e as execuções públicas. Todas as ruas e casas possuíam janelas rebocadas e pintadas como se fossem parte de uma pantomima. Havia ainda mascates ambulantes vendendo literatura popular barata, e cantores de bailes com a última novidade; havia teatros baratos e gráficas exibindo em suas janelas caricaturas que poderiam sempre segurar uma multidão; havia jardins de delícias e cavernas de harmonia (3), salões de bebidas e salões informais e de dança. Era uma cidade excêntrica. Ainda não havia sido padronizada ou submetida às agências vitorianas de uniformidade e propriedade.
É impossível calcular quando essa transformação ocorreu. Certamente Londres tomou um outro aspecto quando continuou a crescer e se estender por Islington e St. John's Wood no norte; então por Peddington, Bayswater, South Kesington, Lambeth, Clerckenwell, Peckham e todos os pontos da bússola. Se tornou a maior cidade do mundo justamente no momento em que a própria Inglaterra se tornou a primeira sociedade urbanizada do mundo.
Ela se tornou a cidade do relógio e da velocidade por si só. Se tornou o lar dos motores e da indústria movida a vapor; se tornou a cidade onde as forças eletromagnéticas foram descobertas e divulgadas. Também se tornou o centro da produção em massa, com as forças impessoais de oferta e demanda, lucros e perdas, intervindo entre fornecedor e cliente. No mesmo período negócios e governos eram supervisionados por um vasto exército de funcionários e escriturários que costumavam usar trajes escuros uniformes.
Era a cidade do nevoeiro e da escuridão mas, também em outro sentido, estava cheia de escuridão. Uma população de um milhão no início do século cresceu para aproximadamente cinco milhões no seu fim. Em 1911, havia crescido para sete milhões. Tudo estava se tornando mais sombrio. Os trajes do homem londrino, como aqueles dos funcionários, mudou de cores variadas e brilhantes para o preto solene da sobrecasaca e da cartola. Se foi, também, a particular graciosidade e cores da cidade do início do século XIX; a simetria decorosa de sua arquitetura georgiana foi substituída pela forma neogótica ou neoclássica imperialista dos edifícios públicos vitorianos. Eles incorporavam o domínio do tempo bem como do espaço. Também nesse contexto emergiu uma Londres que era mais massiva, mais cautelosamente controlada e mais cuidadosamente organizada. A metrópole era muito maior, mas também se tornou mais anônima; era uma cidade mais pública e esplêndida, mas também menos humana.
Desse modo, se tornou o clímax, ou a epítome, de todas as cidades imperialistas anteriores. Se tornou Babilônia.
(1) Autor e jornalista inglês. Viveu entre 1826 e 1884.
(2) O termo "Charley" é, possivelmente, uma referência a pessoas solitárias.
(3) Locais públicos, como bares, onde intelectuais londrinos se reuniam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário