quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Dia 13 de dezembro de 2021

 

          Sem dúvida, Santa Catarina é um dos estados geograficamente mais interessantes do Brasil, principalmente porque a porção leste de seu território tem a audácia de concentrar, num espaço muito pequeno, alguns dos extremos climáticos de um país de dimensões continentais.

          Subindo pelas veredas da costa atlântica, a BR-116 presenteia os motoristas com as paisagens das mais diversas numa sequência de morros, planícies, rios e cidades e, cedo ou tarde, se encontra com o oceano. E as nuvens, formadas pelo obstáculo do barlavento, crescem na medida em que os cumes apontam para o alto, contrastando o denso verde da Mata Atlântica com o cinza escurecido do vapor d'água que anuncia a chuva que há de vir.

          Pude reviver esta experiência no primeiro dia de semana útil numa viagem de família de Porto Alegre a Florianópolis. Na medida em que adentrávamos as terras de nossos vizinhos catarinos, a serra se elevava e voltava a se aproximar da estrada. Há quem quisesse nos corrigir dizendo que era a estrada que resolvera se aproximar da serra, mas da perspectiva de quem se deslocava em velocidade, a geografia se modelava e remodelava como se o automóvel estivesse parado. Sim, a estrada se voltava aos paredões verdes, e os vales encravados entre os morros abriam espaço para que o fio da estrada desse vida àqueles que corriam em busca de outros mares.

          Entrando em Santa Catarina, mudava também as condições do tempo. A atmosfera, apesar de arrefecida pela proximidade com o oceano e menos quente do que as terras que abandonamos ao sul, se tornava muito mais carregada, e o topo de alguns morros encontrava a base das nuvens, que de tão espessas e baixas tornavam visíveis as rendas de vapor d'água.

          Nesse momento recordei-me de um episódio de dezembro de 2013, também na mesma região. Eu estava em Garopaba, o dia era quente e úmido e uma chuva de verão se aproximava. Em poucos minutos a enxurrada cobriu a pequena cidade costeira, e intensos clarões dos raios que caíam por perto iluminavam mais do que a própria luz do dia. Tão intensos e rápidos quanto os relâmpagos eram os trovões, que evidenciavam a dinâmica explosiva do fenômeno. Ainda que temeroso pelos barulhos repentinos, fiquei fascinado com o evento, porque não só vivia como compreendia o que estava acontecendo, sabia que aquela bomba caída do céu resultava daquelas nuvens reprimidas nos morros e do caldeirão sufocante que se elevava dos vales detrás das praias.

          A memória era reativada nos dias de hoje por aquele cinza escuro engolindo as montanhas e cobrindo os vales, reproduzindo a situação ideal para desaguar no festival de oito anos atrás. Quanto mais avançávamos para Florianópolis, mais carregadas ficavam as nuvens junto à borda da serra e mais minha expectativa era instigada na espera pelo presente dos Céus. 

          Mas tudo não passara de alarme falso. Pude notar, com o passar das horas, que a suposta ameaça era apenas uma estética do perigo. O tempo estava abafado, mas não ao ponto de ebulir em tormentas; a atmosfera não estava convidativa a sequer uma chuvinha decente, quem diria a uma enxurrada com raios lançados como se viesse do alto dos montes. Soube não só pela observação, mas também pela internet - na era da técnica, enfiamos a meteorologia inteira no bolso da bermuda - de que toda aquela umidade e abafamento no final das contas era apenas isso: umidade e abafamento. O vento úmido do mar apenas enchia os morros com vapor d'água como alguém que tentasse, por irracional insistência, acumular travesseiros na parte de cima do roupeiro. E ficava nisso, num frustrante acúmulo de material sem finalidade alguma.

          Chegando nas proximidades da cidade de São José, a estrada se voltou para a costa, a serra ficou para trás e o sol voltou, ainda que vencendo com alguma dificuldade os ares úmidos da região. A atmosfera abafada e a claridade misturadas à agressiva feiura da cidade, que se adensava em bloquinhos de concreto, vias expressas e cabos de energia lados, anunciavam a proximidade da Ilha de Florianópolis. 

          A chamada "Ilha da Magia" ficou apenas no nome, não trouxe o festival de luz, sombras, raios e estrondos que pudesse justificar, pelas peripécias vindas do ares, o apelido da ilha. Muito pelo contrário. Aqui, sob o teto quase sempre cinzento, as nuvens passam e continuam a se perder para as bandas do interior. E sem as loucuras sobre minha cabeça, sinto momentos de paz.

                    

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