(Cena do filme "A Chegada": nave alienígena em Montana, EUA.)
Ontem assisti no cinema o filme "A Chegada". A estória trata de um tema muito batido nos filmes de Hollywood: alienígenas subitamente chegam à Terra causando muito tumulto entre os humanos, não necessariamente uma guerra, mas discussão, tensão, debate, questões que mexem com nossa existência.
A principal personagem do filme, Louise (Amy Adams), é uma linguista americana recrutada pelo exército para estabelecer uma comunicação com alienígenas que, subitamente, pousaram suas naves em doze diferentes pontos da Terra. Uma delas está no interior do estado de Montana, nos EUA, onde se passa grande parte do filme. Não cabe aqui contar todo o enredo, mas alguns eventos estranhos acontecem ao longo do filme: Louise começa a ter visões sobre sua vida. Mais tarde, ela descobre que essas visões são de sua vida no futuro e que, de alguma forma (e isto não fica claro), eram os alienígenas que lhe conferiam essas visões.
Outras questões que chamaram minha atenção foi a tensão política e militar causada pelas naves. Uma delas estava sobre o mar junto à cidade de Shanghai, na China, cujo exército exigiu que a nave no espaço aéreo chinês se retirasse do local. A exigência veio depois de um por erro de comunicação, e caso o prazo não fosse cumprido a China atacaria a nave.A Rússia (que tinha duas naves sobre seu território) e o pobre Sudão decidiram fazer o mesmo.
Num determinado momento do filme, Louise tem a visão de uma conversa que ocorreria dentro de uma ano e meio no futuro, com o general Shang, chefe do Exército de Libertação Popular da China, que decidira pelo ataque. O diálogo acontece durante uma celebração num salão de eventos. O general agradece o papel da linguista pela união de todos. Isto mesmo: união. No salão há bandeiras das potências mundiais, e ao centro um dos símbolos de linguagem utilizado pelos alienígenas. O mundo estava, portanto, politicamente unido. EUA e China eram não só amigos, mas aliados, bem como todas as potências mundiais.
O filme também repete o enredo de muitos outras produções hollywoodianas: os alienígenas estavam na Terra muito tempo. Neste caso, há três mil anos. Louise descobre isso num diálogo direto com os visitantes, quando estes a trazem sozinha à nave. A razão que levou o exército da China a decidir pelo ataque foi o erro de interpretação dado pelos chineses à frase "oferecer arma" que, no sentido dos
aliens, era na verdade "oferecer presente". Louise descobrira isto numa simples conversa e fora a chave para evitar uma guerra.
Ela também descobrira que a linguagem alienígena possuía uma estrutura totalmente diversa da linguagem humana, dentre elas a de que o tempo não era linear. A escrita tinha outra estrutura de tempo. Havia uma relação, portanto, entre a linguagem e as visões do futuro que brotavam na mente de Louise. A linguagem alienígena era representativa da imagem unificada de tempo, onde passado, presente e futuro se unificavam numa mesma imagem.
(Cena do filme "A Chegada": exército chinês decide pelo ultimato seguido de ataque à nave alienígena. Para o filme, a ameaça à paz está na divisão entre Estados. É necessário uni-los.)
O que chamou minha atenção, porém, não foi o papel da personagem, mas o mistério profundo envolvendo a longa presença alienígena e sua missão profética. Os
aliens não só estavam há três mil anos na Terra como ele ofereciam, como profetas de uma nova humanidade, um "presente" que, se não entendi errado, era uma nova forma de ver o tempo e a ordem do real, cujo efeito seria um futuro de paz e harmonia. Os grandes inimigos dos profetas vindos do espaço eram os agentes de Estado. Assim como generais chineses, russos (que no filme assassinaram um dos pesquisadores envolvidos nas tentativas de comunicação) e africanos, membros do exército americano, obcecados pela segurança nacional, tratavam as naves como ameaça. Os inimigos da paz, portanto, eram os Estados nacionais e suas lógicas de poder, ao passo que os proponentes da paz eram os alienígenas, capazes, de forma misteriosa, de prever o futuro e apresentá-lo na intimidade da mente humana. A paz que Louise conseguira junto ao general chinês foi possível porque ela, num ato quase desesperado, entrou em contato com ele pelo sistema de comunicação utilizado pelos pesquisadores para lhe dizer algumas poucas palavras em mandarim. Estas palavras eram as que sua mulher lhe dissera instantes antes de sua morte, e que Louise ouvira durante a visão que tivera.
Aqui chego ao ponto que me interessa: a concepção de tempo dos alienígenas no filme é a concepção de eternidade. Se era possível ver o futuro, era porque os
aliens tinham a capacidade, por algum meio misterioso, de conhecê-lo. Mas o filme não explica de onde vinha esta capacidade, nem de qual lugar do Cosmo as naves tinham origem. Elas simplesmente apareceram e estavam na Terra de forma invisível. Também não havia qualquer indicativo ou mecanismo utilizado pelos alienígenas (se um máquina, se telepatia ou mesmo alguma força espiritual) para projetar na mente de Louise as visões do futuro. As visões simplesmente apareciam
Dado o mistério e a enorme capacidade de influenciar os acontecimentos, o filme propõe que, sim, toda a humanidade fora mais ou menos guiada por forças alienígenas, a despeito da história das civilizações, das grandes religiões e dos grandes acontecimentos que marcaram época.
