Quando criei meu blog sobre a Rússia em junho de 2015, tinha como objetivo investigar os pormenores da política, história e cultura deste país para entender alguns eventos que envolviam a Rússia e o mundo. Uma das motivações para estas investigações foi minha experiência como aluno de mestrado, realizado pelas Ciências Sociais da PUCRS entre 2010 e 2012.
Durante o curso realizei minha dissertação de mestrado, e ao longo de todo o ano de 2011 e início de 2012 realizei minha pesquisa de campo, onde fiz em torno de 45 visitas a 19 hospitais de Porto Alegre (o trabalho versava sobre a religiosidade em hospitais) e entrevistei 28 pessoas. Após o mestrado percebi o que já observava durante minha pesquisa de campo: que os acontecimentos históricos dependiam de decisões, e decisões são feitas por pessoas, indivíduos, que em algum momento decidem tomar a decisão A para alcançar o resultado B. Como nem sempre as coisas saem conforme o esperado, muitas vezes o resultado é C, e não B.
(Segunda edição brasileira do livro de Peter Berger e Thomas Luckmann.)
O mais importante, porém, é atinar para a origem dos acontecimentos: há uma pessoa ou um grupo de pessoas a partir do qual surge uma ideia e, daí, uma decisão, que se transforma em ato conforme grupo ao qual ela pertence leva adiante sua intenção. Utilizo aqui uma linguagem coloquial que caberia a uma investigação mais profunda na Filosofia da História ou na Sociologia. Acredito que o livro de Peter Berger e Thomas Luckmann, A Construção Social da Realidade, ajude a entender um pouco as contingências que permitem que uma decisão seja levada adiante. Afinal, dizendo o óbvio, vivemos em sociedade e temos uma vida cotidiana, a "realidade por excelência" nas palavras dos autores, e estamos limitados ao que eles chamam de "mundo escuro", a realidade que está além de nosso conhecimento. Dispomos de recursos limitados (conhecimento, tempo de vida, condição econômica, física, psicológica) para tomar tais decisões. Dispomos de um corpo, certo conhecimento adquirido de experiência e estudos, um círculo de relacionamentos que permite aplicarmos nossas ações sobre outras pessoas e tentar propagar seus efeitos conforme a intenção inicial, recursos físicos para isso (corpo, telefone), e assim por diante. Resgatando novamente Viktor Frankl, o que importa é que independente do local e da cultura em que vivemos nós tomamos decisões.
Aqui entra meu último texto neste blog, onde comento sobre minha experiência na TIP e minha decisão de ser "luz no mundo". É claro que minha decisão não me faz uma pessoa boa por si só, muito menos alguém melhor do que os demais, mas se a expectativa é que no mínimo eu tenha uma vida decente preciso antes de mais nada decidir em ser luz, senão para o mundo, ao menos para mim mesmo. "É infeliz quem decide ser." Esta é uma frase que certamente já ouvi da minha psicóloga da TIP, não necessariamente nesta ordem. Esta decisão é, em muitos casos, a nível inconsciente.
Nossa decisão mais profunda é também a decisão que orientará nossas ações. Isto na TIP é chamado registro. O registro não é a memória de um acontecimento, mas a decisão em dar determinada resposta a uma determinada experiência. Esta resposta torna-se o modelo de resposta a situações no futuro que ativem o registro. Mas este registro só existe porque nós decidimos adotá-lo como nosso. Na TIP, utilizando a técnica da ADI, é preciso se conscientizar do registro que queremos nos livrar e buscar um outro, desta vez positivo, que tenha sido decidido em outra situação similar, substituindo o primeiro pelo segundo. Em muitas ocasiões pude ver que muitos projetos de vida que eu tive no passado foram abortados ou se tornaram insustentáveis porque, inconscientemente, eu havia decidido, ainda no útero materno, rejeitar o mundo que eu concebida como ruim e insuportável. E já que o mundo lá fora era uma droga, então que eu tornasse tudo um inferno mesmo.
Acontece que na decisão de "ser luz" todos os meu projetos de vida passaram a ser afetados (tomo isso como hipótese, dado que este é um evento muito recente, de segunda-feira passada, e hoje é recém quarta-feira). Isto quer dizer que decisões futuras serão afetadas por esta nova decisão, este novo registro, inserido nas contingências em que eu vivo, mudará pelo menos em parte o rumo de minha vida. Assim espero, e é isto que a TIP nos propõe.
(Ir à guerra - ou detê-la - depende de decisões, apesar das contingências que possam dificultar sua execução. Na foto, soldado pró-Rússia na Ucrânia.)
A decisão de ser uma nova pessoa impacta diretamente suas ações, e aí voltamos ao contexto do livro de Berger e Luckmann: o impacto numa sociedade dependerá de decisões de certas pessoas que tomem a iniciativa de mudar o curso dos acontecimentos segundo suas limitações. Todo mundo gostaria de acabar com a violência, por exemplo, mas quem dispõe de meios capazes de eliminá-la ou ao menos contê-la? Quem tem conhecimento e, principalmente, meios de ação para tal? Foi esta realidade que encontrei no meu trabalho de mestrado, quando trabalhei com o ambiente hospitalar: decisões administrativas e iniciativas pessoais nem sempre chegavam ao resultado esperado, principalmente porque as pessoas não concordavam, ou seja, decidiam que certas atitude eram erradas e agiam contra. Quando procuro investigar algo sobre a Rússia não estou lá para falar com as pessoas, e busco o caminho inverso partindo do geral para descobrir o particular. Se vasculharmos as causas da guerra na Ucrânia, por exemplo, encontraremos muitos atores que aparentemente nada tinham a ver com a guerra, mas que foram determinantes para que ela acontecesse. Não me consta que conflitos armados aconteçam porque os canhões começaram a disparar sozinhos. Alguém puxou o gatilho, e tinha razões para isso, fossem elas justas ou não.
Pequenos ou grandes, visíveis ou invisíveis, pessoal ou mundial, tudo o que acontece é decisão nossa. A História é uma teia de atos precedidos por decisões. Ninguém se levanta da cama só porque acordou. Há uma razão para sair para trabalhar; a uma razão para começar ou parar uma guerra. Quando tomei a decisão de "ser luz" no mundo, não pretendia fazer nada de excepcional, mas não haverá mudança no rumo dos acontecimentos que nos afetam negativamente minha vida se não decidir por agir na direção contrária. E falo isso sem qualquer pretensão de grandeza, pois não só considero inviável como rejeito abertamente a ideia de um "mundo melhor" sem antes melhorar a mim mesmo, e rejeito ainda mais esta ideia com base num plano universal que é inevitavelmente imperfeito dada as contingências dos planejadores, tão limitados quanto qualquer um de nós. As decisões são necessárias tanto para o levantar da cama quanto para o planejamento de uma guerra. Tudo o que fazemos fazemos porque queremos e arcamos com as responsabilidades de nossas ações.