terça-feira, 29 de novembro de 2016

A História, os falsos profetas e o Evangelho do fim do mundo

(Cidade de Homs, na Síria, completamente arrasada pela guerra: mesmo que quisesse, o homem não poderia realizar o fim do mundo.)

Estamos acostumados a ouvir críticas sobre o fanatismo religioso que nivelam o cristão sincero e verdadeiro ao Estado Islâmico, a Al-Qaeda ou às seitas como a de Jim Jones, que levou ao suicídio quase mil pessoas na Guiana em 1979, todos sob o rótulo de "fundamentalismo". É evidente que por detrás disso há um preconceito antirreligioso, mais especificamente anticatólico e, com mais evidência no Brasil, anti-evangélico, ainda que este preconceito não seja deliberado e parta em sua maioria, penso eu, de pessoas que não atinam da gravidade da comparação.

Estes críticos esquecem (na verdade ignoram, porque falam do que não entendem) o alerta dado pelo próprio Jesus no Evangelho anunciado em 22 de novembro passado. Quando ouvi a passagem fiquei pessoalmente tocado, não só pelo anúncio de quem Jesus dizia ser, mas acima de tudo pelos acontecimentos do por vir. Eis a passagem, presente em Lucas 21, 5-11:

"Naquele tempo, algumas pessoas comentavam a respeito do Tempo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votativas. Jesus disse: 'Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.' Mas eles perguntaram: 'Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?' Jesus respondeu: 'Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome dizendo: 'Sou eu!' e ainda: 'O tempo está próximo'. Não sigais esta gente! Quando ouvirdes falar em guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim'. Jesus continuou: 'Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes, pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu.'"

Jesus deixa claro: Ele é o único enviado, o único Filho de Deus, por mais que isso soe como fanatismo para os descrentes ou maluquice para os muçulmanos, para os quais seria absurdo que Allah, "o algo", se pudesse ser traduzido, encarnasse numa pessoa.

(Fila para comprar pão na URSS, em abril de 1991, nos últimos meses do regime comunista: por mais que se tentasse manter a normalidade era impossível controlar o que as pessoas decidiam fazer e, portanto, as consequências de seus atos. O regime caiu sete meses depois.)

O mais relevante, porém, é seu papel como Deus. Guerras, revoluções, mortandades, catástrofes naturais... a História continuará apesar de tudo isto. Jesus está declarando que é o Senhor decidirá quando ocorrerá o fim, já que Ele que está no comando do curso histórico. Por mais que o homem queira dirigir os acontecimentos em sua totalidade ou queira abortar os planos divinos, seus projetos são impossíveis de serem realizados. Primeiro porque determinar o curso histórico pressupõe-se o controle total sobre ele, e este controle total é materialmente impossível. Mesmo que o homem tivesse conhecimento o suficiente, os meios para realizar este novo mundo estão fora de alcance. Não há meios (nem nunca haverá) que possa determinar cada uma de nossas decisões diárias, desde o desejo de ter uma família ao propósito pela manhã de escovar os dentes. Há como impedir estes acontecimentos, mas não há como impedir que se deseje fazer isto. Um regime totalitário como o soviético, por exemplo, vivia sob uma capa de oficialidade que as pessoas sabiam que era irreal. O paraíso socialista contrastava com as longas filas para comprar pão nos seus últimos anos de existência. Com a queda do regime oficialmente ateu, a Rússia perdeu metade de sua riqueza em dez anos, um colapso econômico que estava sob artificial controle do Estado, e passou por um forte reavivamento religioso. Ainda que a fé ortodoxa seja muito pouco praticada (em torno de 2 ou 3% dos russos vão à liturgia semanalmente), a proporção de crentes em Deus explodiu.

(Por mais que se tente, a separação Igreja-Estado jamais será absoluta. A dimensão religiosa é inerente ao homem, é incontrolável e sempre resultará em acontecimentos inesperados.)

