(Imagem de satélite da Tempestade Subtropical Yakecan na tarde de 17 de maio.)
Na chuvosa e ventosa tarde de quarta-feira passada dirigi da orla do Guaíba, em Porto Alegre, até minha casa, distante dez quilômetros do local. Meu temor não se confirmara: trânsito livre durante todo o trajeto, poucos carros se comparado à hora do rush. Deveria ficar parado por alguns momentos, disputar espaço com alguns carros e ter um pouco de paciência. Nada disso. Dirigi tranquilo como se estivesse numa manhã de domingo.
Passei pela rua de um grande colégio particular. Ninguém na calçada, os alunos foram dispensados porque o incomum ciclone subtropical ameaçava a segurança da gurizada. Até aí sabia do fechamento de algumas escolas e universidades, obviamente um exagero, mas ainda assim parecia ser algo pontual. Até dobrar uma esquina e ver uma academia sempre lotada às escuras. Onde estava o pessoal? Como vim chegar tão rápido em casa justamente na hora mais movimentada do dia e sob chuva?
Só então percebi que boa parte de Porto Alegre estava paralisada pelo alerta do Ciclone Subtropical Yakecan, nome indígena utilizado para batizar o fenômeno e que significa "som do céu" na língua tupi-guarani. O ciclone, considerado tempestade devido às rajadas de vento acima dos 62 km/h, limite mínimo para essa classificação, paralisou não só parte de minha cidade com mais de trinta no Rio Grande do Sul. Escolas, universidades, parte de comércio e serviços fechados, trânsito à míngua, quase ninguém nas ruas.
Já vi ventanias muito piores do que a do referido ciclone, um fenômeno raro devido à sua trajetória, dado que os últimos ciclones subtropicais que acompanhei em vários anos passados nunca chegaram em terra com seu centro. Ventos muito fortes, um pouco menos do que o previsto com rajadas que poderiam chegar à força de um furacão.
A diferença, porém, é que as chamadas "rajadas de furacão" (de 120 km/h para mais) não são ventos como de um furacão, que se caracterizam pela velocidade sustentada, ou seja, contínua de 120 km/h ou mais. Curiosamente Porto Alegre parou parcialmente por ventos que já vira muitas outras vezes, como ciclones extratropicais que causaram ventanias piores do que nosso querido Yakecan.
Se formos levar em consideração o alerta não havia razão para paralização. O histórico não evidenciava risco de vida, fora fatalidades que pudessem ocorrer pela navegação em alto-mar ou em alguma circunstâncias fatal pela grande população de uma metrópole. Dezenas de outros ciclones e temporais, seja de verão ou por frentes muito ativas, não levaram a qualquer fatalidade, e não havia cabimento a paralisia pela tempestade que se avizinhava.
Fiquei impressionado - e incomodado - pela reação exagerada e patológica ao ciclone. Se a cada alerta meteorológico tivermos de tomar medidas draconianas do tipo como poderemos planejar coisas de médio prazo como planos de aula para um trimestre, viagens e obras? Como organizar uma agenda de negócios e atendimentos para uma semana? Se o ciclone exige, pelo suposto risco à segurança, paralisar todas as atividades, por que não fazer o mesmo num alerta de chuva muito forte e volumosa devido a um outro sistema meteorológico que venha despejar baldes de água sobre a cidade ou áreas montanhosas com risco de deslizamentos? E num ciclone extratropical subindo ao longo do litoral, coisa muito comum no período do outono à primavera na costa sudeste da América do Sul, não deveríamos nós ficarmos forçosamente em casa num dia de muito vento seguindo à risca alertas meteorológicos baseado em previsões - sim, previsões, não profecias místicas - ignorando toda a variabilidade da própria margem de erro da previsão e da complexidade e espontaneidade da vida cotidiana?
Sim, o Ciclone Yakecan foi incomum por ser subtropical e raro pelo trajetória e força, mas o precedente aberto pela paralisia deu margens para outras loucuras do tipo. Os dois grandes elementos dessa loucura foram, primeiro, o medo invisível que se mantém difuso pelos ares desde o auge da pandemia e, segundo, a má comunicação - e mesmo o conveniente exagero para angariar publicidade na internet - ao considerar a tempestade uma ameaça mortal como um furacão, ao qual o ciclone foi comparado.
Dessa vez o inimigo não era invisível como um vírus, mas também não era identificável diretamente, pois ninguém pode ver um ciclone em todo o sem conjunto. Dependendo do suporte informativo de terceiros, as pessoas ficaram à mercê de alguns porta-vozes que não sabiam muito bem como se dirigir a elas para falar de algo novo, outros fizeram um desnecessário sensacionalismo para chamar a atenção e ganhar notoriedade, outros ainda afirmaram, sem saber, que o Yakecan poderia virar um furacão e repetir a tragédia do Catarina em 2004.
O que fazer, então, com uma ameaça que não podemos ver e que a qualquer momento pode ameaçar a sua vida? O único remédio evidente era evitá-lo, não tocá-lo, tomar distância e ficar em casa. Tudo já condicionado pelos últimos dois anos de loucura. As pessoas ficaram com medo, o comércio fechou e a debandada foi geral.
Mas a novidade foi que a paralisia veio não por imposição, mas por alertas e recomendações de órgãos públicos e privados, como a Defesa Civil Nacional e alguns institutos de meteorologia. Com medo, muitas pessoas decidiram acatar as recomendações, e muitos locais, como uma universidade aqui em Porto Alegre que visitei no dia seguinte, paralisaram as atividades por pressão das próprias pessoas.
De forma um tanto confusa, o Yakecan causou uma espécie do lockdown climático parcial e abriu o perigoso precedente que busco alertar aqui, o de manipular a opinião pública e impor por meios tirânicos a paralisação e controle de tudo em nome da "segurança" e do "bem comum". Lockdown e comportamentos condicionados, como bem sabemos, com base supostamente científica e prontamente declarada por ditadores de província, engenheiros sociais e ativistas ávidos por transformar a sociedade para um mundo melhor, todos com suporte e patrocínio do velhos meios de comunicação.
Nada impede que uma nova tempestade ou mesmo um fenômeno meteorológico comum reative o fechamento geral e a censura em bloco. Afinal, quem irá contra o "senso comum" fabricado pelas redações de jornais cujo objetivo é exatamente esse, o de forjar um senso comum?
O Yakecan provou que isso é possível e que muitas pessoas, talvez a maioria delas, estejam dispostas a baixar a cabeça ante uma nova tempestade de decretos e aceitem uma nova censura e um novo lockdown. Todas de forma absolutamente passivas como árvores ao vento.