(Edição portuguesa do livro de Fukuyama. Editora Rocco.)
(A queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 precipitou a queda dos regimes comunistas e o desmantelamento da URSS. Para Fukuyama, o fim do comunismo e da ditaduras militares no sul da Europa e na América Latina significavam o triunfo do liberalismo em todo o planeta.)
(Para Fukuyama o liberalismo penetrará, cedo ou tarde, na economia e na política. A injeção de investimentos estrangeiros na China desenvolveu o país, mas não derrubou a ditadura comunista. Esta pode ser uma prova de que a tese do americano esteja errada. Na foto: distrito financeiro de Pudong, em Shanghai.)
A exemplo do comentário de uma revista aqui no Brasil, Fukuyama é severamente criticado por suas ideias, principalmente pelos intelectuais de esquerda. A julgar pelo comentarista, até hoje o autor busca respostas para a sua tese inicial. Fukuyama, no último capítulo do Fim da História, questiona a sustentabilidade do sistema democrático assim que ele for totalmente estabelecido (caso venha a ser). Não ficariam os homens entediados com sua conquista definitiva e começariam mais uma vez a lutar entre si pela chamada luta pelo reconhecimento? Recordo-me que quando li o livro eu questionava se o perigo de um mundo de realizações não seria ameaçado não por seu tédio, mas sim pelas traições internas. As democracias (como qualquer outro sistema político) depende de valores que ela não pode gerar, ao menos não de imediato.
(Os monstros bíblicos Behemot e Leviatã: no primeiro as forças cósmicas sempre firmes e estáveis e no segundo o espírito de rebelião sempre mutáveis. Para Olavo de Carvalho, só Deus pode subjulgar estas forças. As grandes tradições religiosas estabelecem o equilíbrio entre as necessidades do mundo e a ação social, dentre elas o poder político.)
Ao longo dos últimos quinze anos eu fui muito influenciado pelas ideias e a visão de mundo do filósofo Olavo de Carvalho. Seu melhor livro, O Jardim das Aflições, trás uma análise dos rumos e da decadência da filosofia ocidental que culminaram no fechamento espiritual do homem, isto é, no enclausuramento da perspectiva existencial dentro das perspectivas natural e histórica. O homem moderno, diz o autor, é sufocado pelas dimensões do tempo e do espaço, tem sua compreensão da realidade severamente limitada e tenta moldar o mundo a imagem e semelhança disto. O Estado moderno é a realização máxima deste ideal, através do qual tenta-se moldar as sociedades, seja através da aceitação de que dependemos do conhecimento científico para termos uma vida mais feliz ou das transformações revolucionárias para criar a sociedade perfeita. O problema é que uma via ou outra é a morte da democracia. E Olavo defende que, sim, as democracias estão sucumbindo à tentação de recriar o Império, o poder político unificado antes sonhado pelos antigos monarcas romanos, imperadores mongóis ou ditadores soviéticos. As grandes tradições religiosas da humanidade seriam a grande barreira para esta tentação porque mantém vivas a perspectiva de mistério da existência e resistem, portanto, às iniciativas de controle e administração total da vida. Conclui-se disto que a decadência cultural viria a engolfar as democracias ainda existentes e suprimir as liberdades.
Até a segunda edição do livro, lançado em 1995, o poder do Império analisado por Olavo de Carvalho estava encarnado na sua concepção americana, republicana e maçônica. Mais recentemente o autor revisou esta tese e considera que a ameaça tirânica está corporificada não em um país, mas num plano multinacional ou supranacional: o Império Globalista.
(Assembléia Geral da ONU na sua sede em Nova Iorque: ideal democrático de paz mundial ou ameaça de ditadura global?)
É extremamente exemplar o debate que Olavo travou com o filósofo russo e ideólogo do Kremlin Alexander Dugin. A discussão foi transformada no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Olavo de Carvalho e Alexandre Dugin. Os debatedores concordam com a emergência de três grandes poderes mundiais que pretendem unificar o planeta sob o Governo Mundial: o globalismo, o eurasianismo e o islamismo. O globalismo é o poder identificado por Olavo no seu livro O Jardim, mas aqui as duas demais formas de poder são brevemente discutidas. A diferença é que enquanto Dugin está consciente e deliberadamente comprometido com um dos projetos (o eurasiano), Olavo rejeita os três por considera-los opressores. A crítica básica é de que um plano global é impossível, e a tentativa de reformar o mundo inteiro através de um plano unificado deve ser rejeitado de imediato.
É aí que entra a ilusão de Fukuyama. Em seu livro o sociólogo americano não pensa num governo mundial, mas como pode ele descrever um processo histórico que culmine num fim ideológico definitivo se é impossível levar em consideração todas as variáveis que determinam todos os sistemas políticos ao longo de todos os tempos? Como falar de um "fim da História" se não se sabe exatamente como a humanidade começou e, portanto, não é possível fazer um traçado integral do plano histórico de forma a chegar numa conclusão definitiva? A crítica que o historiador francês Lucien Febvre faz à teoria da história das civilizações de Arnold Toynbee no texto Contra "duas filosofias oportunistas da História": de Spengler a Toynbee (1936) toca exatamente neste ponto: "Mas o que são 6.000 anos [tempo das civilizações], quando pensamos que o mundo tem sua origem há dois bilhões de anos, a vida sobre a Terra, há 300 milhões, e o aparecimento do homem há 300.000?"
A ideia de espalhamento da democracia e da economia de mercado proposta por Fukuyama é exatamente o plano globalista. A diferença é que o globalismo, no fundo, não é democrático, e sim utiliza-se do sistema democrático para encobrir seus planos globais. Não foi por acaso que duas organizações do bilionário George Soros, que é acusado de promover ativamente as causas globalistas no mundo, foram banidas da Rússia, centro do poder eurasiano.
(A "Criação de Adão", de 1510, de Michelangelo: as grandes tradições religiosas como base da vida política e defesa da liberdade humana.)
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