Abortar o plano divino também não é viável. O nazismo e o comunismo já tentaram fazer isto explicitamente, e os atuais meios empregados pela engenharia social na busca pelo igualitarismo ou a total democratização da sociedade (cujos processos só podem ser realizados por meio de uma brutal concentração de poder, portanto, de um enorme controle social), também esbarram na possibilidade pura e simples. Hoje os engenheiros e cientistas sociais buscam a todo o custo, por exemplo, demarcar "cientificamente" a separação Igreja-Estado, cujas realidades se interpenetram. No Brasil esta separação está oficializada no Artigo 19 da Constituição, mas mesmo assim não há como estabelecer, por exemplo, uma linha demarcatória clara sobre o que um professor de religião pode ou não dizer aos seus alunos sobre o tema numa escola pública, nem o que os alunos podem ou não expressar a respeito do que creem. Isto é um consenso mesmo entre os cientistas sociais brasileiros que olham com muita desconfiança a atual educação religiosa. O problema, como bem observou o sociólogo americano Peter Berger, é que o homem é um ser essencialmente religioso. Mesmo um intelectual ateu teria de aceitar esta informação como um dado real (eu mesmo conheci um sociólogo doutor que concordava com esta afirmação). Não há como suprimir esta dimensão humana, a não ser eliminando fisicamente as pessoas como fez Stálin com a Igreja Ortodoxa Russa a partir de 1929 quando quase a totalidade de seus sacerdotes foram presos ou fuzilados.  Não é possível a modelagem total da religiosidade popular através de leis, nem mesmo com uma educação laica. Esta modelagem teria de penetrar a alma e subjulgar a vontade, que Santa Teresa D´Ávila na autobiografia "O Livro da Vida" chama de "potência da alma". O controle do fenômeno religioso e de suas consequências sociais é impossível. A religiosidade sempre brotará e alterará espontaneamente o curso dos acontecimento.

Em resumo: controlar o rumo da História é abortar o plano divino, e para abortar o plano divino é necessário ter controle total sobre a História. Se a História não pode ser totalmente controlada, isto significa que ela obedece a alguma ordem que não emana de nossa vontade. É isso que Jesus está dizendo: por mais que hajam guerras e matanças, "não será logo o fim", isto é, mesmo que o homem deseje, ele não conseguirá realizar este fim. Se um dia houver uma guerra nuclear, ela também não dará um fim à humanidade. Da mesma forma as catástrofes naturais não serão o fim. E como poderemos garantir isso? Simplesmente porque Deus não quer. Parece uma resposta boba, tautológica, mas esta afirmativa fala por si mesma. O que está fora de nosso controle está sob controle divino. Se Deus afirma que catástrofes naturais, que estão fora de nosso controle não serão o fim, é porque não serão. A razão disto é o próprio Declarante.
 
             
 
(Testemunho do Milagre do Sol em jornal português, em 1917, e chamada sobre a aurora boreal no Reino Unido, em 1938: "grandes sinais serão vistos no céu".)

O final do Evangelho também me marcou muito. Quando ouvi que seriam vistos "grandes sinais" no céu logo lembrei do Milagre do Sol de Fátima ocorrido em 13 de outubro de 1917. Este milagre foi testemunhado por 70 mil pessoas e pela imprensa portuguesa da época. Foi em Fátima também que Nossa Senhora avisou que, caso a humanidade não se convertesse, haveria uma guerra ainda pior do que aquele que estava por terminar, e que esta nova guerra, a iniciar no papado de Pio XI, seria anunciada por luzes no céu. A aparição ocorrera durante a Primeira Guerra Mundial, e a Segunda veio efetivamente em 1º de setembro de 1939 quando a Alemanha Nazista forjou uma agressão inimiga e invadiu a Polônia. Pio XI, porém, terminou seu reinado em 10 de fevereiro daquele ano. Acontece que a primeira agressão alemã não veio com tanques e tiros: veio com a anexação da Áustria, conhecida como Anschluss, em 12 de março de 1938 quando tropas alemãs iniciaram sua marcha sobre o país. Algumas semanas antes, na noite de 25 de janeiro, uma espetacular aurora boreal iluminou os céus da Europa e mesmo do norte da África, caso raro e que marcou a época. O Milagre do Sol viera anunciar novos sinais no céu, prenúncio da guerra. Fátima é o microcosmo do Evangelho de Lucas para o século XX. Mas a guerra que ceifou pelo menos 60 milhões de pessoas, inaugurando o genocídio "científico" e o uso da bomba atômica, não foi o fim.

Caso os cristãos não fossem prudentes apoiariam líderes genocidas, estes sim fanáticos, "fundamentalistas" para utilizar a linguagem dos críticos do cristianismo e das religiões em geral. Apoiariam também os falsos profetas, os usurpadores e servidores do inimigo. Mas Jesus alerta para que não sigamos esta gente. É pelos falsos profetas que tentam realizar o Fim, o Apocalipse adornado de Paraíso. Mas todos eles sucumbem à providência divina. Não há guerra, nem revolução que dê fechamento ao curso da História. Nem mesmos os astros e a natureza, caso assim quisessem por força mágica, poderiam fazer o mesmo. Deus não é só o início, como também o fim da História. A História nasce do Alto e a Ele retorna formando uma imagem única que está gravada de forma definitivo na Eternidade.

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