Há tempo notei a existência de um paradoxo: quanto menos tempo temos para fazer as coisas, mais disposição temos para realizar outras coisas; e quanto mais tempo temos, menos disposição temos para outras iniciativas. Pela lógica, deveria ser o contrário: se temos tempo livre, oras, então deveríamos ter mais disposição para agir. Minha afirmação surgiu basicamente por experiência pessoal, depois confirmada com outras pessoas.
Olhar o tempo livre é contemplar o potencial que temos para ir além daquilo que somos. Em outras palavras, é a oportunidade de crescer, de realizar aquilo que os gregos chamavam de "ócio": o cultivo da alma e do corpo para melhorarmos enquanto pessoa, o que inclui nos aprimorarmos intelectual, moral e fisicamente através dos estudos, do cultivo das artes, do esporte, da oração, e assim por diante. Quem dera essa disposição surgisse automaticamente no contemplar do tempo livre, como se o cair de um gota de água límpida fizesse imediatamente a semente se transformar numa árvore de copa larga.
Essa observação diz respeito às pessoas com rotina definida e que, após o trabalho, têm algum momento em que podem cultivar a si mesmas ou a vida em família ou com amigos.
Quando fiz uma breve busca na internet na tarde de hoje para ver os concursos públicos disponíveis, me deparei com um "azar": um deles havia encerrado as inscrições vinte e cinco minutos antes de eu acessar o site; outro anunciava o dia do pagamento da inscrição no mesmo dia em que eu descobria o edital. Azar entre aspas, pois as coisas dependem da providência e de nossa iniciativa; no meu caso, da falta dela.
Onde eu estava na falta da busca? Se estou com um problema a resolver, a questão é simples: dê o primeiro passo, vá atrás. Uma longa viagem da casa até a fazenda, do Brasil à China, do desemprego ao emprego começa com o primeiro passo. Se a casa se erguesse antes do primeiro tijolo, bastaria o desejo de conseguir um trabalho para que parte do caminho já estivesse trilhado antes mesmo de ser conhecido. Deus faz muito por nós, mas não o que cabe a nós fazer, pois somos os remadores que só encontram o rumo certo na vida ao remar guiados por aquilo que confiamos de coração.
O tempo que sobra torna-se um fardo como num trabalho exaustivo quando o tempo do ócio confunde-se com o do negócio, para utilizar outro termo dos gregos antigos, agora referente à prática de nossas necessidades cotidianas. Por isso costumo dizer que o desempregado não tem férias, mas um problema a resolver que contrasta vivamente quando seu amigo ou vizinho, cansado mas realizado, despacha o próprio corpo à beira de uma praia.
Na ausência do primeiro passo o fosso só se alarga e aprofunda, engolfando ócio e negócio, lazer a trabalho, vida particular e pública numa grande sopa que apodrece à falta de luz do sol.
Nenhum comentário:
Postar um comentário