(Cena final do filme "Presságio": reprodução do Paraíso por mãos alienígenas. Deus está fora da estória.)
Muitos outros filmes hollywoodianos têm a mesma cosmovisão: depois de filmes como "Contatos Imediatos com o Terceiro Grau" e "E.T., o Extraterrestre", dos anos 80, a saga de alienígenas criadas a partir de "Independence Day" de 1996 é um misto de mistério com ameaça à Terra. Todos eles clamam aos alienígenas como guias espirituais do homem, à necessidade de unificação política planetária em nome da paz e da segurança da humanidade, a salvação da natureza, ou a isto tudo junto. No primeiro "Independence Day" o mundo, liderado pelos EUA, consegue libertar a humanidade da ameaça de extermíni; no segundo filme, "Independence Day: Ressurgimento", os alienígenas retornam vinte anos depois a uma Terra cujas forças militares estão unificadas sob comando da ONU. Na refilmagem "Guerra dos Mundos", os
aliens, depois de causarem caos no mundo inteiro, simplesmente são enfraquecidos e morrem unicamente por terem se contaminado com uma Terra poluída pelo homem (foi o pior filme do gênero que já vi). No original "O Dia em que a Terra parou", os visitantes vêm alertar sobre o perigo que uma guerra nuclear poderia causar à humanidade e ao sistema solar, cuja solução passaria pela coordenação de um acordo global. A refilmagem rebaixou a proposta da política para o ambientalismo: o homem estava destruindo o planeta, e cabia às forças alienígenas alertar, mesmo que sob ameça, a humanidade sobre os rumos que seguia. Em "Presságio", o personagem vivido por Nicholas Cage decodifica uma série de mensagens em números que dão as datas, coordenas e números de mortos de uma série de tragédias. Até que ele descobre a data do fim do mundo. Quem comunica essas informações são alienígenas, que vêm à Terra salvar seus filhos e trazê-los de volta quando o planeta tem sua superfície renovada. A cena final é uma literalização do Gênesis: o casal de filhos corre sobre um campo brilhoso com uma árvore ao centro, numa reprodução ufológica do Paraíso de Adão e Eva, enquanto as naves partiam para o espaço. Os deuses alienígenas davam reinício à humanidade. Hollywood reecrevera a Bíblia.
(Base na lua do sistema de defesa global no filme "Independence Day: Ressurgência": ataque alienígena foi razão para a unificação militar planetária.)
Reparem que em todos estes filmes não há qualquer menção a Deus ou ao plano transcendente, mesmo que de forma vaga. O horizonte existencial de Hollywood fecha-se totalmente no mundo imanente: todos os mistérios, todos os acontecimentos, todo o sentido da vida está encerrado na presença da vida alienígena. A psique é a única dimensão para além do mundo sensível, sendo este mesmo dominado pelos extraterrestres.
Alguém pode ainda lembrar que Hollywood filmou "A Paixão de Cristo". Em primeiro lugar isto já mostra a dimensão do problema: fora um filme essencialmente religioso, as questões espirituais ou transcendentais estão abolidas das grandes produções americanas, a exemplo do cinema-catástrofe e dos filmes de super-heróis (impossível não lembrar do personagem Apocalypse, do último filme da série X-Men, uma literalização histórica e material do último capítulo da Bíblia, dos Quatro Cavalheiros e de outras tradições religiosas). Jim Caviezel, que fez o papel de Jesus Cristo, teve sua carreira praticamente encerrada após as filmagens do épico. Motivo? Boicote velado de Hollywood. Aos que duvidam que seja exagero, quem declara isto é o
próprio ator.
As referências religiosas que se apresentam nos filmes hollywoodianos geralmente estão desconectadas de seu sentido original. O personagem Apocalypse é um exemplo. Em "Guerra dos Mundos" a desconexão vai ainda mais longe: a cena em que a frente de uma igreja se desloca abrindo a frente do prédio, e em seguida surge a nave alienígena de debaixo da terra (o tripod) matando todo mundo, sugere que o mal estava lá há muito tempo e que finalmente foi liberto. O filme
inverte o sentido da religião cristã.
(Cena da refilmagem "Guerra dos Mundos", quando surge a primeira nave alienígena que começa o extermínio da população: inversão e escamoteamento do cristianismo.)
A importância do cinema de Hollywood está no seu alcance a milhões de pessoas. O cinema, assim como a literatura e as novelas, moldam o imaginário social das massas. Hollywood está promovendo, de forma deliberada ou não (não saberia julgar) uma cosmovisão onde Deus está ausente ou, pior ainda, onde nem mesmo o transcendente existe. E se existe, é inacessível a nós. Não podendo vencer o espírito, estas grandes produções o enclausuram numa gaiola e acostumam o imaginário a desconsiderar a transcendência. Paralelo à ignorância espiritual, somos estimulados ao apelo à paz, à harmonia, à salvação do planeta, possível apenas pela união de todos para com todos. Hollywood propõe que ignoremos o espírito e aceitemos o governo mundial.